Tardei a escrever sobre este tema. Se olharem para a foto, o tempo ainda pedia sandálias e, tendo em conta a quantidade de garrafas vazias com as quais enchi o saco, as temperaturas estariam altas e a pedir uma hidratação extra.
Estávamos em agosto, mais precisamente a dia 23. Para mais precisão ainda, estávamos em Ponte da Barca, durante as festas tradicionais que todos os anos fazem com que uma vila onde não existe o conceito de "falta de estacionamento" fique sem lugar sequer para o mais pequeno dos smarts.
O cortejo tradicional tinha terminado e eu, depois de mais uma tarde de gaiteiros e bombos, estava determinada a enfrentar os 30 e muitos graus e subir a vila até casa para tomar um banho antes de mais uma noite de festa. Ao todo, a caminhada dura uns 20 minutos, mas ainda nem 30 segundos tinham passado e já eu respirava fundo para não matar com o olhar cada uma das pessoas que, ao acabar mais uma lata de Sumol ou mais uma pacote de Ruffles — e olhem eu aqui a portar-me bem e a nem sequer tecer comentários sobre a parte nutricional destes lanches de verão — as deitavam para o chão. Mas quando digo deitar para o chão, não digo disfarçadamente deixar cair ou pousar no muro mais próximo. Digo deitar para o chão, sem dó, piedade ou qualquer tipo de peso na consciência.
Na mochila tinha um saco de compras de plástico — chicoteiem-me — mas que, em minha defesa, teve dezenas de utilizações até acabar como saco do lixo dos outros.
Engoli o meu orgulho e o facto de estar numa terra pequena e na qual toda a gente me conhece, e decidi começar a apanhar o lixo do chão ao longo do meu caminho. Ou, pelo menos, era isso que eu achava que ia acontecer. Na verdade, nem 200 metros depois, o saco estava cheio e ainda tive que levar lixo na mão.
Levei com muitos olhares confusos e em todos eles quase que podia ler as dúvidas sobre "esta freak" ou "esta coitadinha" ou até mesmo "esta doidinha" que decidiu passar a tarde de festa a apanhar o que os outros acham que é normal deitar para o chão.
Mas não quero saber. Vi pelo menos uma pessoa que, ao ver-me fazer isto, decidiu não deitar a lata de sumo para o chão e dar uns heroicos três passos até ao caixote mais próximo. Vitória!
A minha crítica aqui não é às festas ou às terras pequenas. Quem me conhece sabe que para mim nada é melhor que o verde e o som de uma concertina de fundo. E se não escrevi sobre isto mais cedo foi exatamente porque isto aconteceu em agosto, mas podia ter acontecido em setembro, janeiro ou junho. Em Ponte da Barca, em Lisboa ou em pleno Alentejo. Afinal, ainda este domingo o Andreas Noe, mais conhecido pelo The Trash Traveler, decidiu passar um dia a apanhar beatas do chão de Lisboa. Em dez horas, recolheu 25 mil beatas.
Ainda assim, a questão aqui não se mede aos quilos nem à quantidade de sacos cheios de lixo. O Andreas podia ter apanhado apenas uma beata e eu podia simplesmente ter apanhado uma lata de refrigerante do chão, que a nossa missão — a de alertar — já estaria parcialmente feita.
Mas decidi apanhar o lixo, partilhar a história no Instagram e também contactar a organização de festas a sugerir um sistema de copos reutilizáveis semelhante ao dos festivais de verão. E, surpresa, os responsáveis não só responderam na hora como garantiram que a partir de 1 de janeiro de 2020, os copos de plástico não serão permitidos e que já este ano tiveram que ser pagos pelos vendedores.
Até ver o mundo mudar, nada como usar as canecas oficias da festa que, além de giras, levam mais cerveja do que os copos de plástico. Mas não digam a ninguém. Ou então digam. Vale tudo quando a ideia é salvar o planeta.