Mais uma coleção, mais um protesto, mas, desta vez, com um propósito diferente. Depois de, na 60.ª edição da ModaLisboa, Nuno Baltazar apresentar peças provocadoras ao som de um remix subversivo de "Ave Maria", como forma de virar as atenções da comunidade católica para os abusos sexuais cometidos no seio da igreja, o designer aproveitou o certame para protestar contra o panorama conturbado da Moda de Autor portuguesa.

"Eu acho que isso é responsabilidade de qualquer criador, seja de que área for. É ter qualquer coisa para dizer", começou por explicar o designer, quando questionado sobre o facto de, cada vez mais, os protestos serem uma constante em tudo o que contém a sua assinatura. Especialmente no caso desta coleção, que reflete uma realidade que o afeta diretamente.

Intitulada Ballroom, a linha de Nuno Baltazar reúne tudo aquilo que o nome (ou o simbolismo que este acarreta) deixa antever imediatamente. Isto é, foi beber inspiração à Ball Culture, um movimento que começou a ganhar pujança nos anos 20, em Nova Iorque, fruto da ostracização de pessoas que, na altura, eram consideradas "o fim da linha da sociedade", como homens gays e negros. Posteriormente, estes indivíduos organizavam-se em casas, construíam a sua própria família e cuidavam uns dos outros.

Por isso, "mais do que visual", a atitude destas pessoas foi o mote do protesto, confirma o criador. "Quando uma pessoa está na mó de baixo, precisa de se reinventar e de se celebrar e de dizer 'eu estou aqui e há espaço que é meu'", continua, explicando que é por isso que esta coleção, além de um protesto, é uma celebração dos estilistas portugueses, que não deixam a resiliência escapar.

ModaLisboa. A coleção de Nuno Baltazar foi apresentada ao som de uma oração religiosa, mas foi tudo menos isso
ModaLisboa. A coleção de Nuno Baltazar foi apresentada ao som de uma oração religiosa, mas foi tudo menos isso
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Com as peças que vimos na passerelle, acreditamos que o objetivo de Nuno Baltazar será cumprido. Isto é, até poderá não mudar magicamente o panorama conturbado da Moda de Autor portuguesa, mas deixa evidenciar que o criador (tal como os colegas que, edição atrás de edição, subsistem) continua a querer dar cartas na moda e que está longe de desistir dela.

Das malhas de pailletes às estruturas secas em pontos tafetá, passando pelos crepes georgette, dupion moirée e lãs frias, houve espaço para tudo. E ainda que os tons fumo e preto se fizessem sentir, cores bem vistosas como lavanda, verde-água, magenta, rosa e prata também contribuíram para adensar a euforia desta celebração, que ainda ficou mais explícita com os brilhos que encandeavam os olhos da plateia.

O melhor de tudo é que as criações de Nuno Baltazar raramente são aquilo que parecem ser. Não, calma: "elas são sempre aquilo que parecem ser – podem é ser mais do que isso", riposta o designer. O objetivo é dar a possibilidade a quem compra de "reinterpretar as peças de múltiplas maneiras", justificando o investimento e propiciando "uma utilização mais prolongada no tempo e mais afetuosa", conclui.

A 61.ª edição da ModaLisboa termina este domingo, 8 de outubro. O calendário do último dia inclui apresentações de coleções de Buzina, Gonçalo Peixoto, Luís Carvalho, Olga Noronha, Valentim Quaresma e Ivan Hugo Garcia.

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