A promoção foi boa, o elenco é bom, a história parecia ter a dose certa de sal e pimenta, por isso, a expetativa para a estreia de “Prisioneira”, a nova novela da TVI, era elevada. Mas o que é que correu bem e o que é correu mal neste primeiro episódio? Muitas coisas. Vamos lá então começar por coisas mais ou menos parvas, sem sentido ou mal feitas. O ideal é deixarmos umas perguntas no ar.
Coisas que não correram lá muito bem
A cena de abertura, ou porque é que aquela cidade árabe parece a Cova da Moura?
A novela abre com uma cena passada numa cidade árabe do norte de África, Al Aradi, onde uma assistente aérea portuguesa, Teresa Cunha (Joana Ribeiro), é apanhada no meio de uma manifestação. Entre os protestantes, há um rapaz com bom ar que lhe prende o olhar, Omar Maluf (Carloto Cotta).
Para uma cena de abertura de novela, que deve ser impactante, marcante, onde deve haver um esforço evidente de produção para que haja ali qualquer coisa Hollywoodesca, o resultado é muito pobre. Há uns planos de drone, tudo bem, mas pouco mais. A manifestação parece mais um daqueles protestos à porta de uma fábrica, em que meia dúzia de pessoas reclamam por aumentos salariais, não tem nada de grandioso, relevante. Também não se percebe muito bem o porquê do fascínio de Teresa por Omar. Ela vê-o a passar ao longe, enrolado num daqueles lenços palestinianos, e não há nada que explique a atração imediata. Pessoas bonitas vemos nós todos os dias, e não é por isso que nos apaixonamos. Faltou ali algo mais, um motivo válido, uma conversa, uma atitude tomada por ele que justificasse a atração que fosse para lá do físico. Mas adiante.
O cenário. É verdade que a produção andou a filmar na Tunísia, e acredito que aquela cena até tenha sido filmada por lá, mas a verdade é que o resultado final não transparece isso. Os planos demasiado fechados, a arquitetura dos prédios, e a envolvente fizeram lembrar mais um bairro social em Portugal do que uma rua do norte de África. Em televisão, não importa o que é, importa o que parece, e Al Aradi não parece uma cidade árabe, parece a Cova da Moura.
Porque é que os árabes falam todos português correto?
Continuando aqui neste universo árabe, outra coisa que ninguém percebeu: porque raio é que os árabes, com nomes árabes, que vivem num país árabe e lutam por causas árabes, falam todos português correto? É uma família portuguesa que foi viver para Al Aradi? Não, pelo menos ninguém disse isso no primeiro episódio. É só aquela lógica de assumirmos que falamos todos a mesma língua no mundo? Deve ser, mas se é, é muito parvo e não resulta. Uma coisa é contar-se uma história árabe, em que os árabes falam todos português, OK, faz-se muito em Hollywood (mas em inglês), agora o que não faz sentido é misturarem-se várias nacionalidades diferentes e todos falarem a mesma língua. Não resulta, é inverosímil.
Porque é que os irmãos levam capacete e mota para o aeroporto?
Numa outra cena na novela, Tomé (Tiago Teotónio Pereira) e Gonçalo (Eduardo Breda), dois irmãos de uma família rica (os Andrade e Sousa), vão fazer uma viagem de avião para Chicago. Dizem à mãe, Graça (Sandra Faleiro), que vão mais cedo para o aeroporto, para não perderem o voo, e a mãe concorda e despede-se deles. Os rapazes agarram nos capacetes, metem-se na mota e saem, não rumo ao aeroporto, mas a um bairro social, onde um deles vai pagar uma dívida de droga. Ao vermos isto, a primeira pergunta é: mas se eles vão para o aeroporto, se vão viajar, porque é que vão de mota para o aeroporto? Onde é que a vão deixar? Vão levar os capacetes com eles? Quem é que faz isto? Ninguém.
Claro que depois a cena seguinte explica isso. Eles levam a mota, porque deu jeito que os bandidos a quem Gonçalo devia dinheiro lhe confiscassem a mota, porque isso vai ter impacto mais à frente. Uma das regras básicas dos argumentos é a de que não devemos forçar situações só porque dá jeito, e fazer isso num primeiro episódio não é lá muito interessante.
Porque é que escolheram uma atriz de 42 anos para fazer de mãe de uma de 27?
A expressão “erro de casting” nasceu e vulgarizou-se porque é normal vermos muitos peixes fora de água, dentro e fora da ficção. Aqui, o erro de casting não tem que ver com a falta de qualidade ou empatia das atrizes, tem unicamente a ver com verosimilhança. Escolher Joana Seixas, que tem 42 anos (mas parece ter 35) para fazer de mãe de Joana Ribeiro, que tem 27 (e parece ter 27) não parece nada credível. Irmãs, tudo bem, mãe e filha é só esquisito.
Porque é que fizeram um manequim challenge no final?
E aquela cena final? Quem é que se terá lembrado de que um manequim challenge para fechar o episódio era uma boa ideia? Para quem não viu, basicamente há uma explosão e, no momento em que tudo está a ir pelos ares, a câmara para. Há estilhaços de vidro no ar a flutuar e pessoas a fazer de estátua em posições esquisitas e pouco naturais. Acredito que o objetivo fosse o de dar o tal ar Hollywoodesco que ficam sempre bem a abrir e a fechar um primeiro episódio, mas o resultado final é só anedótico. Não resultou, de todo. Mas valeu a tentativa.
Coisas que funcionaram bem
Kelly Bailey
Não é propriamente uma surpresa, mas a atriz está num nível altíssimo, bastante superior ao de vários colegas neste projeto. Não precisou de muitos minutos de cena para mostrar que, aos 21 anos, é já um dos grandes talentos da representação televisiva em Portugal. A sua personagem, Glória Cunha, tem tudo para ser das mais interessantes da trama, já que, julgando pelo apelido, deverá ser irmã de Teresa Cunha (Joana Ribeiro), ou seja, filha de boas famílias que, provavelmente, terá ido atrás de um amor improvável junto de um mecânico/gangster, Fredy Cruz (Lourenço Ortigão).
Tema do terrorismo
Os criadores de novelas já têm de dar muitas voltas para encontrarem temas que não tenham sido muito explorados neste tipo de formato, e o terrorismo pode ser uma boa ideia. Pela extensão do elenco, e a quantidade de personagens árabes (Omar, Leila, Fátima, Samira, Bashir), é provável que o tema seja transversal a toda a trama, e não se perca ao fim de meia dúzia de episódios.
Talvez o terrorismo ligado ao extremismo árabe não seja o mais próximo da realidade portuguesa, e é possível que algo como um terrorismo mais urbano, mais de causas sociais nossas, desse um conflito mais credível, mas vamos esperar para ver se o caminho escolhido faz sentido e resulta em boas tramas televisivas.
Diogo Infante e a reinserção social
Tal como Kelly Bailey, não precisou de muito tempo de antena para brilhar. Faz de Vítor Cunha, pai de Teresa Cunha (Joana Ribeiro) e começa a novela preso, a poucos dias de sair em liberdade condicional. Pode ser interessante explorar questões como a da reinserção social, as dificuldades de alguém que sai da cadeia e volta à vida ativa, e Diogo Infante tem tudo para saber dar corpo a essa causa, com uma personagem que pode vir a ser muito forte. Vamos ver para onde é levada e que caminhos são explorados.
Qualidade geral dos atores
De ano para ano, vemos que a qualidade das interpretações dos atores portugueses vai subindo. Se há dez anos, metade dos elencos das novelas era muito pobre, com atores com pouca rotina, pouca experiência televisiva e interpretações bastante fracas, hoje em dia a realidade mudou. A grande maioria dos atores já convence, já sabe vestir uma personagem, já entende a linguagem televisiva, e isso tem necessariamente grande impacto na qualidade geral do produto final.
Pena que em termos de produção esse caminho não seja paralelo. Sente-se que hoje, talvez devido aos cortes sucessivos nos orçamentos das televisões, há um investimento menor na produção, há menos planos de exteriores, menos cenas grandiosas, mais cuidados nos custos, e isso reflete-se, claro, naquilo que vemos em casa. E se isto já se sente no primeiro episódio, em que normalmente o investimento é muito maior, teme-se que com o avançar da história a tendência seja a de enclausurar ainda mais a novela em decórs interiores, o que terá um impacto negativo na perceção da história.