Para cada grande produção como “A Guerra dos Tronos”, há cinco ou mais séries que passam despercebidas e que não são conhecidas ao ponto de se tornarem assunto de conversa em jantares de amigos. “The Americans”, terminado em 2018 e considerado pela crítica como um dos melhores (e mais desconhecidos) títulos dos últimos anos, é só um exemplo.

Todas as semanas, a MAGG traz-lhe uma sugestão imperdível na nova rubrica “A série que ninguém está a ver”, com o objetivo de dar a conhecer algumas das produções com menos visibilidade — mas que merecem tantos ou mais elogios como outras populares. Depois de “Line of Duty”, a nova sugestão é "Gomorra", a série que agora faz parte do catálogo da HBO Portugal e que mostra os segredos mais obscuros da máfia italiana.

Estávamos em meados de 2006 quando a vida de Roberto Saviano mudou por completo. O escritor, agora com 40 anos, passou grande parte da sua vida adulta a estudar a Camorra — que é o nome dado as organizações criminosas que compõem toda a máfia italiana desde o século XVII. Essas investigações deram origem a um livro publicado em 2006, numa altura em que Saviano tinha 26 anos, que em pouco tempo se revelou um sucesso de vendas.

Poucos meses após o lançamento em Itália, "Gomorrah" vendeu milhares de cópias e foi traduzido para 51 línguas. Não havia voltar a dar: os segredos da máfia — e a forma como operavam e dominavam discussões políticas e sociais de todo o país —, tinham sido expostos. Em resposta, a máfia jurou-lhe vingança e não é sabido costume de não cumprir.

Roberto Saviano tornou-se numa celebridade e isso obrigou-o a viver em clausura, sob escolta policial constante e entre trocas regulares de casa na tentativa de se proteger ao máximo das ameaças de que tinha sido alvo por parte do submundo do crime italiano.

Num texto escrito na primeira pessoa e publicado no jornal britânico “The Guardian”, em 2015, o escritor contou como era a sua nova vida em constante movimento e quase sempre isolado do resto do mundo. "Esta vida é uma merda, mas é muito difícil descrever o quão má se tornou. Existo apenas dentro de quatro paredes em que o risco é a morte."

E continua: "Depois de oito anos a viver sob grande policiamento armado, as ameaças contra a minha vida já não chegam às notícias. O meu nome está tão frequentemente associado a termos como morte e homicídio que já nem sequer tem impacto na opinião pública. Após todos estes anos sob proteção do Estado, quase que me sinto culpado por ainda estar vivo."

Tal como o livro de não-ficção, a série passa-se toda em Nápoles, e apresenta um retrato real, duro e violento da crueldade da máfia na região — onde a luta pelo poder, aliado à desigualdade de classes, opõe organizações criminosas que pintam as ruas com o sangue dos inocentes que são sempre apanhados na linha do fogo cruzado.

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Com quatro temporadas já lançadas, e com uma quinta que deverá estrear-se já no verão, a série é já uma das mais elogiadas da crítica internacional e uma das mais controversas da Itália, tendo já sido denunciada por vários líderes políticos e ativistas anti-máfia.

Giuseppe Borreli, um dos magistrados envolvidos na denúncia das operações criminosas da Camorra, já fez saber que "a série falha em pintar um cenário realista da forma como a máfia opera atualmente em Nápoles. Já Federico Cafiero de Raho, do Ministério Público italiano, defende que a série tem um problema de base que é a de "humanizar os criminosos" e "torná-los empáticos".

"Gomorra" é para todos os fãs de filmes e séries que retratem a forma como a máfia opera, mas é uma série muito diferente em ritmo e estrutura quando comparada com as produções americanas.

Aqui é preciso estar-se atento a todos os pormenores, precisamente porque não há, ao longo dos episódios, recaps ou pequenas menções a acontecimentos anteriores para ajudar quem esteve mais desatento durante a história.

E ainda que em "Gomorra" não haja heróis ou personagens boas que mereçam compaixão, deixamos um conselho: não se apegue demasiado a nenhuma das figuras, sejam elas protagonistas ou não. O mais certo é vir a arrepender-se.