Lucídio de Oliveira sofre de distrofia fascio-escápulo-humeral. O nome pode parecer difícil, mas o jovem de 33 anos desmistifica este quebra-cabeças.
A distrofia muscular é uma doença genética que está sua família há várias gerações. Contudo, em nenhuma delas, se manifestou de forma tão avançada como a sua. "Todos os meus familiares conseguem fazer uma vida normal, trabalhar normalmente com apenas pequenas limitações físicas", começa por contar Lucídio à MAGG.
O gene foi herdado da parte da mãe e, apesar de ter uma irmã, Lucídio foi o único no qual a doença se manifestou. Há 33 anos viviam-se tempos diferentes e o jovem admite que os pais não tinham qualquer noção do que era a doença. "Não sabiam sequer que era genético portanto entende-se perfeitamente que tenham tido um filho sem perceberem as repercussões que daí viriam. Não que eles se arrependam hoje, espero eu (risos), mas há 33 anos fizeram-no sem noção", conta à MAGG.
Agora, com a entrada da mulher, Diana Carvalho, no reality show "Big Brother - a Revolução", o jovem pretende mostrar às pessoas que " não há um ponto final numa história até ao dia em que morremos".
O neurologista Miguel Oliveira Santos, especialista em doenças neuromusculares no Hospital de Santa Maria e no Hospital da Luz, explica que as distrofias musculares fazem parte de um grupo de doenças dos músculos que são raras e hereditárias, e que se podem manifestar em idade pediátrica ou adulta dependendo do tipo de distrofia. Dentro dessas doenças há vários genes que estão envolvidos e que alteram as proteínas da membrana do músculo. "Essas proteínas quando estão alteradas levam a uma alteração do músculo, que provoca a longo prazo falta de força muscular e atrofia".
No caso da distrofia fascio-escápulo-humeral, o gene portador da doença é dominante, o que que significa que a probabilidade de o descendente vir a ter a doença é de 50%, sendo esta patologia possível de se detetar no diagnóstico pré-natal. Ainda assim, os diagnóstico deste tipo de doenças nem sempre é fácil.
"Grande parte destes doentes, até chegarem a um centro de referência ou a um neurologista com alguma experiência nesta patologia, passam por outras especialidades médicas. Por um médico de família, às vezes pelo ortopedista — porque começa por uma história de quedas e de falta de força que atribuem à patologia óssea ou articular — e mais raramente pode acontecer o diagnóstico ser feito a partir de um problema respiratório ou cardíaco. Depois estes colegas referenciam à neurologia para ver se existem outro tipo de doenças. Portanto, são doentes que ,às vezes, até terem um diagnóstico final leva algum tempo.", revela o especialista Miguel Santos.
"Eu era uma criança absolutamente normal. Corria, saltava e jogava à bola"
Aos 8 anos tudo mudou na vida de Lucídio. A doença começou a manifestar-se de uma forma muito subtil e a família foi percebendo que algo não estava bem. Foi aí que, depois de consultarem um médico, tiveram noção do que se estava a passar. Até a essa idade os pais de Lucídio nunca se tinham questionado sobre o facto de algumas pessoas da família sofrerem dessa doença. "Não sabiam o nome da doença, achavam um bocadinho estranho que algumas pessoas da famílias tivessem algumas dificuldade, mas nunca tinham ido a um médico, nunca tinham tentado investigar o que era e na minha região era normal não se questionar assim tanto".
"Terminaram as aulas e eu fui de férias de verão. Quando regressei, passados três meses, não conseguia subir as escadas na minha escola. Foi aí que eu percebi a gravidade do que estava a acontecer."
Lucídio, que nasceu e cresceu numa terra perto da Figueira da Foz, não tardou a percebeu que algo não estava bem. "Com essa idade já começamos a olhar para o lado e a perceber que aquele consegue fazer aquilo e eu não consigo". Foi difícil para família explicar a uma criança de 11 anos que tinha uma doença que ia sempre evoluir para pior, mas que, ainda assim, não se podia perder a esperança.
Lucídio conta que foi aos 15 anos que percebeu realmente as implicações que a distrofia muscular iria ter na sua vida. "Terminaram as aulas e eu fui de férias de verão. Quando regressei, passados três meses, não conseguia subir as escadas na minha escola. Subia com muita dificuldade. Foi aí que percebi a gravidade do que estava a acontecer."
"A revolta vai cá estar sempre"
Lucídio recorda a mágoa que sentiu nesse momento e lembra-se de chorar muito em frente à diretora da escola quando teve de lhe pedir que as aulas fossem alteradas para o rés do chão. "Na altura a escola não estava adaptada e também estas situações não se questionavam assim tanto", confessa. A diretora teve um papel crucial mas, ainda assim, Lucídio nunca teve coragem de contar aos colegas o que se estava a passar, preferiu ele mesmo fingir que estava tudo bem já que, com as aulas no piso térreo, não teria de se confrontar com as dificuldade.
Os colegas nunca chegaram a perceber porque é que as aulas tinham mudado de piso, mas Lucídio também nunca teve coragem de lhes contar." Eu lembro-me de algumas salas serem bastante pequenas e lembro-me dos meus colegas reclamarem porque que raio é que nos tinham tirado das outras salas maiores e nos tinham colocado naquelas salas minúsculas. Mas eles nunca ficaram realmente a saber."
Apesar de ser uma pessoa que tenta sempre ver o lado positivo da vida, Lucídio confessa: "A revolta vai cá estar sempre". Nem sempre ao mesmo nível, nem com a mesma intensidade mas será difícil para o rapaz perceber o porquê de ter acontecido com ele, ainda assim a fase mais difícil de ultrapassar foi entre os 10 e os 16 anos. "Aquela idade em que nós crescemos, em que nos queremos mostrar, em que é suposto o nosso corpo se desenvolver e não fazer o caminho inverso e foi isso que aconteceu comigo".
Na altura, a palavra "bullying" não era uma realidade, muito menos na zona onde Lucídio vivia. Hoje, consegue perceber que sofreu bastante com isso mas afirma sempre ter conseguido lidar bem com a situação. "Sempre me consegui abster e acho que sempre tentei impor a minha capacidade intelectual à minha incapacidade física como forma de compensação". Na altura pensava: "Talvez eu não consiga fazer isto ou aquilo fisicamente, mas intelectualmente eu sou bom, portanto podem gozar. No futuro isso vai-se refletir nas nossas carreiras."
O percurso escolar e profissional
O percurso escolar do jovem foi feito de uma forma exemplar. Após o ensino secundário, frequentou a universidade. Licenciou-se e é mestre em Gestão de Empresas pela Universidade de Coimbra e enquanto estudante participou em vários programa internacionais. "Fiz questão de lançar estes desafios a mim próprio. Apesar de já ter bastantes dificuldades na altura, participei no programa Erasmus na Roménia e mais tarde regressei lá no programa Free Mover. Depois fiz um estágio profissional em Malta, onde acabei por ficar a trabalhar".
Depois de seis anos a trabalhar e a viver em Malta, com a mulher, Diana Carvalho, Lucídio regressou a Portugal. Por causa da COVID-19 foi despedido. " O timing foi horrível, fui despedido numa altura de pandemia, sem ter a possibilidade de sair à rua e procurar trabalho porque sendo um paciente de risco, sair à rua não é muito comum", confessa.
Tentou procurar trabalho online, mas quando abriram as inscrições do "Big Brother - a Revolução" Lucídio arranjou uma ocupação. "Como eu trabalhava como recrutador, sabia que a Diana tinha um perfil fantástico para entrar no Big Brother. Dediquei o meu tempo a recrutar a Diana, preparei toda uma lista de possibilidades na minha cabeça e treinámos todas as possibilidades possíveis para que ela conseguisse chegar o mais longe possível", conta à MAGG.
"Vou perceber até que ponto consigo ainda ser independente."
Lucídio e Diana Carvalho estão juntos há mais de 10 anos e são casados há dois. Conheceram-se em Coimbra enquanto estudavam. "A Diana na altura andava a sair com o meu melhor amigo, mas nunca foi algo sério entre eles e acabou muito depressa. Começou a falar comigo cerca de um ano depois no Facebook, porque estávamos ambos a participar num campeonato de escrita e começámos a trocar ideias e a ver que havia alguma empatia".
Na altura, Lucídio estava na Roménia e quando regressou a Portugal veio com ideia definida de que ia haver um encontro entre os dois. Confessa que se sentia "desconfortável" por pensar que Diana ia achar a limitação física muito estranha, mas, apesar disso, a distrofia nunca colocou em causa a relação do casal. "Se alguém no início teve algumas dúvidas fui eu, porque não percebia como é que ela estava comigo, achava que ela podia arranjar alguém muito melhor, muito mais à altura dela."
Depois de tantos anos juntos, Lucídio encara a entrada da mulher no reality show como um desafio, tanto para ela como para ele. "Vou perceber até que ponto consigo ainda ser independente."
Lucídio tem contado com a ajuda da família para realizar algumas tarefas domésticas. Tem a seu cargo quatro animais de estimação que são vistos pelo casal como filhos. A hipótese de terem "filhos humanos" ainda não faz parte dos objetivos do casal, mas quando isso acontecer a opção passará pela adoção. "Sabemos que existem milhares de crianças para adotar", a probabilidade de um filho biológico de Lucídio vir a ter a doença é grande e por isso considera " que não há necessidade de tomar um risco desses". Também a irmã, apesar de não sofrer da doença, o fez.
"Eu espero que quando olharem para a minha história e para a história da Diana percebam que não é o fim"
O especialista Miguel Oliveira Santos explica à MAGG que quando se trata de uma gravidez existe sempre o receio por parte dos progenitores de transmissão da doença à descendência o que deve implicar sempre uma articulação com consulta de genética quer para se estabelecer um plano de risco — que no fundo analisa se a doença pode ou não ser passada à descendência — como também para que se possa evitar ter um filho ou uma filha com a patologia em questão. "Geralmente os colegas da genética fazem uma referenciação a uma consulta específica onde, através de técnicas de procriação medicamente assistida, consegue-se selecionar os embriões não portadores da mutação. " explica o especialista. Contudo, este método implica sempre um planeamento de uma gravidez de uma forma não natural. "Há uma seleção dos espermatozoides ou dos óvulos, consoante a doença esteja no género feminino ou masculino, e procede-se à fecundação in vitro ", acrescenta.
Lucídio e Diana separaram-se agora pela primeira vez em 10 anos para que Diana conseguisse viver esta aventura de entrar no "Big Brother - a Revolução". Contudo, a participação no reality show representa muito mais do que uma simples aventura. O casal pretende passar uma mensagem muito importante aos portugueses.
"Há muita gente em casa que desistiu, gente que não precisa de ter uma incapacidade física ou mental e que simplesmente desistiram. Eu espero que quando olharem para a minha história e para a história da Diana percebam que não é o fim. Se eu consigo fazer, se eu consigo seguir em frente então eles, que não têm qualquer tipo de limitação, também conseguem. Não há um ponto final numa história até ao dia em que morremos", afirma Lucídio de Oliveira.