Todos os anos, estima-se que nasçam mundialmente cerca de 15 milhões de bebés pré-termo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. Em Portugal, um dos países europeus com maior taxa de prematuros, o número de nascimentos de bebés pré-termo tem aumentado. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2016 nasceram aproximadamente sete mil bebés prematuros no nosso País, o que corresponde a uma percentagem de 7,8% — em 2001, tinham sido 5,6%.
O filho de Lara Severino, Lourenço, atualmente com dois anos, entra para estas estatísticas. A assistente de loja na área das telecomunicações, de 33 anos, que tinha tentado engravidar naturalmente durante um ano, acabou por ser encaminhada para uma consulta de fertilidade no Centro de Infertilidade e Reprodução Medicamente Assistida no Hospital Garcia da Horta. Depois de um intervenção simples ao útero, teve autorização para tentar engravidar.
“Engravidei rapidamente mas tive de ser internada com 22 semanas e meia de gestação. O meu colo do útero abriu e existia o perigo de a bolsa amniótica romper”, conta à MAGG Lara Severino, que explica que com tão pouco tempo de gestação, os médicos não fariam nada pelo bebé.
Lara passou as três semanas e meia seguintes acamada, com a cama elevada nos pés para o bebé se manter o máximo de tempo na barriga, impedindo a bolsa de se romper — mas o nascimento de Lourenço estava para breve. “Comecei a perder muito muco, o que podia ser um sinal de que o colo estava a abrir mais. Durante o meu internamento pesquisei imenso no Google sobre prematuridade, imagens de bebés prematuros com o mesmo tempo de gestação e peso aproximado. Não fazia ideia de que bebés com vinte e poucas semanas de gestação pudessem sobreviver. Para mim, a prematuridade extrema era desconhecida, imaginava que sobrevivessem a partir das 32 semanas, por exemplo”, relata a mãe de Lourenço.
Lourenço nasceu com 25 semanas e seis dias, com 795 gramas e 33 cm, na consequência de um deslocamento de placenta. “Ouvi alguém dizer-me durante o aparato que ele era muito pequenino e vi as expressões de quem estava a tratar de mim. Simplesmente virei a cara porque eu tinha de continuar a acreditar, apesar de ter plena consciência dos vários cenários que podiam acontecer”, conta Lara, que nem sequer viu o filho ou o ouviu chorar assim que ele foi retirado do seu útero.
“Lembro-me de a anestesista me dizer ao ouvido que ele era comprido e senti pela cara dela e pelo tom de voz que era para me confortar. Ele nasceu perto da meia-noite e eu só o consegui visitar no dia seguinte, ao final da tarde — durante o tempo que estive acamada perdi muita massa muscular e não me conseguia levantar, nem andar. O pai conheceu-o nessa madrugada, depois de o terem recebido no serviço de neonatologia e não me quis mostrar uma fotografia. No dia seguinte percebi porquê, o choque é grande”, admite Lara Severino.
“Nenhum pai está preparado para isto”
A prematuridade é uma situação duríssima para os pais que a atravessam e o choque de ter um bebé muito diferente daquilo que havia sido projetado é um dos obstáculos que os pais e mães de bebés prematuros têm de superar. “É uma situação muito pesada e acho que nenhum pai está preparado para isto”, afirma Carla Cotrim, enfermeira responsável pela unidade de neonatologia da Clínica de Santo António. “As pessoas fazem a projeção de ter um bebé saudável, de levá-lo para casa, e quando isso ocorre antes do tempo, é óbvio que vai ter de existir uma destruição da imagem do bebé ideal e vai ter de haver uma construção do bebé real, que muitas vezes não pode estar ao colo”, explica a enfermeira, que também afirma que “os pais têm de adequar os seus papéis às necessidades daquele bebé”.
Marta Gomes da Pina, 37 anos, técnica de projeto, também não estava preparada para dar à luz um bebé de extrema prematuridade, e assume o seu desconhecimento sobre o tema: “Para mim, a prematuridade eram bebés que nasciam com 36 semanas, tinham de ficar um bocadinho na incubadora e depois iam para casa. Eu nunca pensei na minha vida que uma criança de 500 gramas, que era aquilo que estava previsto para o meu filho, pudesse nascer e sobreviver”.
A história de Marta e de Francisco, o filho da técnica de projeto, ficou marcada por um pobre acompanhamento pré-natal, mas também por uma ajuda que veio de onde menos se esperava — de um fórum de Facebook. Já numa situação de gravidez de risco, Marta não fez o rastreio bioquímico no primeiro trimestre devido a um esquecimento da médica que a acompanhava. “Ela desvalorizou o caso, disse que era a mesma coisa fazer o rastreio no primeiro ou no segundo trimestre porque era só para despistar as trissomias e eu acreditei nela. Continuei a ter algumas contrações e perdas de sangue, para além de muitos enjoos”.
Com a chegada ao segundo trimestre, Marta fez finalmente o rastreio bioquímico, cujos resultados revelaram um risco elevado para a existências de trissomias (probabilidade de um para nove). Encaminhada para uma amniocentese de urgência, obteve passado três dias os resultados preliminares, que descartaram os riscos das trissomias e confirmaram o sexo masculino da criança. “Hoje sei que os resultados do rastreio foram um alerta”, afirma Marta Gomes da Pina, embora a médica tenha assumido a situação apenas como um falso positivo e tenha continuado a ignorar as preocupações da sua paciente.
Marta começou a sofrer fortes arritmias, que chegavam a retirar-lhe o fôlego: “Enviei um email à minha médica e voltei a receber como resposta que lá estava eu com as minhas ansiedades. Apesar de ter acreditado, houve qualquer coisa que me fez recorrer a um daqueles fóruns de Facebook, para mães e grávidas. Nem sou muito de interagir, mas acabei por escrever uma publicação a questionar se alguém já tinha sentido aquelas palpitações e se tinham ideia do que podiam ser”.
Até hoje, a mãe de Francisco não sabe dizer quem lhe respondeu, mas agradece a essa pessoa a vida do filho. “Responderam-me que devia ser tensão alta e aconselharam-me a ir medi-la. Quando cheguei à farmácia e o fiz, tinha uma tensão de 17,8”, conta Marta, que estava na época grávida de 26 semanas e seis dias, e foi encaminhada imediatamente para a Maternidade Alfredo da Costa (MAC), hospital onde o filho viria a nascer.
Já na MAC, os médicos descobriram um cenário para o qual Marta e o companheiro não estavam de todo preparados, dado que, supostamente, a gravidez estava a ser vigiada e bem acompanhada. “A minha placenta estava a bloquear o oxigénio e os nutrientes de que o Francisco precisava. Há crianças que têm este problema e continuam a crescer, e são os tais nados mortos. No meu caso, ele deixou de crescer, a chamada restrição de crescimento, ficou quietinho com o mesmo peso, para que o pouco que recebia fosse canalizado para os órgãos vitais, neste caso, o coração e o cérebro”, conta Marta, a quem foi dito que, no mínimo, teria de tentar aguentar a gravidez até às 28 semanas — a cada dia que passava, as hipóteses de sobrevivência do bebé aumentavam 3%.
“Ficámos muito assustados e preocupados, até porque estávamos muito pouco, se não nada, sensibilizados em relação à questão da prematuridade. Até que ao segundo dia de internamento, mostraram-me um álbum, que foi a melhor coisa que me podia ter acontecido, dentro daquele contexto, claro”, salienta a técnica de projeto. O álbum era um conjunto de informações sobre a prematuridade, bem como várias fotos de bebés muito prematuros. Marta afirma que “há pessoas que ficam sempre chocadas quando eu digo que isto foi muito positivo para mim, mas foi realmente um grande ajuda, caso contrário, ia ser muito mais difícil ver o meu filho pela primeira vez”.
Os prematuros abaixo das 28 semanas são os bebés com risco mais elevado
O limite inferior da viabilidade fetal situa-se nas 23, 24 semanas. Quando aos prematuros, qualquer bebé nascido antes das 37 semanas é assim considerado, embora existam diferenças. “Abaixo das 28 semanas, classifica-se como prematuridade extrema, que são aqueles que têm mais riscos, seja de mortalidade ou de sequelas”, afirma Manuel Cunha, neonatologista e coordenador do departamento da criança do Hospital de Cascais. De acordo com o especialista, os bebés entre as 28 e as 32 semanas são os grandes prematuros, “com um pouco menos de risco”, e até às 36 semanas são apelidados de prematuros moderados ou tardios, “que ainda têm algum risco quando comparados com os bebés de termo, mas menos que os outros bebés nascidos com menos semanas de gestação”.
Manuel Cunha explica que os prematuros extremos e grandes prematuros têm riscos imediatos importantes, principalmente do ponto de vista respiratório: “Estes prematurinhos têm falta de sulfactante, que é aquilo que faz com que os pulmões consigam respirar de forma adequada. Estes bebés incorrem no risco respiratório de precisar de ventilação, para além de não terem tolerância alimentar e também o grande risco de fazerem lesões cerebrais”.
De acordo com o especialista em neonatologia, as complicações cerebrais mais imediatas são as hemorragias cerebrais e lesões que têm a ver com a imaturidade do sistema nervoso central, “que podem levar a sequelas neurológicas a grande prazo como a paralisia cerebral, casos de surdez e cegueira, mas também défices cognitivos, por vezes só detetados em idade escolar, como défice de atenção e dificuldade de aprendizagem”.
A receber injeções para a maturação dos pulmões do bebé (o último órgão a ser desenvolvido) desde o inicio do seu internamento, Marta Gomes da Pina acabou por ser encaminhada para uma cesariana de urgência no dia 8 de outubro de 2015, com 27 semanas e cinco dias de gestação. O bebé estava no limite e Marta continuava a ter picos de tensão enormes. “Lembro-me de a médica que me estava a acompanhar, Ana Campos, diretora técnica da MAC, me dizer que, devido à minha situação, iam pelo menos salvar a mãe. Claro que eu naquela altura queria que salvassem o meu filho, queria lá saber de mim, mas entendo que é o protocolo. Existiam boas hipóteses de me salvar, o meu filho sabia-se lá como é que ele ia nascer”, conta.
A cesariana acabou por demorar mais exatamente devido à administração de um medicamento endovenoso muito agressivo — “lembro-me de as veias me arderem” —, para a neuro proteção do cérebro do bebé à nascença, dado que as primeiras duas semanas de vida são cruciais em termos hemorragias no cérebro. “Quase todos os prematuros com estas semanas as têm e este medicamento que eu fiz tenta protegê-los, depois a diferença está na forma como os bebés absorvem essas hemorragias e os danos que ficam no cérebro”, afirma Marta Gomes da Pina.
Ainda durante a cesariana, Marta passou por uma paragem cardiorespiratória, felizmente resolvida a tempo, e Francisco nasceu com 690 gramas, mais 190 gramas do que o peso previsto. Foi imediatamente para a incubadora e ventilado, dado que os pulmões praticamente não funcionavam. Ficou 141 dias internado, entre a MAC e o Hospital Dona Estefânia, onde em janeiro de 2016, com cerca de três meses, lhe foi efetuada uma traqueotomia (operação cirúrgica que consiste numa incisão na traqueia, de forma a permitir a introdução de uma cânula para ser possível a passagem do ar).
“O Francisco esteve ventilado durante muito tempo, e assim que começou a ganhar força, puxava o tubo. Todo esse tira e põe do tubo criaram feridas na traqueia, e embora com a evolução dele os pulmões já estivessem preparados para respirar sozinhos, as lesões na traqueia geravam um colapso e tal não era possível. A traqueotomia foi o que salvou o meu filho, é por isso que ele esta vivo”, relata a mãe de Francisco.
Apesar do seu nascimento precoce, hoje Francisco é um miúdo igual aos outros e não sofreu sequelas cerebrais. A mãe explica que “tem efetivamente um atraso a nível motor, anda mas não corre nem salta, e também está atrasado em relação à fala, dado que só descobriu há pouco tempo que conseguia falar — mas agora está um autêntico papagaio”.
Continua com a traqueotomia, dado que ainda não foi possível removê-la este verão. “Tentámos três vezes, mas ainda existe algum colapso. A ideia é que ele fique sem ela, mas como só se pode tentar retirar no tempo quente devido às infeções no inverno, vamos avaliar na próxima primavera”, conta Marta, que garante que não é o “buraco” da traqueotomia que impede Francisco de o que quer que seja.
A técnica de projeto explica que, para o filho, “aquilo é que é o normal. Lida muito bem com a situação e foi este ano inclusivamente para a escola, e para os colegas aquilo é que é o normal, as crianças são muito menos criticas que os adultos”.
Ser mãe e pai sem conseguir cuidar
O contacto com os bebés nas unidades de neonatologia depende muito do estado de saúde das crianças — existem aqueles que o quadro clínico já permite que os pais lhes peguem ao colo, por exemplo, mas há bebés que precisam de estar 24 sobre 24 horas dentro da incubadora.
A enfermeira Carla Cotrim explica que existe sempre uma tentativa de integrar os pais na prestação de cuidados ao bebé, mas o acompanhamento é diferente se o bebé estiver ventilado, ou se estiver só a ganhar autonomia alimentar.
“Tentamos sempre que possível que os bebés façam grande períodos de canguru, ao colo da mãe ou do pai, que fiquem o mais próximo e o mais tempo possível com o bebé. Quando estão ventilados, os pais podem estar junto de nós quando manipulamos o bebé, manipulações de acordo com a necessidade, claro. Mudar uma fralda, alimentar, tentamos que estejam presentes nesses períodos e que haja um contacto físico, tão importante para criar laços”, explica a especialista, que considera que são estas tarefas e este contacto que fazem os progenitores sentirem-se úteis e pais, no fundo, dado que o filho está completamente dependente de cuidados médicos.
“Mãe é quem cuida, e eu não cuidava”, afirma Marta Gomes da Pina, que só pegou no filho ao colo pela primeira vez dois meses depois do parto, dado que Francisco tinha de ter a mínima manipulação possível e não saia da incubadora nos primeiros tempos — mudar a fralda, ajudar no banho, tudo era feito dentro da incubadora.
Sem medos de dizer aquilo que não é politicamente correto, Marta assume que nos primeiros tempos, não se sentia mãe. “Muito sinceramente, o vínculo que nós temos com aquela criança que está dentro da incubadora, e falo por mim, não é um vínculo de mãe. Eu sabia que aquele filho era meu, eu tinha um amor imenso por ele, mas eu não me sentia mãe dele, porque eu não podia cuidar dele. Claro que eu tinha vínculo e um amor transcendente, mas ligação mãe-filho não existia. Até porque depois também temos de gerir todas as culpas que daí vêm: foi o meu corpo praticamente que o expulsou”, relata Marta Gomes da Pina, que assume que o caso começou a mudar de figura na época em que o filho já tinha a traqueotomia.
“Quando ele já podia sair da incubadora, aí já nos começámos a aproximar. Não tem a ver com o amor, que foi imenso desde o primeiro dia de vida do Francisco, tem a ver exatamente com o vínculo, que é uma coisa diferente. Na Estefânia já lhe começava a dar o biberão, já fazia as coisas sozinha e já me sentia mais mãe.”
Também Cláudia Faria, 35 anos, que foi mãe de Daniel às 29 semanas com 1,460 gramas, enaltece a importância da integração dos pais nos cuidados dos bebés. A bióloga marinha só tocou no filho após uma semana do seu nascimento e assume que tudo é diferente com um bebé prematuro. “A maneira como se manuseia é muito diferente. A partir do momento em que me foi possível tocar no Daniel, as enfermeiras ensinam-nos a fazer tudo, vão introduzindo uma nova tarefa para os pais”, explica Cláudia, que só começou a mudar a fralda e a ajudar no banho do filho quando este se encontrava nos cuidados intermédios.
“Por exemplo, quando os bebés estão a dormir, temos de os mudar e ajeitar de três em três horas para evitar as deformações na cabeça”, conta a mãe de Daniel, que assume os primeiros tempos nesta rotina são muito duros. “Na primeira semana eu chorava baba e ranho todos os dias, mas cheguei a sentir-me mal por estar assim quando via ali pais que estavam há um mês com bebés em situações muito mais graves que a minha.”
“Nestas unidades, há um laço que fica entre todos os pais, fazemos amizades para a vida”
Nas unidades de neonatologia, a presença dos pais é muito incentivada. “Uma das boas práticas em todas as unidades deste género é a presença do pai e da mãe desde o início, precisamente para serem estes os prestadores de cuidados aos bebés”, afirma Manuel Cunha, médico neonatologista, explicando que a presença dos progenitores “diminui um bocadinho aquilo que é agressividade do hospital. O método canguru, por exemplo, ajuda imenso na recuperação dos bebés e na boa evolução destes”.
Mas as rotinas nestas unidades nem sempre são fáceis. Lara Severino conta que a sua logística era igual todos os dias: “Acordava cansada, não tinha o bebé em casa mas tinha que tirar leite, tomava o pequeno almoço, banho e vestia sempre uma roupa lavada, nunca usava a mesma roupa por causa das bactérias. Fazia o que conseguia em casa e depois ia para o hospital por volta das 12h30. Chegava antes da reunião dos médicos para estar com o Lourenço antes de almoço, comia todos os dias no hospital e ficava lá até por volta das 20h, às vezes também lá jantava.”
A mãe de Lourenço recorda que passou horas sentada numa cadeira desconfortável — “nos cuidados intensivos não existem cadeirões, os pais estão sentados numa cadeira normal" — a ler imenso sobre prematuridade. “Também falei com quem já tinha tido o filho internado nesta neonatologia e tudo o que ouvi do serviço do Hospital Garcia de Orta, a forma como me trataram e como tratavam do Lourenço, de alguma forma deixava-me ir tranquila para casa todos os dias e confiar o meu filho àqueles profissionais. Cada dia doía menos ir para casa e chega um dia em que ficamos só com saudades do nosso filho e ansiosos por vê-lo no dia seguinte”, conta Lara Severino.
Cláudia Faria enaltece também a ligação de amizade e entreajuda que existe entre os pais. “Nestas unidades, há um laço que fica entre todos os pais, fazemos amizades para a vida. Apesar de todo o drama, tínhamos ali um grupinho de gente meio doida, a sala da amamentação era um fartote. Éramos um grupo muito unido, com muita entreajuda, partilha, mas também galhofa. Tínhamos uma piada recorrente, dita por um pai, que dizia que em terras de prematuro, qualquer bebé de três quilos e meio é gigante. Tenho muito a agradecer aos outros pais, que me viam a chorar, que percebiam que eu me estava a isolar, e começaram a ir almoçar comigo e ‘agarraram-me’”, relata a mãe de Daniel.
O dia da alta é encarado com felicidade, mas também com medo
Depois de semanas e meses de internamento, o dia em que os pais recebem finalmente a notícia de que podem levar o seu bebé para casa é um momento muito esperado, mas também é assombrado pelo medo de não conseguirem cuidar do seu filho sem a ajuda médica que, até aí, esteve sempre presente.
“Os pais verbalizam muito que é uma ambivalência, chegar o dia da alta e confrontarem-se com o receio de não conseguirem desempenhar aquela tarefa, de não estarem à altura de um bebé que precisou de cuidados especiais”, afirma a enfermeira Carla Cotrim, embora garanta que “ninguém manda um recém-nascido para casa sem os pais estarem preparados antes — a partir do momento em que o bebé entra na neonatologia, é preparada a alta desde o primeiro dia e os pais vão desenvolvendo competências”.
Manuel Cunha confirma que os pais são preparados e que até existem estratégias para avaliar a segurança destes: “Um dos pais, normalmente a mãe, chega a ficar 24 horas a prestar cuidados ao bebé para percebermos que tudo corre bem e ela de facto tem essa segurança”.
Mas os medos estão lá. “Fiquei aterrorizada. O meu filho esteve quase três meses internado, a ser sempre observado e tratado por profissionais, e eu é que tinha que ter esta responsabilidade? E se eu não percebesse nada daquilo? E se não soubesse ver os sinais no filho, se ele precisasse de ajuda quando ele estivesse em casa? Eram estes os meus medos”, conta Lara Severino, que devido ao filho ter sido enviado para casa com oxigénio, até tinha receio de sair do quarto.
Lara tinha medo que a mala portátil durasse pouco tempo. "Claro que era possível ver a medida, mas achava que podia não estar a funcionar bem”, afirma. Lourenço tem hoje dois anos, não tem sequelas muito graves mas ficou com displasia broncopulmonar. “Todos os prematuros extremos têm este problema. Danos no pulmão por utilização prolongada de oxigénio e ventilação agressiva. São crianças que têm infeções respiratórias com mais frequência, e durante as crises podem precisar de internamento e oxigénio. Ficam mais cansados a fazer algumas atividades, passa com o crescimento, mas podem vir a ficar com asma na idade adulta”, relata a mãe de Lourenço.
Também Marta Gomes da Pina considera que o sentimento no dia da alta é “agridoce; por um lado é algo que desejamos há muito, no meu caso há quatro meses e meio, mas é um medo terrível porque aquilo assusta”. Apesar de ter a noção de que os médicos só deixam sair as crianças quando sabem que os pais estão preparados — “caso contrário, isso seria mandá-los para a morte” —, a mãe de Francisco salienta que é a falta de apoio imediato que amedronta. “Eu fazia tudo no hospital, mas sabia que bastava chamar para ter ajuda, é uma segurança completamente diferente”.
Apesar de todas as dificuldades vividas, Marta Gomes da Pina assume que toda esta situação lhe ensinou muito. “Aprendi que sou muito mais forte do que aquilo que eu pensava, que mesmo quando estamos derrotadas vamos buscar força pelos nossos filhos, não lhe sei dizer onde, mas vamos. Sou uma pessoa completamente diferente daquilo que era, e acho que para melhor. Dou valor a outro tipo de coisas, tenho diferentes prioridades. A prematuridade ensinou-me que cada vitória, cada avanço, que para os outros pais até passa despercebido, para nós é uma felicidade imensa”.
Sem querer desmerecer todas as outras crianças, a mãe de Francisco considera os bebés pré-termo especiais: “Os bebés prematuros agarram-se à vida como eu acho que nenhum adulto se agarra. Se eles tivessem a nossa consciência, não conseguiam lutar pela vida como lutam”.