Por mais que o trabalho ocupe grande parte do nosso dia a dia, há que encontrar tempo para alimentarmos as nossas paixões. É isso que o empresário João Paiva dos Santos procura fazer desde que se apaixonou por uma modalidade improvável.
Um exemplo de sucesso na área da saúde, João Paiva dos Santos tem passado meses fora do País, estando incontactável durante horas, e sem ver a família. Tudo por escolha própria. Porquê? Porque ficou encantado com a prática de passeios em todo o terreno.
Falámos com o empreendedor de modo a entendermos como consegue aliar as suas duas paixões: a área da saúde e as viagens 4x4. Como reage a família a esta ausência? Como concilia o trabalho? O que o atrai no 4x4? Como funciona? Qualquer pessoa pode experimentar? Primeiro, há que conhecer o homem por detrás da história.
Quem é João Paiva dos Santos?
João Paiva dos Santos esteve desde sempre ligado à saúde, também devido a um projeto familiar iniciado em 1982: o grupo FARMA-APS, no qual a GENERIS estava incluída. Acabou por criar a melhor unidade fabril farmacêutica em Portugal, com mais de uma centena de postos de trabalho.
Entretanto, ainda dentro do grupo FARMA-APS, desenvolveu uma nova área de negócio: nutrição infantil e pediatria. Após a venda do grupo, inspirado pelo nascimento do primeiro filho e para dar continuidade ao projeto, criou a NEOSANTÉ, a primeira empresa portuguesa a desenvolver leite adaptado para bebés.
Atualmente, a sua atividade passa por dar soluções e produtos a clientes de mais de 25 mercados diferentes e quatro continentes, esforçando-se por expandir a sua presença geográfica através de parcerias inovadoras e estratégicas em todo o mundo.
A NEOSANTÉ está a dar os primeiros passos em áreas como a cosmética, a veterinária e os medicamentos genéricos. Está presente em diversas áreas de saúde (pediatria, ginecologia, ortopedia, etc.) através de medicamentos, suplementos alimentares e dispositivos médicos.
Nos seus tempos livres, João Paiva dos Santos dedica-se a áreas que ama, como a gastronomia (é foodie e desenvolveu uma garrafeira fabulosa) e os carros todo-o-terreno. Mas qual a origem deste passatempo que rapidamente se tornou indispensável para a saúde mental do empresário?
O início de (mais) uma vocação
"Começou porque um amigo me desafiou para fazer um passeio e a preparar um carro semelhante a um carro todo-o-terreno G4", começa por nos contar João Paiva dos Santos, acerca de como surgiu este hobby, há cerca de uma década.
"Andar com o carro no meio de montes nunca me tinha despertado muita curiosidade — até fazer a primeira vez. Fiz um primeiro passeio com ele e o convívio com as pessoas foi fantástico", nota. Apesar de ter sido apenas um fim de semana, esta estreia "deu para ter a perceção e a vontade de experimentar mais".
Não tardariam a repetir a dose, desta vez num passeio pela Serra da Estrela, ao qual Paiva dos Santos levou a mulher e os filhos. "Foi muito engraçado, as crianças divertiram-se imenso a brincar na neve e a andar com o carro em sítios que não imaginavam que podiam andar. Tudo sem perigo, coisas muito leves", esclarece.
Este passeio foi planeado por uma empresa, a Jipaventura, que, desde, 2011, organiza viagens Raid 4x4 por todo o Mundo. A partir daqui, o empreendedor tem feito todos os passeios com esta empresa, que considera ser a melhor do setor.
"Ao fazermos uma viagem com eles percebemos logo a diferença. Há um espírito de equipa, de proteção, de que tudo vai correr bem. Podemos ir à vontade, estamos sempre protegidos", assegura.
Os passeios deixaram de durar apenas o fim de semana e também já não envolviam a família. "Comecei a fazer passeios sozinho por Portugal, de uma semana, às vezes mais", conta, à MAGG, destacando a possibilidade de "conhecer melhor as regiões que temos, de uma forma diferente".
"Comecei a conhecer muito melhor o nosso País e a gostar cada vez mais de fazer isso. Estamos no meio do mato, percebemos como funciona a fauna a flora, conhecemos história local, tudo o que aprendemos na escola sobre história começa a fazer sentido", crê.
João Paiva dos Santos destaca o passeio dos extremos, de Bragança a Sagres, ou de Vila Real de Santo António para Caminha, como opções interessantes para quem pretende descobrir Portugal de uma maneira distinta de tudo o resto.
De Portugal para o Mundo
A estreia do empreendedor nos passeios 4x4 no estrangeiro foi o Brasil. Das praias às dunas, serras, lama e lagoas, testemunhou "um Brasil que não fazia ideia que existia". Porém, houve "aventuras mais a sério, mais longas e mais difíceis", tais como aquela em que passou mais de um mês na Guiné-Bissau.
"Acho que foi a viagem da minha vida, porque foi a primeira que fiz destas grandes, e o grupo era tão bom, éramos tão amigos que o espírito de convívio e interajuda foi absolutamente fantástico", recorda. Esta viagem foi adiada duas vezes devido à pandemia da Covid-19 e acabou por ter "à volta de 80 pessoas", portugueses e franceses, e 37 carros.
"É muito engraçado, porque se descobre o Mundo de uma forma completamente diferente. Vivemos experiências fantásticas, é uma auto-descoberta. Fazemos coisas que julgávamos serem impossíveis para nós, vamos a sítios que julgávamos ser impossível, enfrentamos medos", descreve.
"Temos momentos fantásticos de introspeção, em que conseguimos perceber o quanto somos pequeninos neste Mundo e nesta vida", sublinha João Paiva dos Santos. O empresário revela que os grupos combinam entre si e levam presentes para os habitantes, consoante o percurso traçado.
"Passamos por aldeias com gente a passar fome, onde não têm roupas para vestir ou brinquedos Nós levamos isso tudo connosco e damos. Às vezes reclamamos tanto dos nossos problemas e há pessoas que têm problemas muito maiores", refere.
"Crianças que choram porque não têm uma Playstation, mas estas nem sabem o que isso é. Faz-nos querer ser melhores. Este tipo de experiências pessoais são das melhores coisas que tiro das viagens", conclui.
Da segurança à subsistência, como é viver num carro?
Ao estar fora de casa durante dias, semanas ou até mais do que um mês, João Paiva dos Santos (como qualquer pessoa que pratique esta modalidade) poderá ter de viver no carro. Mas e a eletricidade? A água quente? A comida? A água? A rede? A Internet? A saúde? Os imprevistos? Como se gerem estes fatores?
Primeiro, há que perceber como se prepara um carro para que este se torne habitável durante longos períodos de tempo. "O meu carro começa como um Jeep 4x4 normal, comprado no stand", nota. Desde travões melhores a embraiagem e suspensão reforçadas, não é tarefa fácil.
A suspensão tem de ser melhorada "para aguentar pancadas no meio do nada, como raízes grandes no deserto". A embraiagem precisa de ser reforçada "para aguentar todas as temperaturas". Já os radiadores têm de "refrescar mais".
"Conseguimos ser autossuficientes. Levamos a casa às costas para podermos parar onde quer que seja e fazer a nossa vida", afirma o empresário, quanto à preparação para estar "dias no meio do nada". João Paiva dos Santos leva consigo "muitas peças suplentes dentro do carro" e "toda uma bagageira cheia de gavetas e outras coisas".
Dos dois frigoríficos (de 72 e 47 litros) à caixa de ferramentas, máquina de café, lava-loiças, fogão, bilha de gás, tachos, copos e água para tomar banho e para beber, há que ter uma atenção redobrada à lista de necessidades. Para dormir, opta por uma tenda no topo do carro, com um colchão que dá para três pessoas. "Não entra pó, nada", garante.
Mas e quando o inesperado acontece? Se houver uma emergência, quem acode? "Quando viajamos, não vamos 'à maluca', vamos com tudo organizado e pensado, para qualquer emergência que haja. Há que ter muito cuidado, prevenir, saber para onde vamos, o que vamos visitar, tratar da burocracia e conhecer os perigos", alerta João Paiva dos Santos.
"Termos a noção de que não temos um hospital aqui ao lado. Como cair e partir uma perna, temos tudo isso acautelado", refere, sublinhando a importância do apoio mecânico e médico. "Quem faz este tipo de viagens tem de ter a certeza de que a empresa que as organiza tem isto incluído", menciona.
Desde problemas gastrointestinais por um viajante comer algo que não lhe cai bem a enfartes, é possível enfrentar de tudo. "Acabámos por conseguir salvar porque íamos preparados", relembra.
Como se gere o tempo? E o trabalho? E a família?
"É uma aventura muito complicada, porque exige muito de nós, não só pelo tempo ausentes da família e do trabalho, como pela dureza da viagem em si. Estar vários dias sem ver ninguém, gerir o gasóleo, a comida, a autonomia das diferentes águas (para tomar banho, para lavar a loiça, para lavar os dentes, para cozinhar, para beber)", menciona.
A pergunta que não quer calar: como é possível, em termos pessoais e profissionais, estar tanto tempo fora de casa? Nas viagens grandes, João Paiva dos Santos vai sempre sozinho no carro, pois reconhece que é complicado gerir relações com tantas horas dentro de um veículo.
Tanto a família como o trabalho ficam para trás, à distância. "É uma dupla sorte que eu tenho, que acho que pouca gente tem", começa por nos dizer. "Em termos de empresa, há uns 11/12 anos, redefini o modelo de negócio para um muito mais simples, calmo, pequeno, que os meus filhos pudessem desenvolver se assim quisessem", adianta.
"Este modelo de negócio permite-me delegar com muita facilidade, e tenho um braço direito que é uma pessoa incrível. Consigo estar ausente e coordenar com a minha equipa quando vou conseguir aceder ao banco para fazer um pagamento, ter Internet para falarmos um bocado... Já estão habituados. Corre tudo bem", assegura.
Mas e em termos familiares? "Tenho o apoio da minha mulher, que sabe o quanto eu gosto disto. Ela não é fã, não gosta de andar aos saltos no meio do nada. Quem lhe tira a comodidade do hotel para dormir no meio do deserto… Mas sempre me deu total à vontade para ir", nota, referindo que até acaba por ser incentivado pela companheira.
"Os meus filhos também gostam que eu vá, têm saudades. A minha mulher aguenta o barco sozinha", menciona. Apesar de não tencionar "fazer isto a vida toda", João Paiva dos Santos não planeia parar num futuro próximo, enquanto a vida lhe permitir.
Que conselhos tem para iniciantes?
O empresário deixa algumas recomendações para quem nunca fez todo-o-terreno. Além de reforçar o quão fulcral é viajar com o apoio de uma empresa que esteja pronta para responder a quaisquer questões que surjam, desaconselha os passeios a África numa fase inicial.
"Não temos nenhum tipo de apoio, não há parques de campismo ou aldeias", nota. Não só por serem duros, mas também porque o carro tem de estar particularmente preparado, e essa preparação não é barata. "É um hobby caro. O custo do carro depende do que compramos. O resto envolve quase o custo de um novo carro", admite.
Em vez disso, recomenda "passeios suaves", "em que se alugam os carros". "É a maneira mais fácil para quem nunca experimentou", acredita. "Há passeios muito engraçados em Portugal, como na Serra da Estrela, Portugal pela praia ou sempre encostado à fronteira", exemplifica, aconselhando as dormidas sempre em hotéis, para começar.
João Paiva dos Santos refere que, com "a legislação para a questão do todo-o-terreno", "as limitações são cada vez maiores". "Em Portugal, não podemos acampar em qualquer lado", nota. Desde as alterações permitidas nos carros à restrição de parques naturais, apela a um alívio e ainda à cooperação.
"As comunidades de todo-o-terreno são pessoas responsáveis. Não deixam lixo, protegem a natureza. Podia haver uma sensibilidade maior", acha. "Podemos descobrir situações de potenciais perigos de incêndios. Nós passamos por locais e conseguimos identificar esses problemas e contactar com a Proteção Civil", afirma.
"Podia haver uma ajuda muito grande quer na prevenção dos incêndios quer nas situações pós-incêndios. Podemos ter um papel muito grande", defende, em entrevista à MAGG.
O que reserva o futuro?
João Paiva dos Santos não planeia viajar até maio. A partir desse mês, virão quatro viagens, "mais curtas". "Somando todas, vou ficar uns dois meses e meio fora, não seguidos", conta à MAGG, referindo a Bolívia e o Chile como os próximos destinos. Em 2025, irá repetir Marrocos, desta vez "a dormir sempre no deserto". "Quero ver se faço a Sardenha, os Pirinéus em julho e o Vietname", enumera.
Quanto aos que ainda estão por riscar da lista de desejos, "se tivesse de escolher dois sítios para ir", o empresário "gostava muito de fazer uma viagem bastante longa por África, de dois meses seguidos, por países como o Botswana". "Gostava muito também de poder fazer a Austrália e os Estados Unidos da América, do Grand Canyon à Route 66". Em 2026, planeia voltar à Argélia.