Segunda-feira, 17 de maio. Entramos no Zoom, com reunião agendada para as 15h30. E, com uma pontualidade britânica, lá estão, em direto de Roterdão, Gui Salgueiro, Marco Pombinho, Pedro Tatanka, Miguel Casais e Rui Pedro Pity.
Com uma década de carreira, os The Black Mamba são tudo menos novatos no mundo da música. Mas nem toda a experiência do mundo pode preparar os artistas para o peculiar microcosmos que é a Eurovisão. Antes de aterrarem em Roterdão, onde decorre a 65ª edição do Festival Eurovisão da Canção, os escolhidos para representar Portugal não estavam, nem de perto nem de longe, no topo das preferências dos fãs (nem dos apostadores).
No entanto, bastou um ensaio de "Love is on My Side" para tudo mudar. A MAGG conversou com os cinco elementos da banda, que revelaram o que estão a preparar nos intervalos dos ensaios. Isto porque, passeios, festas e convívios, era em tempos de pré-pandemia e, como diz o vocalista Pedro Tatanka, "apanhar COVID agora seria morrer na praia."
Como está a ser a experiência eurovisiva?
Rui Pedro Pity (RPP) - É tudo incrível, tudo diferente do que estamos habituados. A parte que menos gostámos de tudo isto foi a passadeira [turquesa], não é muito a nossa cara.
O que é que vos tem impressionado mais?
RPP - A capacidade de organização, de logística. E a imponência de tudo: do palco, da estrutura à volta. A própria passadeira turquesa, em altura de pandemia, fazer uma coisa daquelas… as pessoas não sabem, mas nós íamos de barco para lá. Como houve umas delegações que foram apanhadas pela COVID-19, em duas horas eles conseguiram trocar o plano que estava montado há meses.
Tinham noção do que era o universo eurovisivo, os fãs, os blogues? Qual foi o primeiro impacto com essa realidade?
Miguel Casais (MC) - Eu diria que foi depois do primeiro ensaio. Fomos super descontraídos, era um ensaio, nada mais do que isso. Ficámos a perceber o palco, as condições técnicas… ok, espetacular, mas já tínhamos tocado noutras arenas, até aí, tudo bem. Mas, depois de ensaiarmos, foi a primeira vez que vimos o staging a acontecer em tempo real. Depois do ensaio, vermos reações de ‘n sites, as apostas a subir, foi aí que percebemos ‘espera aí que isto não se pode mexer um braço…’
Gui Salgueiro (GS) - E arranjámos logo 40 entrevistas a seguir ao ensaio, que antes não existiam.
Marco Pombinho (MP) - E ver os números das visualizações sempre a subir.
RPP - E depois começámos a ser tendência. Estamos a habituar-nos a isso (risos)! Estamos vestidos já numa onda de tendência (gargalhada).
A subida nas bolsas de apostas, após o primeiro ensaio, despertou algum alerta?
Pedro Tatanka (PT) - Sim, deu-nos uma confiança. Até então, parecia que aquele pessoal mais acérrimo da Eurovisão preferia outro tipo de canções mais pop, mais contextualizadas com o certame. E acho que o staging e a nossa performance acabaram por chamar a atenção das pessoas. Já percebemos que é tudo muito volátil, inclusive no Festival da Canção.
Os números no Youtube apontavam para ficarmos em quarto lugar, acabámos por ganhar. Quando saiu o lyric video, houve vídeos de pessoas que estavam a reagir à mesma música como se não tivessem reagido mal à primeira.
Este primeiro ensaio foi realmente uma mudança de perspetiva de muitas pessoas, que começaram a olhar para nós com outro respeito e consideração. Foi importante para nos dar confiança para enfrentar este desafio, que é grande. Representar o nosso 'people', o nosso País, a nossa cultura. É diferente de nos representarmos a nós mesmos. Sempre tivemos confiança no nosso trabalho, na nossa canção, mas isto veio dar-nos esta confiança extra para enfrentar a semifinal de quinta-feira.
Após a vitória no Festival da Canção, em março, quais foram as vossas prioridades? Que plano traçaram para a Eurovisão?
PT - Nós não traçámos propriamente um plano. De repente, fomos abalroados com entrevistas, tomámos logo conhecimento que havia 'bué' blogues e pessoal fanático pela Eurovisão. Fomos fazendo planos, juntamente com a delegação daqui, que já tem experiência nestas andanças, que nos foi dizendo cenas que era fixe fazermos.
Os vídeos que fomos lançando foram sendo feitos com o apoio da RTP, e sugeridos por eles. O nosso plano interno foi logo de tentarmos, depois de um ano de interregno, em que mal pudemos estar uns com os outros, materializar aquele estado de graça em que nos encontrávamos. Não é todos os dias que sais de um ano de porcaria, a levar porrada, porrada, e sais por ali acima, pela porta grande e está toda a gente a falar de ti. Começámos a gravar, a escrever músicas novas e o resultado disso é que vai já sair uma música nova chamada chamada “Crazy Nando”, dia 20, logo a seguir à atuação aqui na Ahoy Arena,
Com um vídeo gravado no hotel.
RPP - Exatamente. É um vídeo à séria.
GS - Está a ser editado neste momento aqui ao lado.
RPP - Este vídeo, à partida, já está nomeado para pelo menos um Óscar (risos).
O staging da vossa atuação, a avaliar pelo que já foi possível ver nos ensaios, foi pensada como, se calhar, nunca se viu de uma participação de Portugal na Eurovisão. Qual foi a vossa ideia?
MC - O que quisemos fazer foi contar a história da canção nos grafismos que passam nos ecrãs LED. A história fala de uma senhora que conhecemos em Amesterdão, há o skyline da cidade por trás. A canção tem uma parte orquestral muito presente e, por isso, temos a orquestra também lá atrás. Todo aquele vibe mais Chicago, aquele estilo mais antigo… tentámos passar a história da canção para os LED. Fizemos várias reuniões com a RTP e eles são muito experientes e competente. Tentámos tirar partido das condições técnicas que existem aqui, mas não queríamos fugir muito do nosso estilo mais old school. Não queríamos ir muito para a cena eurovisiva, com explosões e mais não sei o quê. Quisemos potenciar o nosso estilo com todas as capacidades técnicas que existem aqui.
Durante a atuação, surge nos ecrãs a sombra de uma orquestra. É um piscar de olho à idade de ouro da Eurovisão, em que havia orquestra ao vivo?
PT - Já tinha que ver com a ideia original, no Festival da Canção. A maneira como produzimos a canção, juntamente com o produtor, o João André e o João Salsedo, que escreveu os arranjos de cordas, o que queríamos era prestar um tributo a estes anos dourados do Festival da Canção e da Eurovisão. A própria maneira como nos vestimos também. Foi tudo pensado dessa forma e aqui transpusemos à escala da magnitude da situação aqui, já tivemos as condições para poder ver representadas a orquestra.
A atuação portuguesa, tal como a francesa ou a suíça, por exemplo, depende totalmente da voz do intérprete, uma vez que não há coro de apoio. Tatanka, tem medo que a voz lhe falhe?
PT - Há medo que a voz falhe, mas não é naquele momento. É de ficar sem voz até lá. Por isso é que já tivemos de parar de beber. Impusemos esta regra, agora, aqui, neste momento (risos). Tenho medo porque já me aconteceu uma vez e foi num dia importante. Desde então, fico sempre com medo. Tenho também medo do COVID, estou super paranóico. Apanhar agora seria morrer na praia. Qualquer cantor tem sempre medo de perder a voz em dias importantes. É tramado, porque não podes apanhar sol, não podes apanhar frio, qualquer coisinha começa logo a tramar o subconsciente. Se chegar lá com voz, estou tranquilo.
Uma vez que existem uma série de restrições e não há festas nem convívio entre delegações, como é que têm ocupado os vossos dias?
RPP - Temos estado a gravar o videoclipe para o “Crazy Nando”, que vai sair dia 20, às 23h. Montámos um estúdio no quarto.
GS - Tocamos. Hoje estava-se a falar de uma sessão de cinema.
Assistiram à vitória do Sporting…
RPP - Assisti à vitória do Sporting no coração. Não precisei de ver. Senti à distância.
Falem-me do videoclipe que vão lançar na quinta-feira.
MC - Estamos a tentar inventar recursos para levar as filmagens a bom porto. Precisávamos de elementos femininos, tivemos de inventar. A canção fala de um casanova pelo qual as mulheres ficam hipnotizadas quando ele passa. Tem um teor muito cómico. Temos estado entretidos com isso.
MP - Isto também trouxe à tona a capacidade de acting de todos nós, que é incrível. Estamos a pensar abrir uma agência.
RPP - Aconselhamos toda a gente a tentar não repetir o que fazemos no vídeo.
"Qualquer cantor tem sempre medo de perder a voz em dias importantes", Tatanka
Têm havido alguns casos positivos, em delegações como a Islândia e a Polónia . Isso causa-vos medo? Tentam movimentar-se o menos possível para que isso não vos aconteça, pelo menos até quinta-feira?
MC - Claro, andamos sempre de máscara.
GS - E não queremos queimar o cartucho de poder atuar ao vivo e ter de usar o backup que já foi gravado.
Quais são os vossos favoritos?
GS - Da nossa semifinal, a Islândia. E a Suíça.
PT - Eu gosto muito da Sérvia.
E potencial vencedor?
RPP - A França. É unânime.
GS - Já temos uma relação de amor com ela, e ela connosco. Ela já disse que gostava muito de nós, que queria fazer um dueto connosco.
Acham que a Eurovisão é um bom laboratório para mostrar que é possível voltar a haver festivais e concertos de maior dimensão?
PT - Claro que sim. Eles estão a fazer um trabalho espectacular. Se não estivessem, já estava aqui um estrilho montado e já estava quase toda a gente em casa. No primeiro briefing que tivemos com o comité de segurança, eles disseram-nos para não andarmos na rua a tirar selfies, para não falharmos as regras, porque está o mundo inteiro a olhar para nós. E é importante para nós, músicos, que isto corra bem, para que se possa tomar como exemplo e se possa retomar a normalidade.
MP - Eles também deixaram claro nessa reunião que iam ser completamente inflexíveis a qualquer fuga das regras de segurança.
Quais são os planos pós-Eurovisão?
RPP - Dia 28 estamos a tocar no Super Bock Arena, no Porto.
GS - Depois temos o disco para terminar.
PT - Vamos aproveitar para fazer uma coisa que é sempre impossível de fazer no verão, que é gravar.
Veja a entrevista na íntegra.
Despedimo-nos com um 'até sábado', dia da final do Festival Eurovisão da Canção, já a pensar que o tal dueto entre os The Black Mamba e Barbara Pravi aconteça em 2022. Em Paris ou em Lisboa.