O regresso da Telescola trouxe a Portugal a nostalgia do que era o ensino de outros tempos. Os que nasceram antes do 25 de abril recordam os tempos da televisão a preto e branco e de uma professora que, ainda que no ecrã, fazia a ponte entre a aldeia isolada e o resto do mundo.

Para os que nasceram já em liberdade e na era das camisas com chumaços e da ganga integral, de repente veem-se em frente a um ecrã na esperança de por ele ver entrar um Egas ou um Poupas para nos ensinar quanto é cinco vezes três.

A Rua Sésamo foi a escola dos muitos que nasceram ali entre o início e o final dos anos 80. Se não viram na televisão, faziam a coleção dos livros de capa dura ou das revistas que a "TV Guia" lançou na altura. Para não falar das cadernetas de cromos, das cassetes VHS e até de discos com as músicas mais conhecidas. E por falar em músicas, foi com elas que aprendemos  quão bom é ginasticar, que sopa é boa ao almoço e ao jantar e, se for caso disso, o quão orgulhosos ficamos em sermos vacas.

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Já que a semana pede um regresso ao passado, fizemos um apanhado de tudo o que aprendemos com a Rua Sésamo. E não foi só a juntar dois mais dois.

1. Aceitar-me como sou

Se sou baixinho, tenho orgulho. Se sou demasiado magro, tenho orgulho. Se sou uma vaca, tenho orgulho também.

"Podia ter sido um morcego, um ganso, um macaco ou uma rena", começa por lembrar Glória, "ou uma borboleta, elas são bonitas" Mas é uma vaca e mostra-se feliz com isso. De tal maneira que a música continua com a célebre frase que todos sabemos de cor. Todos juntos, agora:  "Tenho orgulho orgulho em ser uma vaca".

Os argumentos são fortes: tem uma pele suave, dá leite, os olhos são doces e sonhadores e a manteiga que dá é cremosa. Porra, posso ser uma vaca também?

2. Que sopa é uma refeição mesmo versátil

Primeiro, diz a música, pode ser comida ao almoço e ao jantar. Depois, vejam-me só as variedades que o rapazinho de cabelo amarelo enumera: sopa de espinafres, de cenoura, de feijão, de tomate, de cebola, de agrião, de massinhas, de letrinhas, de lentilhas, de grão, galinha e de camarão. Estou convencida.

3. Mexer o corpo faz mesmo bem

Ginástica é uma palavra mesmo anos 90 não é? Pelo menos a mim remete-me sempre para a imagem da Jane Fonda com collants e caneleiras incríveis. É isso ou para a Rua Sésamo, a mente tem destas dualidades.

O programa de televisão é o responsável pelo facto de a palavra "ginasticar" passar a ser aceite como normal. Afinal, "dá mais força ao coração", dizem os bonecos aos saltos.

Eles mandam rodar de um lado para o outro e tocar com as mãos nos pés. Mas eles são bonecos articulados, nós fazemos o que podemos.

4. O alfabeto

Ao rever este vídeo, com a distância de quase trinta anos, percebo que o mais intrigante é o facto de terem mantido o nome original do boneco. A mãe chama-o para cantar: "Roosevelt Franklin". Assim, pelos dois nomes. E, de repente, todas as paulas, ricardos e cristinas dos anos 80 aprendem que há a possibilidade de alguém se chamar Roosevelt Franklin.

Mas voltemos ao alfabeto. "O que é que vem depois do B?", pergunta a mãe. "Toda a gente sabe que é a letra C", canta Roosevelt, numa cantiga trauteada até ao Z. Até lá, é sempre bom recordar que o W era um duplo V e que o Y era um I grego. Ai este Portugal sem estrangeirismos.

5. Valorizar o que sinto

O boneco abre a boca e de lá sai a voz de José Raposo. É um pouco perturbador, mas o que interessa é o conteúdo.

Esta personagem de pele verde e cabelo laranja lembra que uma mãe ensina-te a atravessar a estrada e abotoar os botões, mas não te ensina a sentir. Lembra também que não abraço melhor do que o do amigo. Mas, no fundo, nada disso te vai ajudar a perceber o que sentes. "Mais ninguém te vai dizer, tu tens que te conhecer". Foi profundo, mas não o suficiente para evitar algumas dores de crescimento nas décadas seguintes.

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6. A matemática pode ser fixe

O Conde de Contar estava para uma criança dos anos 90 como o Gandia está para os adultos fãs de "A Casa de Papel". Ninguém o quer encontrar sozinho à noite.

Não era a personagem mais simpática da história mas, vá lá, ensinava matemática, não podia ser um bicho querido. Ainda assim, usava material divertido. Neste vídeo, por exemplo, enumera coisas assustadoras: uma casa assombrada, dois fantasmas, três aranhas, quatro teias, cinco escadarias a ranger, e por aí fora. "Tenho tudo em conta e é o que conta quando conto um conto". Poesia, portanto.

7. A trovoada não é assustadora

Tentem ver este vídeo sem rir. Eu não consegui. O Egas é só a personagem mais hilariante da Rua Sésamo, seja para a minha criança de seis anos ou para a adulta de mais de trinta.

Acorda a meio da noite com medo da trovoada mas consegue virar o jogo e fingir que os relâmpagos são fotografias tiradas pela Guiomar. Tudo isto para que o Becas, que só queria dormir, não se assustar. Eu, que odeio chuva, estou mortinha pela próxima tempestade.

8. Afinal as cenouras fazem bem é aos dentes

O Gualter é aquela personagem fácil de gostar. Meio tonto, mas tão querido que só apetece pôr no colo e dar beijinhos. Neste episódio gravado para ensinar a tratar dos dentes chama pente à escova de dentes, não sabe que um médico dos dentes se chama dentista e garante que as bananas fazem bem aos dentes. O Cocas interrompe-o e troca-lhe a fruta pelos vegetais. É que afinal as cenouras, por serem crocantes, é que são boas para a dentição. Estamos a falar de um sapo com dentes ok?

9. A pesca pode não ser uma seca

Horas e horas num barco à espera que um peixe morda um anzol não é passatempo que me estimule por aí além. A não ser que no meu barco vá o Egas — já tinha dito que é o meu preferido, não é?

Sem cana, nem minhoca, Egas garante que se chamar os peixes bem alto, eles entram no barco. E vai daí que nasce a expressão "peixe, peixe, peixe" que todos nós recordamos. Será que agora, em quarentena, se formos à janela eles nos entram em casa? Eu pago por MBWay.

10. A banana é uma metáfora para a vida

Estas bananas estão maquilhadas e têm olhos e roupas sensuais. Cantam e dançam como se estivessem no Hawai, mas podiam estar em qualquer lado. No fundo, são uma metáfora para a vida.

"Nunca verás uma banana só", diz a letra. E, se pensarmos bem, "nunca uma banana sozinha cresceu", continua. Eu até mudava o #VaiFicarTudoBem para um #SomosTodosUmCachoDeBananas.