14 de junho, 2020. Com grande parte da população mundial confinada devido aos efeitos da pandemia, os BTS, um grupo de música sul-coreana composto por sete membros, acabava de acumular mais uma distinção num currículo que já soma mais de oito anos de carreira. Através de uma transmissão ao vivo, a banda cantou e dançou ao ritmo de um alinhamento de 12 canções originais, num evento transmitido diretamente da Coreia do Sul para os computadores de milhares de fãs — 750 mil, mais concretamente, espalhados por mais de 100 países diferentes, batendo assim o recorde mundial do Guinness no que dizia respeito às audiências dos concertos virtuais.

Este, no entanto, era só mais um recorde conquistado. Antes, já o grupo tinha conseguido afirmar-se com a primeira boys band de K-pop — o termo usado para designar o movimento de música pop vinda da Coreia do Sul — mais ouvida nos EUA; a primeira banda com o vídeo mais visto do YouTube em apenas 24 horas; e a chegar ao primeiro lugar do iTunes em quase todo o mundo, recorde estabelecido por Adele em 2015.

Além de serem considerados um dos grupos mais conhecidos e importantes do movimento, os BTS são também responsáveis transportar a onda coreana para o Ocidente, onde têm vindo a arrecadar seguidores. Em Portugal não faltam fãs e é na Rádio Radical, por exemplo, que todos os dias, pelas 19 horas, se dedica um segmento de uma hora a toda a música pop sul-coreana.

A explicação para o fenómeno pode ter várias respostas. Para Pedro Vieira, 29 anos e apreciador de K-pop há cerca de três, os BTS beneficiam de uma história que é de fácil identificação com os fãs. "O percurso deles é semelhante ao de uma história clássica cujos protagonistas estão, à partida, em posição de desvantagem", diz à MAGG.

"[Os BTS] começaram numa indústria altamente agressiva, agregados a uma produtora que não era assim nada de especial em termos mediáticos e, mesmo assim, foram capazes de criar o seu próprio sucesso", explica. Mas para Vieira, no entanto, a questão central é outra e passou, essencialmente, "por ter sido tomada uma decisão muito séria que poucas bandas tomam", referindo-se à inversão do fluxo de comunicação entre o grupo e os fãs.

BTS. Afinal, o que é que estes músicos sul-coreanos têm de diferente de outras boys band?
Pedro Vieira, 29 anos, é ouvinte de k-pop e entusiasta dos BTS há três créditos: Fotografia cedida por Pedro Vieira

Ou seja, a centralização de toda a comunicação, "falando diretamente com o grupo de fãs e tornando-o num público pessoal, dando novidades sobre o que está a acontecer na vida da banda", e mantendo sempre uma elevada taxa de interação. Nas era das redes sociais, diz Pedro, é isto "que mais se quer".

Sofia Santos, 27 anos e ouvinte de BTS há três depois de ter descoberto, por mero acaso, um vídeo no YouTube, é da mesma opinião. "A ideia diferenciadora", pelo menos no que toca à comparação direta com outros grupos do Ocidente, é que os BTS "envolvem toda a sua comunidade de forma bastante permanente" através do lançamento de conteúdos novos.

"Esses conteúdos não são necessariamente canções novas, mas sim vídeos, fotografias, concertos ou até entrevistas", continua, reforçando que é a forma regular desses lançamentos capaz de promover esta ideia de consistência e originalidade que talvez não se encontre noutras bandas.

"No K-pop, as bandas nascem e desaparecem porque vão surgindo outras. Enquanto espectador e seguidor, quero acreditar que os BTS perceberam que a única maneira de se manterem relevantes ao longo dos anos, principalmente na transição de jovens-adultos para adultos, foi mantendo a sua base de fãs forte e consistente", complementa Pedro Vieira.

Isto porque, explica, há cada vez mais grupos do género que, musicalmente, convergem no mesmo sentido — alguns deles, até, existem meramente no plano virtual como é o caso das KDA, que surgiram do "League of Legends", aquele que ainda hoje é um dos videojogos mais populares do mercado e que provavelmente terá levado o género a novos públicos.

"Quando pensamos em K-pop, talvez seja fácil estabelecer uma base de fãs composta, maioritariamente, pelas camadas mais jovens da população. Mas quando surge um grupo como as KDA, vindas de um jogo, há jogadores de 20 e 30 anos que se interessam pelo género e que, depois de o explorar, acabam por se interessar pela musicalidade", refere.

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Já Inês Infante, 27 anos e ouvinte de K-pop há quase uma década, diz que aquilo que a cativou na banda foi o facto de fugirem à "musicalidade convencional das bandas americanas e europeias", mas também a forma como abordam dificuldades que são comuns e próximas de quem os ouve.

"Temas como amor, amizade, perda e morte estão muito presentes nas letras dos BTS e lembro-me de achar reconfortante, face àquilo que as outras bandas ocidentais tinham para oferecer", explica. Embora não saiba ler nem falar coreano, há vários anos que isso deixou de ser um obstáculo uma vez que a internet permite o acesso, imediato, à tradução das letras.

De repente, a onda coreana extravasava os limites fronteiriços e conhecia novos públicos à partida inatingíveis.

O sucesso da onda coreana face às boys band ocidentais

Mas, afinal, o que é que estes músicos sul-coreanos têm de diferente de outras boys band de renome no Ocidente? Pedro não tem dúvidas: as atuações frenéticas e contagiantes.

"Todo o K-pop está, invariavelmente, orientado para a dança e para as atuações que são muito eletrificantes. Tudo é orquestrado de uma maneira exímia, como um puzzle que, no final, encaixa de forma perfeita. Aqueles músicos são cantores e dançarinos profissionais, individuais e em grupo, e é essa essência que parece faltar às bandas ocidentais."

Para reforçar o seu ponto, Pedro recorda um comentário que é regularmente utilizado: "Há uma piada muito comum que diz qualquer coisa como: faças o que fizeres, haverá sempre um asiático a fazer melhor do que tu. No K-pop, isso parece ser o expoente máximo porque, de facto, aqueles rapazes e aquelas raparigas cantam e dançam que se desunham."

BTS. Afinal, o que é que estes músicos sul-coreanos têm de diferente de outras boys band?
Sofia Santos, 27 anos, é entusiasta de K-pop há três anos. créditos: Fotografia cedida por Sofia Santos

Sofia Santos diz que a exigência da produção que ronda os BTS não deve ser descurada, mas aponta outros fatores para explicar o fenómeno. "Quando se fala em produção, não se deve ignorar que todos eles, e são sete, são muito bem parecidos", ainda que, garanta, não possam ser considerados sex symbols nem tenham comportamentos que remetam para essa ideia.

Talvez isso, diz, seja o suficiente para os tornar mais interessantes. E a prova é quantidade de interações que as suas fotografias recebem nas redes sociais após a publicação, num exercício que Sofia diz "levantar o véu sobre o mistério que existe à volta deles".

Além disso, Sofia refere que nos BTS não é criada uma "narrativa de drama que alimenta algumas das bandas ocidentais". "Se é verdade que, por um lado, o drama em redor de grupos europeus e americanos ajuda a criar picos de tensão e de interesse, também é verdade que, a longo prazo, pode afastar pessoas quando estas não concordam com algumas das atitudes que os membros do grupo vão tomando. No caso dos BTS não há esse pico, é certo, mas a verdade é que conseguem manter os fãs que vão ganhando, nunca os perdendo por zangas do género."

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Inês, por sua vez, destaca a componente empática que é já indissociável do grupo e que foi reforçada quando, em 2017, os BTS deram voz a uma campanha da UNICEF de apelo ao amor-próprio e contra a violência entre jovens. O poder da mensagem é especialmente profundo se se tiver em consideração que grupos como estes nascem num universo altamente competitivo, marcado pela pressão e a exigência de corresponder a uma quase perfeição idealizada.

"O sistema de ídolos do K-pop foi adaptado daquele que existe no Japão, mas que na Coreia do Sul é um pouco mais extremo. A imagem que tem de ser cultivada para os fãs é a de perfeição. Os membros têm de ser bem parecidos, têm de ter boas capacidades técnicas, saber dançar e cantar, enfim, quase como um robô", revela. Por baixo daquilo que parece ser o arquétipo da perfeição, no entanto, está uma pessoa.

"Sei que estar a ouvir K-pop sabendo de antemão a pressão a que estão sujeitos é contribuir para essa indústria", mas Inês justifica-se dizendo que essa noção de perfeição é ela própria criticada pelo grupo nas suas canções e através de campanhas ativistas e humanitárias como aquela que desempenharam em parceria com a UNICEF.

Isto, diz, prova que os BTS são mais "do que um grupo que cria canções e que só comunica quando tem material novo para mostrar".

O futuro, a obrigação do serviço militar e a pausa inevitável

Quando questionado sobre de que forma é que o grupo poderá continuar a inovar ou, pelo menos, manter a sua base de fãs fiel, Pedro Viera admite a dificuldade de fazer futurismo.

No entanto, não tem dúvidas de que "aceitarem a longevidade que têm pode permitir-lhes alguma maleabilidade para experimentar coisas novas" no universo musical. Provas dadas não faltam e Pedro gostaria, por exemplo, de os ver abordar "temas mais acústicos". Mas qualquer que seja o caminho, passará sempre por uma pausa inevitável, diz Inês Infante.

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Inês Infante, 27 anos, é fã de K-pop e dos BTS há quase uma década créditos: Fotografia cedida por Inês Infante

Em causa está o serviço militar obrigatório a que todos os homens sul-coreanos estão sujeitos até aos 28 anos. Ainda que nenhum dos membros do grupo tenha cumprido o serviço, sabe-se que eventualmente terá de acontecer — mesmo que, em dezembro de 2020, o governo do país tenha aprovado uma lei permite adiar a ida dos membros até aos 30 anos.

A explicação, para Inês, é simples: "Os BTS estão a ser responsáveis por levar a cultura sul-coreana a novos lugares, o que ajuda a economia e o turismo do país." Mas não tem dúvidas de que eventualmente a atividade do grupo terá de ficar em suspenso, o que resultará num impacto negativo.

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Mas talvez isso possa levar a que cada um deles procure, diz Sofia Santos, carreiras mais individuais.

A ideia não é inédita e "alguns deles já lançaram singles ou discos em nome individual". Por isso, Sofia não tem dificuldades em prever o futuro dos sete músicos. "A banda, provavelmente, não chegará ao fim, mas veremos os BTS com projetos mais a solo ou com colaborações extra, quer com artistas sul-coreanos ou com músicos americanos".

Afinal, a onda coreana é séria e os artistas ocidentais sabem bem disso. Que o digam Steve Aoki, Desiigner, Fall Out Boy ou até mesmo Nicki Minaj, que já colaboraram com os BTS ou com alguns dos seus membros a quem pediram de emprestado alguma da notoriedade que estes jovens vêm construindo desde 2013.