Durante dois anos, Ana Soares levou uma vida amparada em ansiolíticos. “Ia ao médico, queixava-me de desequilíbrios, de ansiedade e todos culpavam o stresse”, conta à MAGG. E nem mesmo quando um dia, ao regressar do trabalho, teve que parar o carro em plena A5 porque deixou de ver, os médicos descobriram o que estaria por trás de todos estes sintomas. “Habituei-me a desculpar tudo com a tal ansiedade que os médicos falavam”. Assim como desculpava as dores fortes na lombar com as hérnias que já tinha e o enrolar da fala, que podia ser consequência da medicação que tomava para as tais dores na lombar.
Já só não havia desculpa para o cansaço. “Agora sei que aquela fadiga não é uma fadiga normal. O cansaço da esclerose múltipla é quase como se o teu corpo não te obedecesse”, garante.
A fadiga é, aliás, o sintoma mais comum para os doentes com esclerose. A Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) lembra que atinge 98% dos doentes, numa lista da qual fazem parte também sinais como distúrbios de equilíbrio, distúrbios cognitivos e fraqueza muscular.
Tenho esclerose, e agora?
Quando já nem Ana conseguia arranjar desculpas para o garfo que lhe caia da mão a comer ou para o cansaço que já nem lhe permitia praticar o seu ioga diário, já no hospital e depois de vários exames, os médicos disseram: “Pode ser uma de três coisas: AVC, tumor no cérebro ou esclerose múltipla, e vamos todos rezar para que seja esclerose”.
E se agora Ana quase que pode dar uma palestra sobre o tema, na hora em que o diagnóstico lhe foi transmitido, a pergunta foi: “Vou morrer?”.
Não morreu nem a doença é equivalente às outras opções que estavam em cima da mesa, mas apesar de o Dia Mundial da Esclerose Múltipla se assinalar a 30 de maio, para Ana ainda não houve um dia de folga.
Tal como acontece a mais de metade dos doentes com esclerose, também Ana teve que abandonar a profissão. Trabalhava como designer gráfica num jornal onde passava grande parte do dia e, atualmente, basta uma hora ao computador para ficar de rastos. “Devido ao tal desequilíbrio, é como de visse sempre o mundo a mexer, mesmo quando estou parada, o que torna o ato de escrever e ler bastante complicado”, explica
Mas não foi por isso que parou. “Só me desviei no percurso”, refere.
É certo que logo a seguir ao diagnóstico passou uma semana internada a corticóides e um mês em casa a recuperar, “e a assimilar tudo aquilo que estava a acontecer”. De repente, ir ao fundo da rua a pé era, para mim, o equivalente a correr a maratona”. Mas aos poucos foi acrescentando mais uns metros ao percurso e, em casa, voltou ao ioga que a doença lhe permitia.
Um país em alerta laranja
Em Portugal, estima-se que a doença afete entre 6 a 8 mil pessoas e, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, em todo o mundo existem cerca de 2,5 milhões de pessoas com esclerose.
A SPEM decidiu pintar o país de laranja — a cor que a associação escolheu para representar a doença — e está previsto que sejam iluminadas as fachadas de monumentos como o Cristo Rei, o Templo de Diana ou o Castelo dos Mouros. Além disso, através das redes sociais vai ser criado um movimento de pessoas vestidas com roupa laranja, para angariar fundos de apoio às associações de doentes com esclerose múltipla e, em Lisboa, serão realizadas várias iniciativas de sensibilização e animação.
“O 'alerta laranja' é uma campanha que pretende, de uma forma positiva, criar um momento público para se falar de esclerose múltipla e a necessidade da sociedade contribuir para que as pessoas afetadas, maioritariamente jovens em idade ativa, possam fazer face à doença e continuar as suas vidas com as mesmas oportunidades", explicou em comunicado a vice-presidente da SPEM, Susana Protásio.
Rute quase que podia ser a cara desta campanha, uma vez que, apesar do diagnóstico recente, não só decidiu que não seria a esclerose a pará-la, como ainda encontrou na doença uma oportunidade. Trabalha atualmente na linha de apoio às pessoas com esclerose e respetivos cuidadores e, apesar de não atender o telefone enquanto doente mas sim enquanto pessoa que pode dar orientações médicas, sociais e jurídicas, não deixa de poder dar um cunho pessoal a estes pedidos de ajuda. “Também eu já precisei, e muito”, garante.
Tal como no caso de Ana, também Rute culpou o eterno cansaço com o estágio em enfermagem. Mas esse período profissional teve um fim, os sintomas não.
“Sentia-me fraca, cansada, falhavam-m as pernas. Cheguei até a cair na rua”, conta à MAGG. Em julho do ano passado chegou ao ponto de já nem sair de casa sozinha. “Foi aí que decidi ir ao médico que, depois dos exames certos, rapidamente chegou ao diagnóstico”.
O mais difícil para Rute foi ter ainda bem presente o fim de vida de um tio que sofria da doença. “Mas percebi que hoje em dia, com a fisioterapia e a medicação certa, é possível viver com dignidade durante muito tempo”, garante.
Diferentes pessoas, diferentes respostas
Rute escolheu a medicação em comprimidos, Ana começou com os injetáveis. Digo começou porque há quase um ano, no dia em que fez 40, Ana decidiu abandonar o tratamento, uma vez que, para si, os efeitos secundários eram demasiado fortes para um tratamento que apenas previne em 30% o aparecimento de surtos. “Depois da injeção, que era dada de 15 em 15 dias, ficava pelo menos dois dias de cama e, nos seguintes, piorava imenso ao nível do equilíbrio e da fadiga”.
Aconselhou-se com um naturopata e cortou da sua alimentação tudo aquilo que podia interferir com a doença, uma vez que um doente com esclerose, ta como acontece noutras doenças autoimunes, o corpo não desintoxica de uma forma natural. Vive agora sem glúten, laticínios de vaca e açúcares e, por isso, sem o seu trio preferido: queijo, pão e vinho.
Passou inclusive por um mês de dieta restrita na qual só podia variar entre os seguintes alimentos: gema de ovo, mirtilos, maçã reineta, ameixa, iogurte e requeijão de cabra, mel e canela. “Não passei a mínima fome e, com uma lista de compras fixa, não perdia tempo nenhum no supermercado”, brinca. Explica que tem por hábito avaliar os sintomas numa escala de zero a dez e se no início desse tratamento o desequilíbrio estava a oito, ao décimo dia desceu para dois. "Nem eu queria acreditar", exclama.
Não é uma alimentação viável a tempo inteiro mas, ainda hoje, faz questão de passar pelo menos dois dias por semana apenas a comer estes alimentos. “O que mais me custa não é ver o meu marido jantar pão, queijo e vinho, é mesmo ter que ouvir os comentários das pessoas a este meu estilo de vida”. Para esses, deixamos uma sugestão: andar com a escala de zero a dez ao peito. Não há melhor resposta do que um sintoma cair a pique.