Caro Francisco,

Há uma linha muito ténue entre vulnerabilidade e vitimização. A vitimização, quando combinada com exposição mediática repentina, ausência de vozes críticas e falta de recuo e reflexão, produz um cocktail explosivo de auto-centramento e incapacidade de autocrítica.

Creio que o que aconteceu esta quinta-feira, 30 de maio, no "Dois às 10", foi exatamente isso.

Ao expor-se repetidamente, sempre com o mesmo discurso circular e estagnado sobre a sua forma física, o Francisco está a fazer um grande desfavor a si próprio, que é a única pessoa que interessa aqui nesta jornada para uma vida mais saudável. Passar a fronteira entre a partilha das dificuldades e das inseguranças para continuar ad nauseam num pântano de repulsa pela sua imagem e, paradoxalmente, exposição da mesma, vai levá-lo a um ponto sem retorno.

E não se fie nas vozes que dizem que a partilha dessa vulnerabilidade cria proximidade dos fãs, do público, de quem acha que o ama nos 5 minutos que duram a fama. Não cria. É mesmo assim que funciona. Essas pessoas não o conhecem, o Francisco não as conhece. Elas não lhe devem nada e, acima de tudo, o Francisco, enquanto pessoa adulta, não lhes deve nada. Nem a elas, nem à TVI, nem a ninguém. Porque uma coisa é a persona que criou, outra coisa é o Francisco. Não deixe que um coma o outro.

Um gordo é sempre um gordo para a vida toda mesmo quando ao espelho deixa de o ser. E perdoe-me dar o meu exemplo mas a cabeça que melhor conheço é a minha. E é uma canseira. Eu sempre fui gorda mesmo quando não era gorda. Porque isto - leia-se a dependência emocional da comida, esta luta de ódio e de amor, este permanente boicote - está cá para sempre. Indique a balança 100 ou 50. A minha cabeça pensa em gordo. A toda a hora, a cada minuto do dia. Já perdi conta das dietas, desde as mágicas aos comprimidos. Nada funcionou. Durante anos, o ódio continuava lá. O corpo que não é meu mas que é, o dos outros que é sempre melhor, a busca por um ideal, e depois a auto-sabotagem. "Porque eu não mereço".

Foi preciso caminhar muito, sozinha, para chegar ao dia em que encontrei a pessoa certa para me fazer ver que os meus problemas não se resolviam com dietas, PT, exercício físico. Resolviam-se com honestidade. Com o meu compromisso pessoal. Com diálogo interior, com silêncio. Com alguma dor e desespero. Com uma luta interior constante, que ainda dura, que está cá todos os dias. Com a decisão consciente e pragmática de escavar bem fundo, até doer, e perceber porque é que como como como (três vezes 'como'). E como? Com terapia.

A nutrição e a psicoterapia deviam ser especialidades interligadas e ninguém devia poder iniciar um processo de emagrecimento sem uma avaliação psicológica profunda. Infelizmente não funciona assim e o que há mais por aí são promessas de soluções mágicas, PT, coaches, médicos e pseudo-médicos e uma infinda tropa de malta que, com essa bandeira estafada da "superação", não faz mais do que incutir culpa e pecado na comida, agudizando os traumas de quem já tem uma relação tóxica com o que vai para o prato.

A comida não tem sentimentos mas nós temos. Quando damos personalidade à comida (boa, má, limpa, suja, dia da asneira, presente, recompensa, clean), a comida ganha vida e passa a controlar-nos. Às vezes para sempre. Depois chega um momento das nossas vidas em que temos de decidir se queremos perdoar a nossa criança interior, com compaixão mas com rigor, fechando-a para sempre num sítio onde a consigamos controlar, ou se queremos deixá-la à solta, tomando conta de nós, dos nossos instintos, mágoas e frustrações.

Francisco, feche-se. Cuide de si. Encontre o caminho para se amar. Tome decisões pouco populares, não ceda aos conselhos, mesmo que aparentemente bem intencionados, dos que o rodeiam nesta fase (e que devem ser muitos). Procure ajuda desinteressada e pragmática. E fuja de quem o quer amar assim, como está, nesta fase. Porque o Francisco não está em condições de amar ninguém.