Desde 1989 que "Os Simpsons", a série animada mais conhecida da televisão, dá que falar. Ora porque faz uso de um tipo de humor irreverente para a sátira ou crítica social, ou porque consegue prever acontecimentos que se vêm a concretizar anos depois. Foi assim com a eleição de Donald Trump em 2016, ou com a vitória dos EUA no curling, em fevereiro, nos Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang. Mas agora a série está novamente no centro da discussão online — e não é pelas melhores razões.
Tudo começou com o lançamento, em novembro de 2017, do documentário "The Problem With Apu" onde o comediante Hari Kondabolu propôs desconstruir Apu (Hank Azaria). A ideia passava por demonstrar como a personagem perpetuava estereótipos contra a população vinda do sul da Ásia.
"Não conseguia mais ignorar a voz ridícula e irrealista da personagem, as piadas que eram constantemente recicladas e que de engraçado nada tinham, ou todo o contexto em que Apu se inseria", revelou o comediante à revista "Esquire".
Durante as filmagens do documentário, Kondabolu tentou por diversas vezes contactar o ator que empresta a voz a Apu, embora sem sucesso. A reação oficial da equipa responsável pela série animada ao documentário demorou cinco meses a chegar, com a estreia a 8 de abril, do 15.º episódio —"No Good Read Goes Unpunished" — da nova temporada de "Os Simpsons".
Num dos momentos do episódio, Lisa (Yeardley Smith) e Marge (Julie Kavner) leem juntas um dos livros mais marcantes da adolescência de Marge. É durante a leitura que esta se apercebe que o livro é profundamente racista e procura reconciliar-se com a problemática de adorar uma obra literária que, à luz do contexto social atual, é considerada errada por transmitir ideias assentes no preconceito e na propagação do ódio.
"Uma coisa que foi escrita há décadas e que antes era aplaudida e vista como inofensiva, hoje já é considerada politicamente incorreta. Que podemos fazer?", pergunta Lisa à mãe. Marge responde que certos assuntos só chegam a ser abordados muitos anos depois. "Se é que alguma vez o são", remata Lisa.
Durante o diálogo, a câmara trata de focar a fotografia de Apu colocada ao lado da cama de Lisa e que na descrição conta com uma simples frase: "Não tenham uma vaca. Apu."
Nas redes sociais foram muitos os fãs que demonstraram o seu desagrado pela forma como a série decidiu reagir ao documentário do comediante. Uns garantem que os responsáveis por uma das séries mais influentes de sempre deveriam assumir outro tipo de atitude que fosse ao encontro dos temas que procuram satirizar nos seus episódios. Outros, porém, acreditam que todas as personagens foram construídas com base em estereótipos — e que é isso que lhes dá graça.
Hari Kondabolu já reagiu na sua conta oficial do Twitter, e critica os produtores da série não só por fugirem de um debate importante, mas também por não darem a devida importância ao seu documentário e à temática que procurou levantar.
"No meu documentário, usei a personagem Apu de 'Os Simpsons' como ponto de partida para um diálogo importante sobre a representação de grupos marginalizados nos media. A resposta da série não é um ataque ao que realizei, mas sim ao que muitos de nós entendemos como progresso."
Hank Aziria, o ator que dá voz a Apu, defende que nos 30 anos de emissão de "Os Simpsons" a série usou o humor para satirizar todas as pessoas das mais variadas classes. "Desde republicanos, cidadãos brasileiros, presidentes e diretores de escolas secundárias — brincámos com tudo", e diz que já faz parte do ADN da série e que nunca sentiram necessidade de "pedir desculpa por isso."