Foi numa terça-feira banal, em 2019, entre reuniões, mensagens por responder, e mais uma notificação de um grupo de WhatsApp, que me apanhei a pensar: só me queria desligar do mundo por um dia. Como psicóloga clínica, mãe, empresária e mulher, sei bem o que a ciência diz sobre os efeitos da sobrecarga digital. Mas entre saber e viver, vai um mundo. E eu decidi nessa altura atravessar esse mundo.

A verdade? Estava exausta. Tinha um bebé de 1 ano, uma empresa ainda recente a exigir muito de mim, mil solicitações que me deixavam muito grata mas também esgotada. A minha mente pulava de pensamento em pensamento como se estivesse numa aula de cardio mental. O corpo, em tensão. O sono leve. A atenção, fragmentada. O humor, as vezes irritável. Mesmo com todos os recursos que conheço e ensino, percebi: naquele momento a tecnologia estava a tomar conta do meu espaço interno. Não era sobre responder a tudo e não falhar a nada. Era sobre me reencontrar.

O primeiro dia de detox

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redes sociais créditos: Unsplash

O primeiro dia sem ecrãs foi um confronto. Escolhi um dia de fim de semana e reconheço que senti FOMO (Fear of Missing Out) e a minha síndrome da impostora disparou. Era como se o mundo seguisse e eu estivesse a falhar. Mas, lentamente, esse ruído deu lugar a algo raro: silêncio. E nesse silêncio, ouvi-me. Acordei mais devagar. Comi com mais presença. Brinquei com mais leveza com o meu filho e o meu marido olhou para mim e disse: ‘Hoje estás mais aqui.’ E eu senti isso mesmo.

O impacto de 3 dias num retiro

meditação
meditação créditos: Unsplash

Quando me propus organizar um retiro no Alentejo para desacelerar a mente e ativar os sentidos disse a mim mesma que estaria não só como dinamizadora mas também como participante. Três dias completos de comida macrobiótica, natureza, meditação mindfulness e journalling foram como um reset ao sistema operativo da minha mente.

Redescobri o prazer de ler sem pressa. De caminhar e sentir o chão. De estar numa conversa e não verificar nada. Senti-me mais criativa, com ideias que fluíam sem interrupções. Dormi melhor. Ri mais. E o mais surpreendente: o mundo não acabou. Ninguém deixou de me amar. Nenhum projeto implodiu. A única coisa que caiu… foi o excesso. E ganhei espaço para voltar a mim.

O depois 

família
família créditos: Unsplash

Hoje não vivo sem tecnologia, nem quero. Mas vivo com mais consciência. Desligo notificações e sou seletiva nas aplicações que tenho. Consumo conteúdos online com sentido crítico. Tenho momentos offline diários, sobretudo depois de despertar, antes de dormir, às refeições e quando estou a conversar com amigos ou a brincar com os meus filhos. Há muito mais música que televisão, rara, em minha casa. Garanto, pelo menos, uma manhã por semana sem ecrãs.

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Salvaguardo ao longo do dia momentos de trabalho de alto foco, com atenção numa única tarefa, sem mil pop ups a surgir. Procuro privilegiar atividades ao ar livre para me conectar comigo e com a natureza ao longo do mês. Porque a tecnologia pode ser ferramenta ou prisão. A escolha é nossa. Hoje sei que irei terminar o dia sempre com pendentes e que isso não significa que estou a falhar. Hoje também sei que desligar não é irresponsabilidade. É autocuidado.

É uma escolha estratégica para me conectar com mais qualidade e assim liderar com consciência, educar com sensibilidade, viver com empatia e curiosidade. E se hoje, ao leres este artigo, sentes que precisas de um recomeço… experimenta um pequeno detox digital. Meia hora ao acordares. Um par de horas ao final do dia. Uma manhã de domingo. Nao porque houve um apagao mas porque escolhes aceder a luz que há dentro de ti. E aí talvez descubras, como eu, que às vezes quando nos desligamos da tecnologia conseguimos ligar nos ao que mais importa.