"No dia 17 de abril de 2015, depois do trabalho, como de costume tomei banho e detetei na axila um nódulo já grande. Liguei logo ao meu médico a contar o sucedido e fui encaminhada para consulta de senologia [dedicada ao diagnóstico e tratamento cirúrgico da doença mamária]", conta à MAGG Anabela Xavier, de 48 anos, no Dia Nacional da Luta Contra o Cancro da Mama, que se celebra esta quarta-feira, 30 de outubro.
Esta é a história de Anabela Xavier, 48 anos, mas poderia estar a ser contada por muitas outras mulheres. Todos os anos são diagnosticados novos casos de cancro da mama — só em 2018, registaram-se 6.974 mulheres e homens descobriram ter cancro da mama, de acordo com o Observatório Global de Cancro. Mas Anabela e Amália Gomes, que passou pelo mesmo quando tinha 52 anos, fazem parte de um grupo ainda mais restrito: inserem-se nos apenas 10% de mulheres de países desenvolvidos que são diagnosticadas em fase metastática da doença.
Mas o que é que significa cancro da mama metastático? "É um cancro com origem na mama e que se dissemina para outras partes do corpo. A grande maioria dos casos surge anos depois do diagnóstico e tratamento do cancro da mama", explica à MAGG a médica oncologista Ana Joaquim, do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho.
Estes casos são mais frequentes em mulheres entre os 45 e os 55 anos de idade e apesar de ser uma doença incurável, hoje em dia os tratamentos permitem transformar o cancro da mama metastático numa doença crónica, tal como a diabetes, a hipertensão ou algumas doenças reumáticas.
Mas que impacto é que esta doença tem no dia a dia das mulheres? Como é que pode ser contornado e como é que é visto aos olhos da sociedade? São várias as perguntas que se colocam sobre o cancro de estádio 4 (em fase avançada), que a especialista e as duas mulheres ajudam a esclarecer no Dia Nacional da Luta Contra o Cancro da Mama, que se assinala esta quarta-feira, 30 de outubro.
O momento do diagnóstico do cancro da mama metastático
Amália, agora com 61 anos, detetou através da apalpação que algo não estava bem. Consultou um médico de clínica geral e de seguida foi-lhe aconselhado fazer uma biopsia. Recebeu o diagnóstico pelo marido, que trabalhava no laboratório do Hospital de Gaia, em conjunto com a médica de oncologia.
"Normalmente as pessoas dizem 'porquê eu', mas, pelo que me disseram, na altura eu disse 'porque não eu'. Porque eu sou humana e estamos todos sujeitos. Nunca foi fácil, mas como aceitei preparei-me para a luta", explica à MAGG Amália Gomes.
Apesar de ter sido encaminhada para as consultas de psicologia, acabou por receber alta dada a força que tinha para lutar. "A minha filha tinha acabado de entrar na faculdade, o meu marido ainda por cima é mais novo quase 11 anos, portanto tinha de estar ali para eles. Tudo isso deu-me forças de tal modo que quando fazia os tratamentos, estava como se nada fosse. Eu achava que ia vencer e queria vencer", revela Amália.
"Na primeira fase, no fim de tudo, quando já tinha feito quimioterapia, radioterapia, tinha sido operada, cruzei os braços e disse 'pronto, terminei tudo. Agora posso descansar um bocado'. Então aí caiu-me tudo em cima. De tal forma que para me levantar sozinha e ir do quarto à casa de banho tinha de ir agarrada à cama e às paredes", recorda.
Contudo, essa foi apenas a primeira fase por que passou e à qual se seguiram três recidivas (reaparecimento do cancro após tratamento), sendo que na última percebeu que já não podia ser curada, porque já tinha feito duas vezes radioterapia.
Já Anabela Xavier, depois da consulta de senologia, fez também uma biopsia onde foi confirmado o cancro da mama direita e axila, que ainda não estava na fase metastática. "Senti o chão a desaparecer debaixo dos meus pés, mas ao mesmo tempo tive coragem e força para continuar. Pensei que tinha dois filhos para criar e de repente senti uma alegria no meu peito para vencer", conta Anabela.
Passou por oito sessões de quimioterapia intravenosa, perdeu todo o cabelo, foi sujeita a uma mastectomia e esvaziamento da axila direita e na fase seguinte fez 25 sessões de radioterapia no IPO do Porto. Tudo entre abril de 2015 e 2018.
Depois desta data, foi quando os marcadores tumorais aumentaram de valor e as metástases foram confirmadas. "Foi-me dito que tinha de encarar a evolução como uma doença crónica", refere Anabela, que começou na altura com quimioterapia oral.
"No principio foi muito complicado, mas com a ajuda de familiares e amigos consegui ultrapassar dias menos bons. Tive apoio psicológico dado pelo hospital, mas paralelamente recorri a osteopatia, reiki e meditação", práticas de medicina alternativa que Anabela aconselha a quem está a passar por uma situação semelhante.
A Medicina Complementar e Integrativa está bem representada nas orientações sobre o cancro da mama avançado divulgadas em 2018 pela revista académica "Annals of Oncology". Contudo, a oncologista Ana refere que a acupuntura, por exemplo, não é uma alternativa à quimioterapia.
Ainda assim, reconhece que pode ser uma mais-valia: "Um dos efeitos mais comuns na mulher com cancro da mama avançado sob hormonoterapia é a ocorrência de dores articulares. Uma das medidas recomendadas é a acupuntura, com eficácia comprovada na literatura científica", acrescenta.
"Cancro da mama metastizado não é sinónimo de dor"
Em casos em que ocorrem, por exemplo, metástases ósseas, pode haver uma dor mais acentuada, mas mesmo nesta situação os sintomas podem ser tratados.
É por isso que a oncologista Ana Joaquim explica que o cancro da mama metastizado não é sinónimo de dor. "A dor, sendo adequadamente abordada nas suas várias vertentes (física e emocional), consegue-se controlar de forma a que a pessoa mantenha as atividades habituais, nomeadamente da vida pessoal, familiar e laboral", refere.
Para aliviar a dor, Anabela recorre à meditação e ao reiki, e segue uma alimentação cuidada. Amália também tem cuidados com a alimentação —"tanto que os meus valores nas análises estavam muito baixos e através da alimentação consegui que subissem", refere — e usava uma "mezinha" que a avó fazia para aliviar as dores, bastando juntar álcool com canfora.
A especialista indica ainda que para amenizar a fadiga, sintoma comum em vários doentes que passam pelos tratamentos, o exercício físico e a psicoterapia podem ajudar.
Em ambos os casos, o trabalho teve de ficar para trás, alterando o estilo de vida destas mulheres. Na fase que se seguiu ao primeiro diagnóstico da doença, Amália — que trabalhava como assistente técnica no Hospital de Gaia — deixou de trabalhar, mas retomou até à primeira recidiva. Quando recebeu o diagnóstico da segunda, porém, acabou por pedir reforma por incapacidade.
Já Anabela era decoradora. "Após o diagnóstico inicial e mastectomia, voltei ao trabalho durante quase dois anos. Parei de trabalhar quando me foram diagnosticadas as metástases", conta.
A força interior é importante, mas o apoio dos familiares e amigos também
"Também os familiares cuidadores não têm uma vida fácil no sentido em que também eles têm que faltar [ao trabalho] várias vezes para poderem acompanhar os doentes", indica a médica oncologista Ana Joaquim.
Mas este apoio é fundamental, e tanto Amália como Anabela partilham da mesma ideia: "É preciso ter muito apoio familiar para enfrentar todos os obstáculos que nos vão aparecendo no dia a dia", diz Anabela.
Esta tarefa pode às vezes ser dificultada por falta de compreensão sobre a doença. Isto porque, como refere a oncologista, "cada doente tem a sua forma, muito individual, de encarar a doença e os tratamentos e, por vezes, os familiares e amigos não compreendem".
Este cenário complica-se ainda mais quando falamos do lado laboral. "O próprio sistema não está adaptado a integrar, no mercado de trabalho, doentes em idade ativa, com capacidade e condições de manter a atividade profissional, desde que com algumas adaptações", refere, defendendo de seguida que devia ser adotada uma política laboral adequada ao doente oncológico.
A especialista sugere que lhes fosse dada a possibilidade de trabalhar em casa, principalmente nos períodos que se seguem aos tratamentos.
O que desejam que fosse descoberto pelos cientistas?
A esta pergunta, as duas mulheres cancro da mama metastático responderam de forma diferente. Anabela gostava que "descobrissem algo que acabasse com a necessidade de fazer quimioterapia, que eliminasse as metáteses por completo ou pelo menos ter garantia de estabilização da doença", refere.
Já Amália, essencialmente queria que houvesse igualdade de acesso a medicamentos ou inovações científicas em todo o mundo, quer para doentes com cancro, quer para outras doenças.
"A evolução em alguns países está muito melhor do que no nosso. Pessoas que têm dinheiro conseguem ter acesso a esses países, mas outras não têm. Todos nascemos iguais, todos devíamos ter os mesmos direitos antes de morrer", confessa Amália.
A oncologista Ana Joaquim refere que o prognóstico da doença tem evoluído ao longo do tempo, e que na "área da oncologia há muita investigação a decorrer, cujos resultados ajudarão, com certeza, a 'cronicizar' cada vez mais esta doença", conclui.