A moda não vive, nem nunca viveu, numa bolha, sendo fruto do cruzamento de vários mundos, nomeadamente a beleza. E a ModaLisboa Base, seja na passerelle do Pátio da Galé ou em todas as outras localizações onde o certame se desenrola até domingo, 5 de outubro, vai ser palco de encontros em que estas realidades se cruzam como nenhuma outra.

Exemplo disso é o verdadeiro diálogo criativo entre a designer Joana Duarte, fundadora da Béhen, e o hairstylist Cláudio Pacheco, em nome da L’Oréal Professionnel. A colaboração destes dois nomes sonantes nasce da vontade de construir universos, mais do que coleções, e é prova de que a moda e beleza só fazem sentido quando pensadas como um todo.

A coleção da Béhen, intitulada "Bem me quer, mal me quer", apresenta-se como um manifesto contra a lógica sazonal da moda e nasce, conta a designer à MAGG, da "vontade de criar um conjunto de peças únicas, sem estação e intemporais". Por isso, acaba por ser "uma continuação da última coleção e também do feedback" dos clientes da insígnia, contando com "peças especiais, pensadas para momentos igualmente especiais, que dão espaço às técnicas e aos materiais para se destacarem".

Béhen. Bem me quer, mal me quer
Béhen. Bem me quer, mal me quer Joana Duarte créditos: © ModaLisboa | Photo: Ugo Camera

A própria decisão de apresentá-la em Lisboa reflete essa vontade de romper com convenções. “O facto de ser uma coleção sem estação, feita apenas de peças únicas já é, por si só, uma rutura com o sistema tradicional das semanas de moda", continua Joana Duarte, reconhecendo a "liberdade" que a ModaLisboa confere no sentido de apresentar o trabalho "em formatos não convencionais". "Ainda que seja um desfile, representa uma quebra com o calendário habitual e com a pressão de criar coleções replicáveis e sazonais", destaca.

E, como não poderia deixar de ser, a coleção, repleta de vestidos e conjuntos que parecem saídos de um conto de fadas, celebra os bordados portugueses, que vão dos tradicionais de Viana do Castelo à Madeira, e reafirma o compromisso da marca com a sustentabilidade e o reaproveitamento têxtil. Feita de tecidos antigos e tradição, é uma viagem ao passado pensada para o público fiel que acompanha a designer desde o início.

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Joana Duarte também foi beber inspiração a referências históricas, como formas e detalhes que remetem para "as coleções de alta-costura apresentadas em Paris nos anos 50". Não parece, à primeira vista, uma provocação – mas é. "Um pouco como na música ‘Lisboa não sejas francesa’, refletindo também a pressão da indústria em seguir as pegadas de Paris. Ao mesmo tempo, dialoga com a nossa própria relação, enquanto portugueses, com França", adianta.

Ao ouvir esta visão, Cláudio Pacheco sentiu logo o peso da responsabilidade. “As primeiras sensações quando comecei a ouvir as ideias da Joana foram um pouco de mixed feelings. Percebi logo que precisávamos de um cabelo impactante, forte, mas que, ao mesmo tempo, não fosse a estrela da coleção — fosse um complemento", frisa, dizendo que, no início, houve dúvidas. "Não sabíamos se seria um apanhado, se seria um corte mais curto", continua, afirmando que a única certeza era a necessidade de haver cor.

Espreite o processo

E foi precisamente a cor que abriu caminho para os looks de cabelo que invadiram o desfile. Além do moodboard do desfile, há "referências mais clássicas", refletidas num casamento entre várias épocas. "A ideia dos cortes de cabelo surgiu muito ligada aos anos 20, ao styling dos anos 50 e até a um desfile do Jean-Paul Gaultier nos anos 2000, onde os cabelos tinham cor", relata o fundador e diretor criativo do Chiado Studio e hairstylist internacional da L'Oréal Professionnel.

E se o apanágio de Joana Duarte é construir uma marca ao leme de técnicas artesanais e memórias culturais, o cabelo acompanha esse mesmo raciocínio, confirma a designer. “O objetivo desta coleção não foi apenas a criação das peças e a seleção rigorosa dos materiais e das técnicas artesanais, mas também a construção de um universo muito próprio, que ganha forma através dos cabelos, do lugar escolhido para o desfile e até da música", conta-nos.

A acrescentar a isto, Cláudio Pacheco diz-nos que a chave está no equilíbrio. "No final do dia não há um único protagonista. Para começar, o protagonista é sempre o designer, mas o verdadeiro destaque é o look total. É o complemento entre o trabalho do designer, o cabelo e a maquilhagem", confirma, reiterando que "a ideia nunca é um brilhar mais do que o outro".

Esse equilíbrio também se vê nas escolhas de tendências para o desfile, mas daquelas que "regressam a cada estação" e são, por isso, intemporais.

"As escolhas de cor incluem castanhos-escuros, castanhos neutros, ruivos e burgundy, tonalidades que permanecem relevantes independentemente da estação. Estas cores foram selecionadas para se harmonizar com a coleção de peças únicas", revela o hairstylist.

Espreite os looks

"Claro que o cabelo pode ditar, transformar ou até arruinar completamente uma peça. Por isso, tem de ser pensado de forma extremamente minuciosa", diz ainda Cláudio Pacheco. Trocando por miúdos, percebe-se que é um processo em que roupa e cabelo florescem lado a lado, até ganharem vida em conjunto.

“É um processo muito divertido passar das ideias e dos desenhos para começar a vê-los ganhar forma", explica a criadora, não descurando que é um percurso sinuoso, como qualquer outro. "Pelo caminho há sempre erros, acertos, coisas que resultam melhor e outras pior, mas tudo isso faz parte da construção final. É nesse processo que as peças, em conjunto com o cabelo, se transformam em algo vivo", diz Joana Duarte, que define esta parceria de forma assertiva: "o saber-fazer português no seu melhor".