A imagem acima não é aquela que associaríamos a uma boyband. São cinco homens com idades compreendidas entre os 42 e os 51 anos, a comerem asas de frango com picante. Tratam-se dos cinco membros dos NSYNC, que escolheram o imensamente popular programa "Hot Ones", nascido e crescido no Youtube, para concederem a primeira entrevista desde que surgiram juntos pela primeira vez em 10 anos, o que aconteceu nos Video Music Awards a 13 de setembro e levou Taylor Swift à beira de um colapso nervoso.

O regresso da banda, 22 anos depois de terem lançado o terceiro e último álbum ("Celebrity") e 19 anos depois de terem oficialmente anunciando o fim do grupo, foi recebido pela geração millennial (e não só) com entusiasmo. Isso é avaliável não só pelos milhões de visualizações que a entrevista concedida a Sean Evans (mais de 3 milhões em menos de 24 horas), mas também pela expectativa que está a ser criada em torno de "Better Place", a primeira música do grupo em quase duas décadas e que será divulgada a 29 de setembro (incluída na banda sonora do filme "Trolls 3").

Os memes, a capacidade criativa dos internautas, o pastiche de conteúdos antigos, transformando-os em referências novas para novas gerações também transportou os NSYNC de uma era já digital mas pré-redes sociais até à Idade da Viralidade. Tudo graças a uma única música, "It's Gonna Be Me" que, graças à pronúncia exagerada da palavra "me", fazendo-a soar como "may", promove um regresso de memes e vídeos a cada 1 de maio.

Sem a longevidade dos Backstreet Boys, com quem partilharam manager durante vários anos (Lou Pearlman, que acabou condenado e preso devido a um esquema de corrupção, além de ter desviado milhões dos lucros angariados pelas duas bandas), os NSYNC representam um momento cultural ímpar na história da pop: foram a última banda com expressão global a vender números recorde de álbuns. Álbuns físicos, CD, não compras online. E isso faz toda a diferença, ainda que, em 2015, Adele tenha batido nos Estados Unidos o recorde previamente detido pela boyband.

Mas vamos a números. "No Strings Attached", segundo álbum da banda, vendeu 1 milhão de cópias no primeiro dia de venda e 2,4 milhões na primeira semana. O terceiro álbum, "Celebrity", vende 1,88 milhões de cópias em sete dias. Ambos os dias continuam no top 3 dos álbuns que mais rapidamente venderam da história da música, apenas destronados por Adele que, numa semana, vendeu uns arrepiantes 3,38 milhões de exemplares.

A diferença entre os recordes é que, no início da década de 2000, para se obter um álbum de uma banda era necessário iniciar um processo muito mais moroso: sair de casa, ir a uma loja de discos (com sorte haveria um centro comercial por perto, com uma Virgin Mega Store ou uma FNAC), pagar, voltar para casa, colocar o CD num leitor portátil ou numa aparelhagem, ouvir. Atualmente, basta ter uma conta bancária, ligação à internet e um dispositivo digital.

Justin Timberlake, Lance Bass, Carson Daiy (apresentador do programa da MTV
Justin Timberlake, Lance Bass, Carson Daiy (apresentador do programa da MTV Justin Timberlake, Lance Bass, Carson Daiy (apresentador do programa da MTV "TRL"), Chris Kirkpatrick, JC Chasez e Joey Fatone créditos: MTV

O pináculo do sucesso dos NSYNC e de outras bandas que venderam milhões e esgotaram digressões assentava não só nesse movimento excêntrico dos fãs (para comprar CD e merchandising, para interagirem diretamente com outros fãs, fosse ao vivo fosse através de clubes, por cartas e troca de bens físicos) mas também no facto de a internet ainda estar a dar os primeiros passos. A informação era escassa, chegava através da televisão, da rádio e da imprensa, e demorava tempo. E era, claro, segregada e selecionada.

O Napster, sistema de streaming musical (o avô do Spotify), e cuja legalidade era questionável, foi o princípio do fim do modelo de negócio da indústria musical. Uns anos mais à frente, o advento do Youtube e das redes sociais, a quase-morte do CD e a multiplicidade de plataformas digitais, viriam a ampliar a possibilidade de consumo mas também a obrigar todos os profissionais do setor a encontrar novas formas de financiamento.

Ironicamente, Justin Timberlake interpretaria Sean Parker, fundador do Napster, no filme "A Rede Social".

Justin Timberlake fez parte do elenco do filme
Justin Timberlake fez parte do elenco do filme Justin Timberlake fez parte do elenco do filme "A Rede Social", de 2010

Os NSYNC foram a última boyband de sucesso à escala mundial antes da era digital, à qual já pertencem os One Direction, nascidos num talent show, e cuja existência também foi curta, e os grupos K Pop, dos quais apenas os BTS conquistaram reconhecimento mainstream, mas que também estão numa fase de pausa. Este sucesso coincide também com o final da idade do ouro da MTV, quando o M ainda significava Music, e com o declínio do TRL (Total Request Live), o programa ao vivo em Times Square, Nova Iorque, onde os mais importantes artistas da altura iam para apresentar os seus novos telediscos.

O canal, que era a plataforma de excelência para a divulgação de novas músicas e álbuns, através de videoclipes que eram mega produções, começa a perder importância no início da década de 2000, orientando os seus conteúdos para o formato de reality tv, prank shows e outros conteúdos de gosto francamente questionável, produzindo aberrações como o execrável programa de apanhados "Punk'd" ou os fenómenos "Jersey Shore" e "Geordie Shore", séries de reality tv que são a mais pura definição de trash tv.

Os ataques terroristas do 11 de setembro, as guerras subsequentes, o clima de medo, hipervigilância, a crise financeira do final da primeira década de 2000, esfriaram a vontade de consumir conteúdos de ingenuidade pop, com letras vazias de intenção, embora magistralmente criadas para adolescentes preencherem os espaços em branco com o nome das suas paixões platónicas.

O reverso da medalha: a carreira em declínio de Justin Timberlake

O mundo da música pop, em particular o das boybands, encerra batalhas de egos, lutas fratricidas por protagonismo. Os Beatles foram a génese dessa dinâmica de tensão entre os dois elementos mais criativos, talentosos, populares, logo rivais, com a histórica inimizade entre Paul McCartney e John Lennon a ter sido um dos motivos do fim da banda.

O convívio aparentemente sadio entre os cinco elementos dos NSYNC não deixa antever que, a um primeiro olhar, haja tensões. Mas é inevitável falar sobre o que aconteceu na era pós-fim da banda, sobre as expectativas colocadas sobre os dois elementos mais populares - Justin Timberlake e JC Chasez  - que acabariam por sair 50% furadas.

O mesmo já tinha acontecido no final da década de 1990, após o fim dos Take That, quando a primeira tentativa de uma carreira a solo de Gary Barlow foi completamente eclipsada por Robbie Williams. E seriam precisas quase duas décadas não só para Barlow ter o reconhecimento público que merecia (era ele que compunha a maior parte das músicas da banda) mas também se reconciliar com Robbie Williams (uma relação tensa, maravilhosamente retratada no documentário de 2010, realizado aquando a única da reunião dos cinco elementos, "Look Back Don't Stare").

Para quem acompanha o percurso dos vários elementos dos NSYNC, em particular de Justin Timberlake, é impossível não olhar para este regresso com um certo cinismo, porque coincide com uma fase em que a carreira do músico não só se encontra em franco declínio mas também porque uma opinião pública mais crítica (e com memória) não esquece as atitudes sexistas que Timberlake teve no passado:

  • usou o seu primeiro álbum a solo, "Justified", para humilhar publicamente a ex-namorada da altura, Britney Spears, acusando-a de traição através das suas letras;
  • nunca reconheceu publicamente ter tido culpas no célebre episódio "Nipplegate". Em 2004, Justin Timberlake e Janet Jackson atuavam em direto no intervalo da Superbowl quando, durante um momento da coreografia, a cantora fica com uma mama exposta devido a um movimento brusco de Timberlake. Este episódio gerou um verdadeiro tumulto nos Estados Unidos. Janet Jackson foi acusada de "comportamento indecente" e, embora a mama tenha surgido no ecrã durante apenas uma fração de segundo, a cantora foi alvo de humilhação pública durante vários anos. As declarações públicas de Timberlake sobre o caso sempre foram ambíguas e, à época, o cantor não defendeu publicamente Janet Jackson.

Foi preciso esperar até 2021 para que, após o documentário do "The New York Times" "Framing Britney Spears", Justin Timberlake emitisse um comunicado onde pedia desculpa por ter feito parte de uma cultura que promovia a misoginia. "Peço desculpa pelas ocasiões na minha vida em que as minhas ações contribuíram para o problema, em que falei quando não devia ou não falei quando devia".

Janet Jackson e Justin Timberlake protagonizaram o famoso escândalo
Janet Jackson e Justin Timberlake protagonizaram o famoso escândalo Janet Jackson e Justin Timberlake protagonizaram o famoso escândalo "Nipplegate", na Superbowl em 2004

Apesar de um início de carreira a solo fulgurante, muito devido à parceria criativa com o produtor Timbaland, o último álbum de Timberlake, "Man of the Woods", foi um fracasso. Com uma carreira no cinema também relativamente promissora (destaque para a comédia romântica "Amigos Coloridos", com Mila Kunis, e "A Rede Social), o músico tem-se mantido ativo na área da representação, sendo o thriller "Reptile" o seu último trabalho (e que chega à Netflix no final de setembro).

Mas a música será sempre a área central da vida pública de Timberlake. Este ano voltou a reunir-se com Timbaland e Nelly Furtado, na tentativa de recriar o êxito de 2007 "Give it To Me". Sem surpresas, "I Keep Going" passou relativamente despercebido.

No extremo oposto do sucesso de Justin Timberlake está JC Chasez. O músico de 47 anos, que sempre foi visto como o mais talentoso da banda, teve uma carreira a solo absolutamente desastrosa. O lançamento do primeiro álbum foi adiado meses a fio e o segundo nunca chegou a sair da gaveta. Enquanto isso acontecia, Justin Timberlake explodia nos tops de singles, com êxitos como "Cry me a River" ou "Rock Your Body". A partir de 2008, Chasez desiste da carreira a solo, dedica-se à produção musical, à representação e a fazer algumas participações televisivas.

Entrar nas caixas de comentários, quer do Youtube quer do Instagram, onde estão os millennials que eram adolescentes e viveram em pleno a febre NSYNC, é fascinante, sobretudo no que toca à empatia geral relativamente a JC Chasez. Existe um sentimento coletivo de injustiça, de que, de alguma forma, a história falhou a este músico, e uma vontade enorme que, neste regresso, JC Chasez tenha finalmente a sua oportunidade. A sua postura discreta e imperturbável durante o episódio de "Hot Ones" é material puro para memes, e reforça ainda mais esse desejo de que, 20 anos depois, haja oportunidade para uma doce vingança.

Com o anúncio mais do que inevitável de uma nova digressão (só assim se explica a construção de tanta expectativa, com conteúdos a serem publicados diariamente nas redes sociais da banda), chegará finalmente a hora de perceber quem, afinal, envelheceu melhor: se JT se JC. Aguardamos ansiosamente (de preferência com uma data em Lisboa ou cá perto).