"Tem de me prometer que só publica essas fotografias quando o filme estrear!". Os avisos de Jean Pierre Borg, responsável da Malta Film Comission, são para ser levados a sério.
Quando visitámos a ilha eleita por Ridley Scott para voltar recriar a Roma imperial do século III, em setembro passado, pouco ou nada se sabia sobre "Gladiador II". Já era público que a mega-produção cinematográfica tinha passado por Marrocos e Malta, locais onde, de resto, o realizador britânico já tinha realizado as cenas mais marcantes do primeiro "Gladiador", em 2000.
À exceção de um evento que aconteceu em janeiro passado, o Forte Ricasoli, infraestrutura detida pelo governo maltês e usada pela Malta Film Comission, está fechado ao público. Só é possível visitar esta fortificação do século XVI com autorização da entidade, algo que a MAGG teve o privilégio de fazer, semanas antes da estreia de "Gladiador II".
Guiados por Jean Pierre, passamos os portões do forte, que foi um ponto estratégico durante as invasões napoleónicas, esteve sob o domínio britânico e, após a independência de Malta, esteve ao abandono, foi um parque industrial até, em meados dos anos 90, ter começado a ser usado como espaço para filmagens, sob gestão do governo maltês.
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A gravilha empoeirada que cobre o chão transporta-nos de imediato para o clássico de 2000 realizado por Ridley Scott. E é impossível não ver ali Maximus, ajoelhado, a segurar um punhado de terra nas mãos. Quando visitámos o Forte Ricasoli, a parte que foi construída para recriar o Coliseu de Roma já tinha sido desmantelada, após sete meses de filmagens. Mas ainda restavam algumas estruturas, colunas, arcos, uma estátua em tamanho real do imperador Marco Aurélio.
Antes de entrarmos para o interior da fortificação, onde vivemos o momento mais arrepiante desta visita, olhamos para o horizonte. O mar, a costa maltesa, os tons ocres das edificações, o facto de esta ilha, pelas suas cores e vegetação poderem parecer qualquer país do sul da Europa, do norte de África ou até do Médio Oriente, tornam-na perfeita para servir de tela em branco para praticamente qualquer filme que se passe num destes territórios.
E é por essa razão que, aqui, já foram rodados filmes de época como "A Ilha das Cabeças Cortadas", "Tróia", "Ágora" e "Napoleão" (também de Ridley Scott) ou "Assassin's Creed", adaptação a cinema do videojogo homónimo. Sem esquecer a saga "Guerra dos Tronos", cuja primeira temporada foi gravada nas ilhas de Malta e Gozo, e que usou partes do forte para recriar o Red Keep. Da qual ainda resta no Forte Ricasoli esta mesa (entendedores entenderão).
Assim que entramos no que aparenta ser um gigante armazém, vislumbramos a estrutura de madeira que qualquer fã de "Gladiador" irá reconhecer. Tratam-se das catacumbas onde ficam os gladiadores ficam antes de entrarem na arena do coliseu.
Cada recanto deste enorme estúdio, que combina estruturas verdadeiras com pedra falsa, murais romanos pintados no século XXI, madeira nova, envelhecida para parecer do século III e outros truques fascinantes da Sétima Arte, parece saído de algum filme ou série que já vimos. Mas nada nos podia preparar para a visão daquela rampa (ou, melhor, daquelas duas rampas).
Nos dois filmes da saga "Gladiador", existem cenas similares: tanto Maximus (Russell Crowe) como o seu filho, Lucius Verus, percorrem uma rampa que dá acesso à arena do Coliseu. Em 2023, Ridley Scott optou por uma rampa semelhante (mas não a mesma), para filmar a entrada de Lucius (Paul Mescal) para o derradeiro combate.
Apesar da grandiosidade de todos os elementos cénicos, que recriam de forma assombrosa a arquitetura daquela época do Império Romano, o momento mais simbólico desta visita proporcionada pela Malta Film Comission foi um recanto de pedra onde estava gravado em pedra 'Maximus'. Jean Pierre avisou-nos que aquela reentrância teria uma importância fulcral no filme, o que só perceberíamos quase dois meses depois, após vermos "Gladiador II".
Um dos diálogos mais marcantes de "Gladiador II" acontece quando Lucius Verus está num banho romano, a descansar depois de um combate, e é confrontado por Macrinus (Denzel Washington). Esta estrutura em pedra, típica dos banhos romanos, foi construída de raiz para a filmagem de apenas uma cena (e com o detalhe de, na parede, estarem pinturas de cenas do quotidiano romano, tal como se encontraria há 2000 anos).
De acordo com o "The Hollywood Reporter", o orçamento da produção da Paramount Pictures ultrapassou em larga escala o previsto. A publicação noticiava, em fevereiro passado, que "Gladiador II" teria custado 310 milhões de dólares (291 milhões de euros), quase o dobro do valor inicialmente calculado. Com atrasos devido à greve dos guionistas, as filmagens terminaram em janeiro de 2024.
Uma parte desse dinheiro será devolvido à Paramount Studios pelo governo maltês, uma vez que existe na ilha uma política de incentivo à produção cinematográfica e televisiva. A política, que se chama "40% chash rebate", determina que 40% do investimento feito na ilha durante filmagens ou gravações seja devolvido.
Esta medida, que tem o apoio da Comissão Europeia e permite que o governo maltês devolva, por ano, o tecto máximo de 100 milhões de euros a produções cinematográficas e 10 milhões de euros a produções televisivas, torna este pequeno país da União Europeia um paraíso para estúdios de cinema e produtoras de televisão.
"Gladiador II" chegou às salas de cinema portuguesas esta quinta-feira, 14 de novembro.
* Reportagem realizada a convite do Turismo de Malta e da Malta Film Comission