Eu tento, eu juro que tento afastar-me do Twitter mas, de cada vez que lá vou, é com cada hot mess que uma pessoa não consegue desviar o olhar. Estávamos nós a pensar que a JMJ já tinha terminado e que agora era mais incêndios e futebol, quando Sofia Vala Rocha, deputada municipal em Lisboa pelo PSD, comentadora e pessoa ativa na rede social formerly known as Twitter, agora X, resolveu Kanyewestar o nosso Agosto. E o resultado está a ser uma novela online que dura desde domingo passado e não está a dar sinais de abrandar. Tudo começou quando o humorista António Raminhos fez um post no Instagram, em jeito de balanço da Jornada Mundial da Juventude. Bem intencionado, Raminhos exagerou neste ponto: "criticaram os gastos da câmara no evento quando há gente a morrer à fome? Juntem-se a uma associação de voluntários no vosso bairro ou procurem saber o que podem fazer mais...". Mas percebe-se o que quis dizer e, se for preciso, atesto, como voluntária de uma associação que presta apoio alimentar a imigrantes e refugiados que, sim senhor, há muita gente a passar fome em pleno centro de Lisboa. Indignada, Sofia Vala Rocha, ainda no Parque Tejo, publicou um vídeo, instando Raminhos a dizer-lhe em que freguesia "de Lisboa ou do País" há pessoas a morrer à fome.

Mas o que gerou o maremoto de tweets e respostas no Instagram não foi tanto o que Raminhos escreveu mas sim o que Nuno Markl comentou após ter visto o vídeo de Sofia Vala Rocha. "Extraordinário o discurso daquela autarca eleita de cor de rosa que não percebeu um milímetro deste teu post, mostrando sérios problemas ao nível da leitura e interpretação. Acho que ela é a melhor ilustração dos tempos correntes: ler a correr, opinar - e não interessa se for tudo errado, o que interessa é marcar o território, nem que seja com estupidez. Mas acho que alguém devia mostrar à senhora, de facto, onde é que se passa fome.". Neste post, há uma primeira resposta da deputada municipal mas, no Twitter, no dia seguinte, dá-se o pontapé de saída de uma série de 15 tweets, que começam com o equivalente do século XXI aos duelos de espadachins: "Gostava tanto de ter a oportunidade de debater a situação de pobreza do país com estes dois", começa por propor Sofia Vala Rocha. Como, espantosamente, ninguém foi a correr ligar à Fátima Campos Ferreira para ressuscitar o "Prós e Contras", meter Sofia Vala Rocha de um lado, Markl e Raminhos do outro, enfiar 300 pessoas no Teatro Armando Cortez e por os telespectadores em casa a ligar para votar "Há gente a morrer à fome em Lisboa? Sim ou não?", a deputada municipal do PSD continuou alegremente a propor a ideia.

Com a sua bonomia habitual, Nuno Markl até convida Sofia Vala Rocha a fazer voluntariado na Gare do Oriente (que, para quem não é de Lisboa, é um dos locais da cidade onde pernoitam centenas de sem abrigo, que encontram ali um abrigo e comida, fornecida por associações de solidariedade). Era uma ótima ideia, era uma coisa que gostávamos de ver. Mas não. Sofia chama mentiroso a Markl e contradiz-se. Diz que sabe onde está a pobreza em Lisboa mas insiste: não há pessoas a morrer à fome. E até tem uma certa lógica, se quisermos entrar em preciosismos. Não se morre de fome propriamente dita. Morre-se de subnutrição, de doenças provocadas por carências nutritivas. Acima de tudo, morre-se de pobreza. Mas como não foi isso que Raminhos escreveu, não é disso que Sofia quer falar.

A coisa já era patética que chegue mas Sofia Vala Rocha quis fazer um upgrade. O upgrade CHEGA Deluxe Premium. E toca não só de ir pelo caminho mais rasteirinho - o dos rendimentos pessoais - mas também o de insinuar uma ligação nebulosa entre Nuno Markl e o Partido Socialista. A deputada municipal refere-se a "um humorista português afecto ao PS" e compara os rendimentos (legítimos) na casa dos 20 mil euros mensais com "o político português que foi eleito pelo povo e leva para casa menos de 1000 euros mês". Seria hilariante se não fosse deprimente. A lógica da batata é mais velha do que a Sé de Braga e nem sequer se coaduna com os princípios do partido ao qual pertence Vala Rocha. Até parece mais uma cassete gasta, saída de um partido mais à esquerda, do que propriamente de uma política de um quadrante cujo ideário é pró-mercado livre e pró-iniciativa privada.

(Eu sei, já vamos para o quinto parágrafo. Peço desculpa). Do "humorista afeto ao PS" a insinuar que existe por aí uma associação de "humoristas do regime" que com certeza receberão malas cheias de notas de 500€ do PS para espalharem a vil ideologia de esquerda em posts patrocinados pela Somersby no Instagram e mensagens subliminares em reels feitos num hotel termal em Vila do Conde, foi um passo. A coisa há-de com certeza continuar mas, às 10 da manhã desta quarta-feira, 9 de agosto, Sofia enaltece - e cito - a perdida arte de "andar à pedrada". Porque, aparentemente, era isso que se fazia nos anos 70, coisa que eu, "snowflake" dos anos 80, desconhecia. Fun fact: Nuno Markl também nasceu nos anos 70. Eu não sei se Sofia Vala Rocha se sente empoderada ao desafiar duas das pessoas menos controversas de Portugal para discutir um tema tão sério e grave como a pobreza. Não sei se o faz para ser falada (se foi, está a conseguir) ou se tem apenas falta de atenção e de noção. O que sei é que alguém precisa de lhe dar um abracinho, pôr o "Let it Go" em pano de fundo e dizer-lhe ao ouvido: "Sofia, caga nisso".

Em agosto, Raquel Costa, diretora-executiva da MAGG, escreve 4 parágrafos sobre os temas do dia (e os intemporais)