Vamos diretos ao assunto. Se é verdade que o Natal ganha com a alegria das crianças, existe uma probabilidade igualmente grande de a noite acabar com birras e lamentos acerca das prendas. Ora se queixam de ter recebido poucas, ora não tiveram aquilo que realmente queriam, e nem sempre é fácil lidar com a frustração dos mais pequenos que, irremediavelmente, estende-se aos adultos.
Mas será que estas birras são algo do momento, que passa facilmente, ou podem estar ligadas a algo mais profundo, como associar a quantidade ou qualidade de presentes ao amor e valor que os filhos têm para os pais? "Nas crianças mais novas não acontece tanto, mas quando falamos de pré-adolescentes e adolescentes, o não receberem algo que queriam muito e que, possivelmente, deram a entender querer receber durante semanas, pode levá-los a pensar que os pais não lhes prestam atenção", refere à MAGG a psicóloga clínica Catarina Graça.
"Há pais pouco atentos, que acabam por comprar ao 'lado' das verdadeiras necessidades dos filhos, ou que estão alheados daquilo que estes realmente gostam", diz a especialista, que assume que os adolescentes ficam mais frustrados com a falha na prenda do que propriamente com a quantidade. Já as crianças mais novas, e principalmente se foram assim habituadas, podem ter uma reação mais negativa se receberem menos prendas do que o habitual.
"Há pais que compensam a falta de atenção com bens materiais"
É inegável que o ritmo de vida está cada vez mais alucinante e quem tem um trabalho a tempo inteiro, uma casa para organizar e filhos para cuidar pode, por vezes, sentir que está numa rodinha de hamster interminável. E, nestes casos, a atenção dada aos miúdos pode ser reduzida.
"Há pais com um ritmo de vida cada vez mais cheio e que acabam por descurar algumas necessidades dos filhos. E depois chega o Natal, e há pais que compensam a falta de atenção com bens materiais", refere Catarina Graça, que acrescenta que isto é particularmente verdade com casais divorciados.
"No caso de um divórcio, a atenção é repartida. Por isso, em alturas como o Natal, as prendas acabam por ser uma tentativa de de demonstrarem que estão presentes, quer seja através da quantidade ou da qualidade", diz a especialista.
Amor não é igual a presentes
Num mundo ideal, os miúdos estavam habituados desde cedo a receber uma ou outra prenda e e dar mais valor aos momentos em família do que propriamente ao que se desembrulha. Mas utopias à parte, todos sabemos que é uma tarefa bastante infrutífera limitar o número de presentes durante a infância, seja porque achamos aquele brinquedo que sabemos que o nosso filho vai adorar ou porque os avós e tios surgem sempre com mais qualquer coisa.
"Claro que a frustração que os miúdos vão sentir se acharem que receberam menos prendas ou se não receberam aquilo que queriam está sempre ligada ao estilo de educação que tiveram e ao que estão habituados. Se forem habituados desde cedo a dar valor ao que o Natal realmente significa, que o que conta é a partilha e não os presentes — pode parecer cliché, mas é verdade—, será tudo mais fácil se receberem menos presentes no que no ano anterior, por exemplo", diz Catarina Graça.
Nos restantes casos, em que devido a que motivo for (seja menos disponibilidade financeira ou o querer parar com o mau hábito do consumismo), os pais tentam limitar o número de prendas, a resposta para lidar com a frustração é sempre a mesma: diálogo.
"É claro que é mais fácil explicar determinadas coisas a crianças mais velhas, mas o mais importante é salientar que o número de prendas não está ligado ao amor que os pais sentem pelos filhos. Os adultos podem tentar que as crianças encarem a época de outra forma, salientar o verdadeiro objetivo, e explicar que até podiam não dar-lhes nada e iam continuar a gostar muito delas. Reforçar que o carinho não se mede pela quantidade de prendas que recebem. Acho que estamos num nível de exagero que dar só uma prenda não chega, e é preciso travar essa lógica", diz a psicóloga clínica.
Já nos adolescentes, a lógica de receberem menos prendas também pode ser explicada com o amadurecimento. "Explicar-lhe que agora que são mais crescidos podem receber menos em quantidade, mas que podem ser prendas mais úteis, com mais qualidade, prendas mais adultas", acrescenta Catarina Graça.
No entanto, a especialista refere também que não podemos ignorar a comparação entre pares e defende que os pais devem preparar os filhos em casa para esses "tiros".
"Se os miúdos não tiverem qualquer conversa com os pais e chegarem à escola e começarem a comparar prendas e quantidades, e forem expostos a uma situação em que um colega recebeu seis ou sete coisas enquanto esta criança recebeu uma só prenda, o pensamento pode ir novamente para uma lógica de 'os meus pais não gostam de mim, por isso é que só recebi isto ou não recebi nada'. É importante que os pais reforcem novamente que muitas prendas não são sinónimo de amor, e os eduquem para o que realmente importa."
E quando não há prendas porque não há dinheiro? Devem os pais falar abertamente com as crianças das dificuldades?
No Natal, não. É esta a opinião da psicóloga clínica Catarina Graça, que apesar de salientar que cada caso é um caso, considera que trazer para esta quadra temas menos felizes pode colocar uma tensão acrescida em crianças e adultos e até tornar a época mais triste.
"Acho que será mais positivo ter a tal conversa do verdadeiro significado do Natal, e optar por colocar o ônus no positivo, do que passar essa pressão para cima dos miúdos que os pode entristecer e também causar frustração, bem como aos adultos. É inegável que este foi um ano de grande choque para muitas famílias, mas acho importante não trazer essa pressão negativa para o Natal", refere a especialista.
"Será mais proveitoso chamar novamente a atenção para o momento familiar e tentar que a noite não seja apenas focada no momento de abrir os presentes", diz Catarina Graça. Optar por ter na mesa uma comida ou um doce preferido dos mais novos (mesmo que não seja propriamente natalício), ver filmes em família a seguir ao jantar ou optar por diversos jogos podem ser alternativas para desviar o foco dos presentes e tornar a noite em algo divertido sem o ónus totalmente nos presentes.