Onze anos de Lisboa, oito casas. Fora as quatro que tive em Braga durante o curso, e os seis meses passados numa Itália sem sinal de vírus.
A vida nómada está comigo desde que brincava com os meus primos aos sem terra. Pessoal que cresceu com o Rei do Gado ponha a mão no ar? O resto, chore de desgosto por não saber cantar "Sou desse chão onde o rei é peão".
E não me venham cá com Marie Kondos — ainda que as minhas gavetas nunca mais tenham sido as mesmas desde que vi aquela mini japonesa em ação —, nada melhor para o desapego do que mudar de casa. Aquela gaveta onde vamos pondo tudo o que guardamos sem pensar é obrigatoriamente esvaziada e aquela camisola que comprámos por impulso e que nunca saiu do armário deixa de ter lugar no novo guarda roupa.
Mas que esse desapego não seja desculpa para comprar mais. Não, a ideia aqui é perceber a leveza do minimalismo. Mais não seja porque, menos coisas igual a menos pó que, por sua vez, equivalem a menos horas de limpeza. Sou péssima a matemática, mas nestas contas sou pro.
E nestas minhas últimas duas semanas vividas entre caixotes e mais UberEats do que quero admitir, deixo as minhas dicas para fazer da mudança de casa uma ação com o mínimo impacto ambiental possível. Com algum jeitinho, até é uma boa altura para pôr a economia a circular.
1. Vender o que já não precisamos. Esqueçam o OLX, a cena agora é MarketPlace. Desde móveis de família até à varinha mágica do Lidl, consegui vender de tudo. É a prova de que há procura para tudo, mesmo quando achas que ninguém vai querer aquele suporte do Gato Preto para pôr papel higiénico. Só para isso tive 15 pessoas interessadas.
2. Dar o que não se consegue vender. Eu dou tudo. Roupa, loiça e até móveis. Mas não me peçam para dar livros. Continuo a ser a que não se importa de levar dois quilos a mais numa mochila de viagem só para ter o papel nas mãos. Mas, ainda assim, se calhar não precisamos de cinco livros sobre hambúrgueres vegetarianos, certo? Nesse caso, nada melhor que doar ao amigo que se está a aventurar nas refeições sem carne, ou, porque não, deixar nos pontos de troca de livros espalhados pela cidade? Há um na Praça de Londres e outro no parque da Quinta das Conchas.
E aquela loiça que se acumula ao longo dos anos à espera daquele jantar com muita gente à mesa que nunca vai acontecer (porque Lisboa e os seus espaços confinados). Juntei num caixote pratos, copos sem par, shakes para batidos que não bebo e formas para bolos que não faço e deixei tudo na Dona Ajuda, uma loja social que aceita — e vende — de tudo, desde loiça, livros, roupa e objetos de decoração. As verbas resultantes das vendas são direccionadas às actividades de apoio social.
3. Comprar em segunda mão. Já nem falo de roupa, que a ideia aqui é destralhar. Mas e móveis? O Ikea é fixe e tem umas boas almôndegas, mas não precisamos todos de ir dar dinheiro aos suecos. No MarketPlace, no OLX ou em grupos de Facebook, há sempre quem esteja na mesma situação e queria desesperadamente ver-se livre de móveis que já não usa ou não cabem numa nova casa.
Comprei uma mesinha de cabeceira, uma cómoda e uma roupeiro Olaio lindos — mas difíceis de montar, que uma pessoa habitua-se aos móveis nórdicos com instruções e faz desta montagem uma ida à lua. Ando à procura de uma sapateira branca. Se alguém encontrar, mande-me um link.
4. Reciclar o mais possível. Primeira coisa a fazer mal se chega ao novo bairro? Procurar o ecoponto mais próximo. Entro no café ao lado de casa e pergunto onde estarão os contentores mais próximos. Olham-me como se da minha cabeça saíssem antenas e apenas uma pessoa me aponta um local, ainda que longe. Descubro portanto que na vizinhança, poucos sabem que existe um ecoponto a dois passos da nossa rua.
É lá que deito os restos de caixote usados várias vezes nas viagens de ida e volta e também o plástico que a empresa de mudanças usou para envolver os móveis no caminho feito de camião. Se vocês vissem aquele novelo de plástico final até se benziam. Eu benzi-me, e olhem que já não fazia isso desde a comunhão solene.