Em maio de 2009, Juliana Seixas Antunes viajou com o marido para Barcelona. “Ficámos num hotel fora do centro”, conta à MAGG. “Não sabíamos que era um feriado local e, na volta, vimos mal o horário dos transportes.” Um pequeno percalço acabou por se transformar num inferno — o casal ainda tentou apanhar um táxi, mas acabou por perder o voo. Sem dinheiro para um bilhete de última hora, a solução foi voltar de autocarro. “Foram 17 horas de viagem e uma excursão sem fim por Espanha. Uma aventura!”
Sofia Ribeiro Alcobia pode dizer o mesmo. Em julho passado, comprou uma viagem de sete dias para toda a família. “Era a nossa primeira viagem de cruzeiro. Ao terceiro dia apanhámos muita ondulação, e na noite de aniversário do meu marido estivemos os quatro a vomitar à vez.” A situação foi de tal forma dramática que estiveram assim durante 12 horas, até o cruzeiro atracar. “Foi horrível, tivemos de chamar o médico à cabine. O meu marido foi o único que se aguentou.”
Em terra firme, a companhia informou-os que na noite a seguir também haveria ondulação. A família concordou em uníssono: nem pensar em voltar a passar por aquilo. “Apanhámos o avião de volta para Barcelona, onde estava o nosso carro. “Foi pena termos abandonado o cruzeiro a meio, mas depois de uma noite tenebrosa, e com os meus filhos a dizerem que não queriam mais passar por outra noite assim, optámos por não continuar.”
Tirar férias deveria ser uma experiência de sonho. Depois de meses e meses a trabalhar, sair do país deveria ser sempre extraordinário, uma aventura repleta de gargalhadas, fotografias no Instagram, diversão sem parar. Pois é, devia. Mas às vezes os azares acontecem e ninguém quer saber se está de férias ou não.
Uma segunda lua de mel transformou-se em duas semanas de internamento
A 10 de julho de 2016, no dia em que Portugal foi campeão da Europa, Óscar Brosque e a mulher, Eliana, partiram para Malta. “Era para ser uma semana de férias com a minha esposa, numa suposta segunda lua de mel. Sem preocupações com dinheiro, tudo à grande e à francesa, como se costuma dizer”, recorda à MAGG Óscar Brosque, 48 anos.
Os problemas começaram antes mesmo de embarcarem no avião. Eliana começou a queixar-se de dores de estômago, mas ambos desvalorizaram a situação — era habitual isso acontecer, por isso tomou um Buscopan e ficou à espera que passasse. Só que não passou: assim que o avião descolou, começou a sentir-se pior. Óscar chegou a pensar que o voo teria de ser desviado.
Já em Malta, o casal conseguiu chegar ao hotel. Talvez só precisasse de descansar. “Fui a uma farmácia comprar coisas para o estômago. Ela ainda esteve mais de uma hora deitada, a ver se as dores passavam. Acabou por me pedir que a levasse ao hospital.”
Naquele momento, Óscar Brosque começou a tomar consciência de que talvez não fosse uma simples dor de estômago. Se aquele quadro era habitual em Eliana, pedir para ir ao hospital não era. De todo.
“Levei-a ao hospital e ela ficou internada para observação. Voltei para o hotel e, no dia seguinte, passava pouco da sete da manhã, acordo com uma chamada a dizer que ela ia ser operada de urgência.”
O intestino tinha dado um nó. Após a operação, o cirurgião disse-lhes que Eliana tinha estado “às portas da morte”, uma vez que o intestino estava completamente bloqueado. Aquilo que eram para ter sido umas férias românticas de uma semana transformaram-se num pesadelo de duas, onde Óscar passou os dias no hospital ao lado da mulher, sem nunca saber quando é que ela teria finalmente alta.
No meio de tanta desgraça, felizmente Óscar Brosque tinha seguro — e a aventura acabou por ser menos dispendiosa do que poderia ter sido. Ainda assim teve de mudar para um hotel que ficava na outra ponta da ilha, bastante mais longe do hospital.
Quando chegou para fazer check-in, de manhã, disseram-lhe que só podia dar entrada no quarto ao final do dia. Óscar deixou as malas numa arrecadação junto à piscina.
Quando cheguei à noite para ir buscar as malas, a porta fechou-se. Não destrancava por dentro."
“Quando cheguei à noite para ir buscar as malas, a porta fechou-se. Não destrancava por dentro”, ri-se Óscar Brosque.
Ficou 40 minutos fechado, com a lanterna do telemóvel ligada, na esperança que alguém visse a luz. Lá acabou por ser salvo por um miúdo. “Nem tinha número para ligar para a receção, não tinha nada.”
As aventuras não ficaram por aqui. Nesse segundo hotel, Óscar ainda acabou por ser roubado. Como andava com duas bagagens de mão, uma da mulher e outra dele, só reparou quando chegou a Portugal que as jóias de Eliana tinham sido levadas. “Não dei por nada lá porque nunca abri a mala dela.”
A viagem de regresso a Portugal também não foi fácil. Com a barriga cheia de agrafos, Eliana teve de fazer dois voos — Valeta-Frankfurt e Frankfurt-Lisboa. A viagem para Frankfurt correu tranquilamente, mas de Frankfurt para Portugal começou a inchar e a ficar cheia de dores de estômago. “Já vínhamos os dois aflitos.” Felizmente conseguiram chegar bem a casa e, depois de descansar um pouco, as dores passaram.
“Mas depois foi tudo muito complicado, mesmo aqui. Como tinha sido operada fora do país, não havia ninguém que lhe quisesse tirar os agrafos. Enfim. Foi uma aventura para esquecer em todos os aspetos.”
Quando tudo correu mal, Melany e Sérgio foram salvos por um taxista
Dez anos antes da aventura de Óscar e Eliana Brosque, Melany Ferreira e o atual marido (na altura namorado), Sérgio Cruz, tinham acabado os cursos universitários — ela em Geografia, ele em Engenharia Informática — e tinham começado a trabalhar há pouco tempo. "Foi a nossa primeira viagem de avião", recorda Melany, 36 anos, à MAGG.
Com pouco dinheiro na carteira, mas muita vontade de começar a conhecer o mundo, o casal escolheu como destino Malmö, na Suécia. Por brincadeira, na altura criaram um blogue chamado Olha os Prosas, para manter a família e amigos atualizados de todas as aventuras. Naquela altura estavam longe de imaginar como iriam rechear a página de peripécias.
Saíram do Porto por volta das 21 horas de 24 de abril, já com 15 minutos de atraso. Nada de especial — teriam mais do que tempo para aterrar no aeroporto de Stansted, no Reino Unido, e depois seguir para Malmö.
"Quando estávamos a aproximarmo-nos de Londres, o avião andava às voltas e às voltas mas não havia meio de aterrar."
Depois de umas quantas frases indecifráveis, o piloto acabou por informar os passageiros de que o voo teria de ser desviado devido ao forte nevoeiro. Acabaram por aterrar em Nottingham East Midlands, mas continuaram descansados — o próximo avião só iria partir às 6h55, portanto, mesmo sem o atraso, teriam sempre de passar a noite no aeroporto.
Depois de uma hora à espera do transfer do aviião para o aeroporto, e de mais duas para chegar a Stansted, outra surpresa: à semelhança de outros 19, o voo para Malmö tinha sido cancelado devido ao mau tempo. E a aventura ainda estava prestes a começar. Depois de umas longas 13 horas no aeroporto, abriu finalmente o balcão para o check-in. Nesse momento, Melany e Sérgio estavam em pânico por uma outra razão — alertar a pousada da juventude para o que tinha acontecido e avisá-los de que chegariam mais tarde do que o previsto.
"Nós não tínhamos trazido o número da pousada, por isso tentámos encontrar alguém que tivesse acesso à Internet — isto já foi em 2006, portanto não era assim tão fácil como é hoje."
Quando conseguiram ligar, foi-lhes dito que teriam de ligar até às 22h45 para que estivesse lá alguém à espera deles depois das 23h, altura em que deveriam chegar. Problema: o voo voltou a atrasar e aterraram em Malmö exatamente às 23h.
"Assim que saímos do avião, tentámos telefonar para a pousada, mas já ninguém nos atendeu."
Chegaram à pousada por volta da meia-noite. Tocaram insistentemente à campainha, mas já não estava lá ninguém. Sem saber o que fazer, dirigiram-se às únicas pessoas que ainda estavam na rua: os taxistas.
"Depois de explicarmos a situação, um deles ligou do seu telemóvel para vários hotéis num raio de 30 quilómetros, mas estava tudo esgotado."
Como se não bastassem os contratempos meteorológicos, estava a decorrer uma grande conferência na cidade. Já era uma da manhã, e Melany e Sérgio estavam desesperados — depois de passarem a noite em branco no aeroporto, a última coisa que queriam era dormir ao relento à porta da pousada, ainda para mais com o frio que estava.
Este homem vai fazer-vos um favor. Vai levar-vos para dormirem na sua casa. Metam as bagagens no carro dele."
Foi então que um dos taxistas, um moldavo com cerca de 50 anos, disse qualquer coisa a um dos colegas. "Este homem vai fazer-vos um favor. Vai levar-vos para dormirem na sua casa. Metam as bagagens no carro dele", traduziu o outro taxista.
Num misto de alegria e medo, o casal aceitou. Meteram-se no carro e começaram a andar. Passaram por campos intermináveis, sem nada à volta. Com apreensão, chegaram finalmente a casa dele. O taxista entrou, mandou-os esperar na sala (por sinais, uma vez que não falava inglês) e foi acordar a mulher — que era romena e, perceberam mais tarde, falava muito pouco inglês.
"Eles foram absolutamente impecáveis connosco: deram-nos dormida, um pequeno-almoço espetacular e ainda nos deixaram tomar banho."
No dia seguinte, o casal levou Melany e Sérgio até à pousada. Como só abria à tarde, foram tomar um café — onde, mais uma vez, o taxista fez questão de pagar tudo. Quando se despediram, trocaram contactos e abraçaram-se como se fossem velhos amigos.
"No último dia eu queria ligar-lhe para lhe agradecer, mas não sabia como fazê-lo porque ele não iria perceber. Ela falava uma ou outra palavra, eu só lhe dizia bye, bye, bye. À espera do autocarro para ir para o aeroporto, vimo-lo na paragem de táxis."
Como ainda faltava algum tempo para o voo, o taxista ofereceu-se para os levar ao aeroporto, mas não sem antes darem um salto até casa dele. "A mulher ainda nos mandou um lanche para comermos no avião", ri-se Melany. "Fomos lá dois anos depois convidá-los para virem ao nosso casamento". Acabaram por não vir, mas ficaram amigos. Ainda hoje mantêm o contacto pelo Facebook.
Antes de a viagem terminar, porém, ainda houve tempo para mais uma peripécia: o alarme disparou no aeroporto de Stansted, e espaço teve de ser evacuado. "Foi um alarme falso, mas pronto. Tinha de acontecer mais alguma coisa antes de terminar."
Desde então, Melany e Sérgio já fizeram muitas viagens juntos, incluindo umas quantas de mochilas às costas. Nenhuma foi tão atribulada como a primeira.
Diretamente do México para a capa do “Correio da Manhã”
Em 2009, Patrícia Ramos foi de férias com uma amiga durante uma semana para o México, mais precisamente para Puebla, a menos de 130 quilómetros da Cidade do México.
"Quando estávamos a voltar, apercebemo-nos no aeroporto que estava toda a gente de máscaras", conta a assessora de imprensa e autora do blogue Marcas Avant-Garde à MAGG. "Nós estávamos um bocadinho alheadas da realidade, confesso. Não tinhamos visto notícias nem nada, quisemos aproveitar as férias ao máximo."
Quando perceberam que estava toda a gente com máscaras, Patrícia e a amiga acharam estranho. Acabaram por também comprar uma. Quando lhes pediram que preenchessem um formulário onde tinham de garantir que não estavam doentes para poderem sair do país, ficaram ainda mais desconfiadas.
Estávamos um pouco constipadas mas tentámos disfarçar — a última coisa que queríamos era ficar de quarentena na Cidade do México onde não conhecíamos ninguém."
"Percebemos que havia uma gripe qualquer, mas não percebíamos qual era o verdadeiro impacto da mesma. Dissemos que estávamos ótimas, saudáveis. Estávamos um pouco constipadas mas tentámos disfarçar — a última coisa que queríamos era ficar de quarentena na Cidade do México onde não conhecíamos ninguém."
Patrícia Ramos e a amiga conseguiram embarcar. Quando fizeram escala em Nova Iorque, perceberam finalmente a gravidade da situação: estavam perante um surto global de uma variante de gripe suína, cujos primeiros casos tinham ocorrido no México.
"Estava toda a gente colada aos ecrãs a acompanhar o que se estava a passar. Aí sim percebemos a gravidade da situação: já havia várias mortes confirmadas na Cidade do México, Nova Iorque, Houston. E nós a pensarmos: 'Meu Deus, nós passámos por estes sítios todos'. Para lá houve um voo que foi alterado e então acabámos por ter de passar também por Houston."
Quando chegaram a Lisboa, Patrícia Ramos disse à amiga que ia apanhar um bocadinho de ar e pediu-lhe que comprasse um jornal qualquer — de preferência um que tivesse como tema de capa a gripe. "Têm todos, Patrícia", respondeu-lhe a amiga minutos depois. "Todos?", perguntou-lhe. "Todos".
Patrícia Ramos e a amiga decidiram ir diretamente do aeroporto para o Hospital Amadora-Sintra. Se tivessem de facto infetadas, era importante que soubessem o mais rapidamente possível — afinal, era da saúde pública que se tratava.
No início, a enfermeira desvalorizou completamente a situação. "A resposta dela foi: 'Se todas as pessoas que vierem do México vierem aqui parar, eu não faço mais nada'".
A enfermeira disse-lhe que teriam de esperar cerca de três horas até serem atendidas. Pouco tempo depois, porém, apareceu outra profissional de saúde que lhes deu novas máscaras, mais resistentes, e as encaminhou para fazerem alguns exames.
'Então eu estou bem, não tenho nada?'. Ela respondeu-me: 'Sim, sim, está tudo bem. Mas tire a máscara lá fora'"
"Foi tudo um bocadinho surreal, porque não havia de facto análises, havia só análises normais ao sangue. Eu estava com uma espécie de infeção respiratória, mas era uma constipação normal. Lembro-me perfeitamente de estar sentada em frente à médica e de ela dizer-me: 'Pronto, pode ir para casa'. 'Então eu estou bem, não tenho nada?'. Ela respondeu-me: 'Sim, sim, está tudo bem. Mas tire a máscara lá fora.' 'Calma, está tudo bem comigo, posso ir para casa, mas à sua frente não posso tirar a máscara?'."
O "estão bem" tornou-se mais complexo do que o previsto — acabaram por receber indicações para não ir trabalhar e para regressarem ao hospital. Assim fizeram.
Na altura Patrícia Ramos era jornalista no Destak, da Cofina, que detém o "Correio da Manhã". Quando souberam da história, pediram para falar com Patrícia. A jornalista acabou por aceitar, uma vez que até pertenciam ao mesmo grupo.
"No dia a seguir, a manchete era: 'Duas portuguesas de quarentena'. E o artigo começava: 'Patrícia Ferreira [nome de solteira]'."
Está toda a gente a ligar-me, Patrícia", disse-lhe. "Os telejornais estão a abrir com os nossos nomes"
Antes de conseguir avisar a amiga, já estava a receber uma chamada dela: "Está toda a gente a ligar-me, Patrícia", disse-lhe. "Os telejornais estão a abrir com os nossos nomes."
Naquela altura, os médicos tinham quase a certeza que as jovens não tinham nada — e não tinham, de facto. No entanto, por uma questão de precaução, foi-lhes dito que passassem uma semana em casa. Assim foi — Patrícia e a amiga passaram uma semana em casa a receber chamadas de amigos, familiares e, claro, jornalistas.
“Na altura nós trabalhámos em frente das instalações da SIC, e queriam que nós fôssemos ao programa da ‘Fátima Lopes’. Já tinham alguém do Ministério da Saúde que ia falar, e queriam que eu e a minha amiga fôssemos lá. O que eles queriam era mostrar que nós estávamos bem, que não tínhamos nada. Nós só queríamos que aquilo passasse o mais rápido possível.”