Anunciado como a grande aposta da TVI para as noites de domingo — tanto que até empurrou as galas do "Big Brother" para sábado, algo inédito no reality show —, "All Together Now" chegou este domingo, 7 de março, à antena da estação de Queluz de Baixo. Para além de um formato megalómano, ou não contasse com um painel de 100 jurados, o programa de talentos marcou também o regresso de Cristina Ferreira ao horário nobre.

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E os adjetivos não foram poupados ao longo das várias semanas de promoção do formato. "Maior produção de sempre", "maior palco do País", "maior espetáculo de talentos do mundo". Mas, meus amigos, maior não quer obrigatoriamente dizer melhor, e as quase duas horas de "All Together Now", com uma centena de jurados, e muita pompa e circunstância, só me fizeram lembrar da velha máxima "menos é mais", e ter umas saudades danadas de um programa bem mais pequeno em tamanho, mas claramente maior em talento — falo do "The Voice Portugal", claro está.

As comparações estão na cara: ambos os formatos são apostas de domingo à noite, ambos se centram na música, ambos têm jurados famosos e pesos pesados da apresentação. Mas se no "The Voice" os concorrentes e o talento dos mesmos são claramente o mais importante — e bem que eles precisam de dar tudo por tudo para virar cadeiras —, o "All Together Now" parece um fogo de vista, com muita purpurina e brilho, onde há muita gritaria, dança e elogios, mas fica a faltar o mais importante: a música que nos arrepia os pelos do braço, tal e qual quando Fernando Daniel começou a entoar os primeiros acordes de "When We Were Young" naquela prova cega.

Os concorrentes foram 10. Atuações memoráveis? Houve poucas

Mas vamos primeiro perceber o que precisam os concorrentes para vingar no programa da TVI. Perante o painel de jurados, é permitido aos participantes fazer uma pequena apresentação, para depois cantarem o tema escolhido por si. E é aqui que eu tenho o problema número um com o formato.

Para além de ser perfeitamente possível escolher logo alguém apenas e só pela aparência — ou não fossem as pernas da primeira concorrente muito elogiadas ainda antes de se falar sobre a atuação—, os participantes também podem contar algo que lhes faça merecer a simpatia dos jurados mesmo antes de abrirem a boca.

Por exemplo, o concorrente João Artur Santos, que assassinou o tema "Maravilhoso Coração" de Marco Paulo, ganhou (e bem) logo um grande aplauso ao anunciar que era enfermeiro.

Azeitices à parte, depois de dizer que queria "cuidar da alma" dos jurados cantando, queremos mesmo acreditar que boa parte dos seus 56 votos não foram de simpatia pelo momento difícil e desafiante que todos os enfermeiros atravessam no País? Pois.

Cristina sobre "All Together Now". "Não mudei uma vírgula porque do outro lado ia ter o Ljubomir"
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Bom, mas continuando. Depois da tal apresentação e de os participantes começarem a cantar, os jurados podem começar a votar, carregando no botão da sua cabine, após 30 segundos da atuação. No final contam-se os votos e o limite mínimo para aceder às três cadeiras que podem dar acesso às semifinais é calculado pela pessoa com a votação mais baixa que já está sentada nesse lugares.

Ou seja, a bitola é estabelecida pelo primeiro concorrente que, no caso da estreia, dificultou a coisa ao conseguir uma votação de 90. Patrícia Palhares encantou os jurados e também a mim com uma voz incrível, e por momentos pensei que até podia esquecer o pout-pourri de cor e luz que se passava no Altice Arena e focar-me só no talento para a música dos concorrentes daí para a frente. Mas Patrícia foi praticamente a única coisa boa que por ali passou — e a única que virava as cadeiras do "The Voice", na minha modesta opinião.

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Patrícia Palhares foi a primeira concorrente a atuar e transitou para as semi-finais créditos: TVI

A seguir a Patrícia, as restantes cadeiras foram ocupadas por Kheira e pela girlsband Staff ,mas a banda do Porto não aqueceu o lugar e com apenas 69 votos, rapidamente teve de o ceder a Joana Nunes.

As cadeiras permaneceram sem alterações com atuações de concertinas, duplas ao piano e até um assassinato de "Lisboa Menina e Moça" numa versão que nem consigo descrever, e só quando a cantora lírica Natallya conquistou 98 votos e foi diretamente para o primeiro lugar, o mais seguro de todos, é que Kheira abandonou o formato.

Com Natallya segura e a transitar diretamente para as semifinais, Joana Nunes e Patrícia Palhares defrontaram-se num duelo final pelo outro passaporte para continuar no programa: mas o melhor de Joana — que interpretou "Simply the Best" de Tina Turner — não foi suficiente para ultrapassar a atuação memorável de Patrícia, que encarnou uma Lady Gaga com "Always Remember Us This Way", e arrecadou 91 votos.

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Patrícia e Natalya seguem para as semi-finais. créditos: TVI

"All Together Now" vive no seu universo paralelo, com um painel de famosos pouco conhecidos e sem COVID-19

100 jurados é muita coisa, e óbvio que se entende que a produção do programa de talentos não conseguisse reunir num só lugar apenas pesos pesados do mundo das artes, moda, televisão, e muito mais. Mas para um programa que tanto chamou a atenção para um painel de ilustres, confesso que esperava reconhecer mais rostos.

Ok, temos um Pedro Teixeira, uma Rita Pereira, uma Fernanda Serrano e Gisela João, capitã do júri. Também voltamos aos anos 2000 e vamos ao limite com duas das Nonstop, reconhecemos Vera Fernandes na cabine da Rádio Comercial, o cantor Ricardo Soler e o chef (giro que dói, e com uma mão incrível para o escabeche de pato) Carlos Afonso, o responsável do restaurante Frade, que tem marcado presença nos programas da TVI. Ainda reconhecemos Eduardo Madeira, Rosinha e Alexandra, mas ficamos um bocadinho por aí.

Há um senhor padre — a quem Gisela João elogiou, e cito, "a peitaça" —, uma influenciadora sénior e até Delfim Miranda. Quem? Tributo a Michael Jackson, diz o oráculo do programa. Mas além de muitos destes jurados me escaparem, tenho outro problema: será que são as pessoas mais indicadas para julgar o talento para a música?

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A fadista Gisela João é a capitã do júri. créditos: TVI

Foi dito logo de início que este painel podia julgar "não só com conhecimento de causa, mas com o coração" também. Giro, mas ou bem que estamos ali para avaliar talento para música, ou passos de dança dignos de uma noite bem bebida no Jamaica e histórias tristes do "Ponto de Encontro".

E as pessoas, filhos, as pessoas. Tanta gente junta dá-me urticária. Sim, já todos sabemos que o programa decorreu na maior das seguranças, que todos os participantes, jurados e elementos da produção quase não têm nariz de tanta zaragatoa, mas onde é que fica o exemplo? Sem uma máscara à vista e com concorrentes que não se conhecem de lado nenhum a agarrarem-se sem problemas quando grande parte dos portugueses não sabe o que é sentir o abraço dos pais há meses, é só de lamentar este à vontade no meio de uma pandemia — e muito parvo, por sinal.

Cristina Ferreira pode ser o chamariz do programa, mas perde-se no formato

À exceção do vestido de alta costura e daqueles primeiros segundos a entoar Queen, a verdade é que não se deu muito mais por Cristina Ferreira. E a culpa não é propriamente da apresentadora, que nem tem hipótese de encontrar propriamente um estilo —ok, é igual a si própria a brincar com os jurados —ou criar uma química com os concorrentes num formato que a engole com tanta coisa a acontecer.

E esse é outro dos problemas do "All Together Now": no meio da megalomania de querer ser maior em tudo, as interpretações passam para segundo plano, é dado demasiado destaque aos jurados e o programa termina com os espectadores a terem dificuldades em recordar as atuações, mas a não conseguirem esquecer o momento em que Rosinha foi pegar na "gaita" do senhor da concertina ou quando Gisela João elogiou a "peitaça" do senhor padre — sim, fiquei claramente retida aqui.

E claro, falta muito talento. Falta música portuguesa, falta alma, faltam atuações verdadeiramente arrebatadoras. Sei que ainda agora começou, mas já só me apetece dizer: Catarina e Vasco, podem trazer convosco os mentores, e mostrar aos senhores como é que se faz? Vá lá, prometo que nunca mais chamo lamechas ao vosso programa.