Atenção: este texto contém spoilers sobre "Gladiador II", que chega às salas de cinema portuguesas a 14 de novembro.
24 anos depois do épico protagonizado por Russell Crowe, a sequela chega, finalmente, às salas de cinema. Após duas semanas de antestreias, que começaram a 30 de outubro em Sidney e terminam a 18 de novembro em Los Angeles, o filme estreia em Portugal na quinta-feira, 14 de novembro, uma semana antes de países como Estados Unidos, Canadá ou China.
A MAGG já viu "Gladiador II" e pode dar uma certeza aos puristas da saga realizada por Ridley Scott: é melhor, maior, mais sangrento e mais poderoso do que o primeiro. Mas igualmente emocionante e, podemos já adiantar, com uma banda sonora que inclui o trabalho de Hans Zimmer e Lisa Gerrard, nomeadamente "Now We Are Free", que marca o tom espiritual do primeiro "Gladiador" (e serve como desfecho de "Gladiador II").
Mas vamos à história.
Após a morte do imperador Commodus e de Maximus, o império romano atravessa uma fase conturbada. No poder estão dois coimperadores, os irmãos Geta (Joseph Quinn) e Caracalla (Fred Hechinger, que tem semelhanças assustadoras com Joaquim Phoenix, o imperador Commodus de "Gladiador"). Lucilla (Connie Nielsen, a única atriz do elenco original, a par de Derek Jacobi, que retorna no papel de senador Gracchus) mantém-se em Roma, e é agora casada com o general Marcus Acacius (Pedro Pascal), líder das tropas romanas que conquistam territórios no norte de África.
E é num desses territórios, Numidia (atual Argélia) que encontramos Hanno / Lucius Verus (Paul Mescal). O ator irlandês a quem coube a pesada tarefa de suceder a Russell Crowe interpreta o filho de Lucilla e Maximus (Russell Crowe). No primeiro filme, Ridley Scott já tinha dado a entender que Lucius era filho de Maximus, general romano muito próximo do imperador Marco Aurélio, pai de Lucilla.
Neste segundo filme, temos a confirmação dessa relação de sangue e também de que Lucius foi levado para longe de Roma para ser protegido dos conluios e tentativas de assassinato. Adotado por uma família local quando ainda criança, cresce como guerreiro e leva uma vida de relativa paz até que as tropas romanas chegam, comandadas por Marcus Acacius (Pedro Pascal) e conquistam aquele território, roubando-lhe o que de mais precioso tem.
Tal como Maximus, é feito prisioneiro e fica sob o controlo de Macrinus (Denzel Washington), um ex-escravo tornado empresário de gladiadores e que tem um plano de vingança relacionado com o poder de Roma. Hanno regressa a Roma e, tal como o seu pai, quer vingança do que perdeu. O seu alvo é o general Marcus Acacius, mas o reencontro com a mãe vai gerar uma reviravolta, não só nas dinâmicas de poder em Roma, mas também no filme.
"Gladiador II" pode ser dividido em duas partes, em termos de narrativa e o elemento crucial a essa mudança é a personagem interpretada por Denzel Washington. Sem desvendarmos demasiado sobre o papel que Macrinus tem na história, e de como difere drasticamente do de Proximo (Oliver Reed), o homem que, em "Gladiador", compra Maximus e o leva de volta para Roma, podemos adiantar que as intenções de Macrinus não são dinheiro, como inicialmente aparenta, mas sim poder. E vingança.
Veja o trailer
5 razões para ir ver "Gladiador II" ao cinema
1 - Roma, a grande protagonista
Em setembro, quando o primeiro trailer de "Gladiador II" foi divulgado, houve, além de uma enorme controvérsia relativamente à música usada para sonorizar as imagens ("No Church in the Wild" de Jay-Z e Kanye West, que não aparece no filme), muita expectativa criada em torno dos desempenhos de Paul Mescal e, em particular, Denzel Washington. No papel de Macrinus, Washington quase que eclipsa o restante elenco, e o protagonismo de Lucius na história é repartido por outras personagens, como os irmãos imperadores Caracalla e Geta.
No entanto, a capital do império, acaba por se impor e tornar-se a verdadeira protagonista de "Gladiador II". Seja o Coliseu de Roma, que foi parcialmente recriado no Forte Ricasoli, em Malta, seja nas imagens geradas por computador, que nos mostram como seria a capital do império no século III, desde as pontes às casas, passando por pormenores deliciosos como os ratos que se passeiam nas ruas ao olho de Hórus pintado nas galés romanas que atacam a costa da Numidia, todos estes elementos fazem com que aquela Roma que só conhecemos dos livros se sobreponha a qualquer uma das personagens. Porque elas só existem porque Roma existe.
2 - A banda sonora que homenageia o trabalho de Hans Zimmer
Se toda a história de Hanno / Lucius, a grandiosidade de como Roma é mostrada, nos deixa assoberbados de espanto, os momentos em que Harry Gregson-Williams, compositor da banda sonora de "Gladiador II", recupera algumas das músicas originais de "Gladiador", criadas por Hans Zimmer e Lisa Gerrard, e as coloca estrategicamente ao longo do filme, deixaram-nos emocionalmente de rastos. E não temos vergonha nenhuma de admitir que, quer na primeira cena em que Hanno surge, com as mãos dentro de uma tigela com grãos de trigo, quer a final, nos fizeram ir às lágrimas.
3 - As cenas de batalha e de combate
Galés com centenas de homens, escravos a puxar remos, arcos, espadas, escudos, muito sangue, muitos membros decepados. Centenas de figurantes nas cenas de batalha e pouco recurso a imagens geradas por computador fazem com que as batalhas e confrontos físicos do épico de Ridley Scott tenham não só grandiosidade como também veracidade. Mas é no Coliseu de Roma, que foi parcialmente construído em Malta, que as cenas em que os gladiadores combatem ganham especial impacto. Não há corridas de bigas, como em "Gladiador", mas há água a encher o palco do Coliseu, e animais selvagens a tentarem desfazer os homens de Macrinus em mil pedaços.
4 - O brilhante (mas pouco falado) desempenho de Fred Hechinger
Nas últimas duas semanas, a campanha promocional de "Gladiador II" tem apostado todas as fichas na cumplicidade entre Pedro Pascal (que se tornou, em 2022 e 2023, daddy da internet, graças ao seu papel na série da MAX "The Last of Us" e, também ao seu irresistível carisma e sentido de humor na vida real) e Paul Mescal.
Percebe-se porque é que tal acontece, uma vez que ambos são imensamente populares junto de uma faixa etária que é imprescindível conquistar para as salas de cinema, a geração Z. Mas deixou pouca margem de visibilidade para Fred Hechinger. O ator norte-americano de 24 anos dá vida ao imperador Caracalla e retrata de forma assombrosa este homenzinho inseguro, descompensado emocionalmente e que vive na sombra do irmão (até que deixa de viver porque, como reza a História, mandou limpar-lhe o sebo). E não é apenas o desempenho de Fred Hechinger que é impressionante. São também as assustadoras semelhanças físicas e de maneirismos com Joaquin Phoenix, que interpretou o imperador Commodus em "Gladiador".
5 - Os flashbacks
Pelos motivos óbvios (da história do filme e da História), nem Joaquin Phoenix nem Russell Crowe entram em "Gladiador II". Mas o uso de imagens do primeiro filme é feito de forma não só a dar coerência narrativa à história, servindo de apoio a quem não conhece o fio dos acontecimentos (ou não se lembra), mas também como recurso artístico no genérico inicial. Fãs incondicionais desta saga vão arrepiar-se quando virem Russell Crowe no grande ecrã. Prometemos.
O que podia ser melhor
1 - Pedro Pascal
A desilusão é real. Nós adoramos - não, nós amamos! - daddy Pedro Pascal, mas temos sérias dúvidas se o ator chileno-americano foi a melhor escolha para o papel do general Macrinus. Há uma bonomia em Pedro Pascal que nos impede de crer que seja um homem talhado no campo de batalha, um herói de guerra amado pelo povo de Roma, como é retrato em "Gladiador II".
E, não há forma suave de dizer isto, nota-se uma diferença abismal de preparação física entre Paul Mescal e Pedro Pascal. Enquanto Mescal está ágil e leve, mas não demasiado musculado (até nisto o filme acerta, resistindo à tentação de transformar o ator irlandês num monte de músculos), Pascal parece muito pouco preparado fisicamente para as cenas de confronto físico.
2 - A bicharada nos combates
Venatio era uma forma de entretenimento na Roma Antiga que consistia em colocar frente a frente gladiadores e animais selvagens. O leão era o favorito, mas podiam ser outros, desde ursos a tigres, passando por crocodilos. Em "Gladiador II", Ridley Scott vai um bocado longe de mais nesta vertente mais zoológica do trabalho dos gladiadores e coloca na arena uns seres assustadores que parecem um cruzamento de macaco com cão raivoso. Achámos grotesco e francamente desnecessário, embora percebamos o propósito do entretenimento. Já os tubarões assassinos num coliseu cheio de água... enfim.. só parvo mesmo.
Veredicto final
"What we do in life, echoes into eternity" ("O que fazemos na vida, ecoa na eternidade"), a frase proferida por Maximus e gravada em pedra nas catacumbas do Coliseu de Roma, as personagens dos coimperadores Caracalla e Geta, a caracterização, os rostos pintados, a cabeça coberta com perucas alaranjadas, os discursos inflamados e incoerentes, a insegurança e a necessidade de adulação; a crise que atravessa Roma e que, apesar de não ser historicamente factual com aqueles protagonistas, aconteceu mesmo e levou à queda do Império, transportam-nos para outras crises, outras quedas iminentes, outras lutas pelo poder. Mais atuais.
À luz de 2024, há duas formas de ver "Gladiador II" que, embora seja entretenimento, ensinou e ensina, ao longo de duas décadas, sobre ganância, vingança, honra e justiça. É possível ver este épico de Ridley Scott pelos olhos da História ou pelos olhos de Donald Trump. Como diria o cavaleiro guardião do Santo Graal em "Indiana Jones e a Grande Cruzada", "choose wisely".
Seja como for, vá ver "Gladiador II" ao cinema, que isto não é filme para adiar e, depois, ver em casa. Mesmo que tenha uma TV espectacular.