Mais um dia, mais um debate com um dos 12 deputados eleitos pelo Chega. Depois de Diogo Pacheco de Amorim na SIC Notícias, num debate com a deputada do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua, e eurodeputada socialista, Margarida Marques, esta terça-feira, 8 de fevereiro, foi a vez de a CNN Portugal colocar em prime time Pedro Frazão, numa espécie de mesa redonda com Isabel Moreira, deputada do PS, e os jornalistas Inês Serra Lopes e Miguel Carvalho (da revista "Visão").

"Não lhe fica bem como jornalista estar a emitir uma opinião", diz, a determinado momento, o recém-eleito deputado do Chega a Miguel Carvalho. E cabe-me esclarecer que a opinião é um género jornalístico (pode ler sobre o tema aqui), algo que Frazão deve desconhecer porque não estudou na, e cito, "faculdade dos jornalistas". Ponto esclarecido (porque o saber não ocupa lugar), prossigamos.

O mote da conversa, a polémica da semana, a nomeação do Chega de Diogo Pacheco de Amorim para um dos lugares da vice-presidência da Assembleia da República. Claro que a coisa acabaria por descambar, como descamba sempre quando há alguém do Chega em estúdio. Porque é irresistível. Porque é uma ratoeira. Porque, sabemos bem, é apetecível, funciona, dá audiências. Mas também porque é legítimo que, face aos resultados das legislativas de 30 de janeiro, um partido com 12 deputados democraticamente eleitos passe a ter maior importância mediática.

A diferença é que, antes, esse mediatismo era o de um homem só. Agora, André Ventura tem de partilhar palco com mais figuras. E a figura que se segue, a de Pedro Frazão, poderá bem ser aquela que irá por em causa a ideia do partido de um homem só. Ou até destronar o homem só que, em apenas três anos, levou do zero aos 12 deputados o Chega. Mas já lá vamos.

O debate em torno da nomeação de Diogo Pacheco de Amorim é como estar a discutir um knock out antes de o combate acontecer. Podemos perorar sobre o tema, recordar exemplos do passado em que nomeações foram chumbadas mas, até que os 230 se sentem na casa da democracia para votar, só podemos mesmo especular sobre o desfecho. E apetece-me já usar uma expressão estrangeira. So what? E se o Chega tiver um vice-presidente da AR?

Mas voltamos a Pedro Frazão, o veterinário de Cascais tornado vereador da Câmara Municipal de Santarém nas últimas autárquicas e que, agora, irá fazer parte da bancada parlamentar do "partido político populista de direita radical, nacionalista, conservador e economicamente liberal" (estou a citar a Wikipédia).

Ecce homo. Eis homem. Eis o homem que vai destronar André Ventura enquanto o Diabo esfrega um olho. E porquê? Porque o que se vê quando se vê Pedro Frazão não é o que se vê quando se vê André Ventura. Frazão é uma espécie de Ken do Chega, com uma imagem e postura nos antípodas do que é e do que faz Ventura. E a mensagem que passa quando se está a ver televisão enquanto se lavam os pratos ou se olha distraidamente para a TV enquanto se faz scroll no Instagram ou no Twitter é a de um Português Suave.

O sorriso afável, o ar de teddy bear, o fato que assenta impecavelmente e o nó da gravata perfeito, a barba aparada ao milímetro, o cabelo impecavelmente penteado. Um sorriso permanente na cara, o ar do genro perfeito, a voz bem colocada quase que contrastam com as parangonas costumeiras do Chega, como apelidar-se de um "português comum, que veio para a política". Seja lá o que for um "português comum".

Ao longo dos vários minutos que durou este debate, e que foi essencialmente um frente a frente com Isabel Moreira, Pedro Frazão repetiu várias vezes uma técnica que tem tanto de arrepiante como de infalível, no que toca a criar uma ligação direta para o telespectador potencialmente seduzível pelos argumentos do Chega: o olhar direto para câmara. A mirada direta para a objetiva, ignorando em momentos-chave os demais em estúdio, provoca um efeito de encontro romântico com o interlocutor. Frazão sabe que o interlocutor não é nenhuma das pessoas que está em estúdio, mas sim os que estão em casa. É com eles que está a dialogar, sobretudo quando o faz nos momentos em que responde a Isabel Moreira. Como se estivesse a dizer, sem o dizer "estão a ver esta que está para aqui a dizer umas coisas? Não liguem, eu é que tenho razão".

Mas a linguagem não verbal trai, por alguns segundos, Frazão. O tique de rodar a língua dentro da boca, o olhar que gira à roda do estúdio, o sorriso profissional que se desfaz quando sente que está a perder o controlo à conversa. Não há, ali, emoção. Há maniqueísmo, calculismo e um estudo minucioso. E o momento mortal, em que a vaidade de Frazão o trai, acontece quando atira a cartada "Edite Estrela" (a quem apelida de "madrinha de Sócrates", mais um soundbite cuidadosamente estudado) e, ato contínuo, quando ainda tem a câmara em cima, olha para fora do ecrã (onde está o monitor), mira-se, ajeita o casaco, a gravata, compondo-se.

pedro santos frazão

Pedro Frazão repete as mesmas frases feitas de Ventura, "ser contra o sistema", "mudar o regime", sem que ninguém realmente questione o que é que isso realmente quer dizer. Como é que alguém que é contra o sistema faz parte do sistema? O Chega é um partido anárquico e não demos por isso? Tantas questões. Tão poucas respostas.

Pedro Santos Frazão é a cartada de mestre que o Chega precisava para ir remexer nos restos mortais do CDS-PP. Que evocou indiretamente, com uma maldade calculista e pérfida, ao referir o nome do falecido irmão de Isabel Moreira, Nuno Lima Mayer Moreira (antigo dirigente e autarca do CDS-PP),que morreu subitamente em 2020. Não me lembro, pelo menos recentemente, de um político ter descido a este nível da argumentação ad personam para provar um ponto. Isabel Moreira controlou-se, soltou apenas um "eu não lhe admito", mas o olhar, um misto de incredulidade e mágoa, disse tudo.

Pedro Santos Frazão bate no peito, que ofensa que é chamarem-lhe racista, misógino, xenófobo. A mesma pessoa que em outubro de 2021, usou a expressão "desconizar" para se referir à então deputada Joacine Katar Moreira.

O "humor" (como classificou na altura ) de Pedro Santos Frazão é isto. Trocadilhos com colonização e conas.

Tal como os de Ventura, os argumentos políticos de Frazão têm o impacto de um tornado a passar por um deserto. Levanta poeira mas não traz consequências de maior a não ser arrastar uns rolos de palha. Em termos televisivos, a conversa é diferente. O que está a acontecer em Portugal é o que aconteceu há pouco mais de uma década nos Estados Unidos: estamos no início da criação do star system 2.0 de pundits, estrelas do comentário político cujas opiniões ajudarão a mudar o curso da História (como aconteceu na guerra mediática Fox News vs. CNN nos quatro anos da presidência de Donald Trump). 

Na semana passada, Jeff Zucker, presidente da CNN, despediu-se depois de se ter tornado pública uma relação amorosa consensual com uma colega de trabalho e que não foi comunicada à empresa (o que é obrigatório, segundo o código de conduta interno). E o que importa aqui mencionar (porque a História repete-se sempre, independentemente das latitudes) é que foi Zucker, ainda na NBC, que transformou Donald Trump numa mega estrela de televisão, aquando da escolha deste para conduzir o reality show "O Aprendiz". Mais tarde, já na CNN, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. Mas já era tarde demais. O homem das notícias tinha ajudado a criar o monstro. E o monstro tornou-se presidente do país mais poderoso do Mundo. O "The New York Times" conta a história aqui.

Não dou dois anos até Pedro Frazão, vice-presidente do Chega, correr com Ventura e ascender à liderança. Porque Frazão é mais digerível do que Ventura. Não está associado a um clube de futebol, o que é agregador. Não usa um tom tonitruante. É agradável ao olhar. Tem espaço nas televisões para botar amaciador nas pontas espigadas do discurso extremista do seu partido. E consegue-o. Nenhum dinheiro do mundo paga esta publicidade. 

Esta quarta-feira, Pedro Frazão voltou a estar nos noticiários, desta vez numa ida a tribunal, num processo movido por Francisco Louçã, a propósito de um tweet, onde o vice-presidente do Chega escreveu que o antigo coordenador do Bloco de Esquerda "recebia uma avença do Banco Espírito Santo". À chegada ao tribunal, Frazão voltou a sorrir perante as câmaras, olhando diretamente para a objetiva.

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