Freddie Mercury foi uma das vítimas do VIH nos anos 90. Morreu a 24 de novembro de 1991, com 45 anos, com uma bronco-pneumonia, uma das doenças oportunistas que se aproveitam de quem tem um sistema imunitário fraco, incapaz de lutar. Apesar de gravemente doente, foi só já na véspera da sua morte que o cantor anunciou ao mundo que era portador do vírus.

Esta é uma parte da vida do ator ainda muito desconhecida — e que não é explorada no filme “Bohemian Rapsody” em cena nos cinemas portugueses. Apesar da excentricidade e alegria nos seus espetáculos, ele era “um homem intensamente privado fora do palco”, como relatou Elton John no livro de 2013 “Love is the Cure: One Life, Loss and The End of Aids”. Nas páginas que o músico britânico dedica a todos os que foram levados e discriminados pelo VIH — uma das causas que abraçou, tendo criado a  Elton John AIDS Foundation —, ele mostra um lado de Mercury que poucos conhecem: a forma como escondeu a doença (apesar de ter admitido que tinha contraído o vírus a Elton John em 1987), como manteve as aparências, continuou a atuar, a ser extravagante, mesmo sabendo que “uma morte agonizante” se aproximava.

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O excerto do livro do autor de “Can You Feel The Love Tonight” termina com a história comovente de como Freddie Mercury  surpreendeu Elton John no dia de Natal de 1991, um mês após a sua morte.

No livro, Elton John escreveu:

“Freddie não anunciou publicamente que tinha sida, até à véspera da sua morte, em 1991. Apesar de extravagante no palco — uma frente elétrica, a par com Bowie e Jagger — ele era intensamente privado fora dele. Mas o Freddie disse-me que tinha sida, depois de ter sido diagnosticado em 1987. Fiquei devastado. Tinha visto o que é que a doença tinha feito a tantos outros amigos. Eu sabia exatamente o que é que ia acontecer ao Freddie. Tal como ele. Ele sabia que a morte, uma morte agonizante, se aproximava. Mas o Freddie era incrivelmente corajoso. Ele manteve as aparências, continuou a atuar com os Queen, e continuou a ser engraçado, escandaloso e a pessoa profundamente generosa que sempre foi.

Ver o Freddie a deteriorar-se no final dos anos 80 e início dos 90, era quase demais para aguentarmos. Partiu-me o coração ver esta luz absoluta a ser levada pelo mundo devastado da sida. No final, o corpo dele estava coberto de lesões do sarcoma de kaposi. Estava quase cego, demasiado fraco para se levantar.

Por todos os direitos, o Freddie devia ter passado aqueles dias finais preocupado com o seu conforto. Mas ele não era assim. Ele vivia verdadeiramente para os outros. Freddie morreu a 24 de novembro de 1991 e, semanas depois do funeral, eu ainda estava a viver o luto. No dia de Natal, soube que o Freddie me tinha deixado um último testemunho de abnegação. Estava deprimido e um amigo apareceu à minha porta e deu-me qualquer coisa embrulhada numa fronha. Abri e lá dentro estava uma pintura de um dos meus artistas favoritos, do pintor inglês Henry Scott Tule. E havia um bilhete do Freddie. Anos antes, eu e o Freddie tínhamos dado alcunhas de estimação um ao outro, dos nossos alter egos de drag-queen. Eu era a Sharon e ele era a Melina. Na nota, lia-se: 'Querida Sharon, Achei que ias gostar disto. Amor, Melina. Feliz Natal.'

Comovi-me e, com 44 anos na altura, chorei como uma criança. Ali estava um homem lindo, a morrer de sida, e nos seus últimos dias, de alguma forma, conseguiu dar-me um lindo presente de Natal. Por mais triste que tenha sido aquele momento, é nesse em que penso sempre que me lembro do Freddie, porque capta o seu carácter. Na morte, ele lembrou-me daquilo que o fez tão especial em vida.”