Esta é uma história com outras tantas histórias dentro. Podíamos falar só de Luís Baião que, aos 20 anos, começou a organizar viagens para Marrocos e para a Índia, quando Portugal não ia muito além de Benidorm. Ou por Daniela Ricardo que passou de enfermeira a guru da alimentação saudável. Voltaríamos a Luís para contar a história de como sobreviveu a um cancro quase fatal e ainda havia tempo para escrever sobre o facto de o mais recente livro de Daniela ter ganho o prémio de melhor do mundo na categoria de receitas caseiras fáceis.

Se cada um deles tem tanto para contar, imaginem quando se juntam estas forças num casamento de amor, claro, mas também de interesses (e fazemos questão de salientar o plural da palavra para não sermos mal interpretados). Os dois gostam de viajar, de comer bem, de viver em contacto com a natureza e de causar o menor impacto possível no ambiente. "Mas atenção", exclama Luís, "nunca nenhum de nós pode deixar de ser quem é. Eu não posso absorver as paixões da Daniela nem ela as minhas, podemos sim uni-las".

Prova disso é o facto de cada um ter um projeto em paralelo, ainda que complementares, que nos levam logo a pensar no filme "Comer, Orar e Amar".  Passemos então às apresentações.

Luís Baião é o fundador da ZenFamily, um projeto que oferece viagens fora da caixa ou "viagens com alma", como prefere que sejam designadas. Recusa a palavra retiro, porque está ligada a algo fechado quando as suas viagens são do mais dinâmico que há. "Quanto muito dá-se uma mudança interna de cada um, mas sempre em contacto com os outros", explica.

A ZenFamily viaja normalmente para destinos como Marrocos, Índia, Butão, Perú, Patagónia ou Nepal e consigo Luís leva facilitadores que oferecem experiências como ioga, meditação e a mais que inevitável comida saudável e consciente, cenário no qual Daniela assume o papel de protagonista.

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Já escreveu dois livros sobre comida quando nunca tinha sequer pensado fazer disto vida. Com 42 anos, foi enfermeira no IPO do Porto durante vinte e foi exatamente por lidar tantos anos com a doença que percebeu que o importante é trabalhar a saúde. "Agora fala-se muito de diagnóstico precoce, mas isso não chega. Se há um diagnóstico é porque já está lá um problema. O que eu quero é apostar na prevenção", refere.

Ainda como enfermeira, decidiu estudar shiatsu na esperança de dar conforto aos seus doentes. A partir daí seguiram-se cursos de ioga, macrobiótica, passou a ser vegetariana e, mais importante que isso, a ser uma vegetariana saudável. "Não é só deixar de comer carne e peixe, é saber como continuar a comer de forma equilibrada", salienta.

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Só que estudou tanto, leu tanto e cozinhou tanto que o conhecimento já era demasiado para ficar fechado a um grupo — privilegiado, acrescentamos nós — de amigos e família.

Escreveu o primeiro livro, o "Viagens da comida saudável", por querer trazer aos portugueses as receitas que ia conhecendo nas viagens que fazia com Luís, mas sempre adaptadas aos ingredientes que temos por cá. Já no segundo, "Cozinhar com amor", o tal que ganhou um Gourmand Cookbook Awards, um concurso que elege os melhores livros, revistas, programas televisivos ou blogues de culinária de cada ano, Daniela decidiu facilitar a vida a quem quer comer bem. "Estava cansada da desculpa da falta de tempo e então reuni uma série de receitas saudáveis e rápidas, que qualquer um pode fazer".

Fazer das viagens vida

Ainda que agora, aos 45 anos e com mais de 70 países visitados — muitos deles mais do que uma vez — Luís faça das viagens a sua vida, ainda se lembra bem quando era visto como "um marginal que não queria fazer nada na vida". Rapidamente passou a ser "o sortudo que não faz mais nada senão viajar", ironiza.

Na verdade, é isso mesmo que faz, numa vontade de conhecer sempre mais, o que, acredita, lhe vem desde a infância. "Com 12 anos já acordava de madrugada para ir vender na Feira da Ladra. Conhecia tanta gente que era a minha forma de viajar sem sair de Lisboa", conta. Pouco depois foi de autocarro até França e, aos 14, já era ele que planeava as viagens com amigos até ao Gerês.

Aos 20 começou a organizar viagens para fora, principalmente para Marrocos, ainda sem saber que estava prestes a ver nascer o projeto de uma vida, o Zen Family.

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Ao longo dos anos as viagens que começaram à aventura, dentro de um jipe e para meia dúzia de amigos "aos quais quase tinha que pagar para ter companhia", foram sofrendo alterações. Luís passou a disponibilizar viagens a sítios tão inacessíveis como o Butão, por exemplo. E agora, já não são só ir e pôr os pés em terreno estrangeiro. "Eu mudei e as viagens mudaram comigo".

Ao longo dos anos estudou macrobiótica, feng shui, astrologia e as viagens passaram a juntar estas componentes ao carimbo no passaporte.

Dois projetos, uma história

Ainda que já se conhecessem há mais de 15 anos, quando Daniela esteve à frente do Instituto Macrobiótico do Porto, esta história, que nos contam precisamente no Zimp, festival organizado pelo Instituto Macrobiótico Português, só recentemente passou a ser contada a dois e com contornos que em nada se assemelham à boa energia que emanam.

Em 2011, foi diagnosticado a Luís um cancro de nível IV na base da língua. Ainda que as violentas doses de quimioterapia e radioterapia tenham sido administradas no Brasil, Luís escolheu o Porto, cidade onde Daniela trabalhava, para tratar as consequências desses tratamentos, que acabaram por lhe destruir a cabeça dos fémures.

Enquanto esperava que as cicatrizes sarassem para poder pôr as duas próteses nas ancas, Luís propôs a Daniela que o ajudasse a recuperar mais rápido através da alimentação. "Ouvi dizer que ela cozinhava bem e pedi-lhe que me trouxesse a comida em marmitas de casa para o hospital".

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Foi aí que perceberam que essa ajuda passaria a entreajuda quando os dois juntassem as suas paixões para trabalharem em conjunto.

Atualmente, e já casados, é Daniela, através do seu projeto, a Biofamily, quem trata dos menus e das palestras sobre alimentação durante as viagens que Luís organiza. Divide ainda o tempo entre workshops, aulas e consultas de orientação alimentar, num dia-a-dia tão intenso que a obrigou a abandonar a enfermagem há cerca de um ano para se dedicar inteiramente a esses eventos. "E é aí que conto com o Luís, que trata da organização, da parte mais burocrática, enquanto eu faço aquilo que mais gosto: ensinar a comer de forma mais consciente", refere.

Os eventos que os dois organizam esgotam tão rapidamente que o melhor é ser rápido no gatilho para as próximas marcações. Em Fevereiro vão à Índia, mas ainda este ano já têm marcada viagem para o Perú, onde Luís se prepara para subir mais uma vez ao Machu Picchu. Sim, porque não houve próteses, cancros ou quimioterapias que o impedissem de continuar nestas aventuras. "Continuo a subir montes, dunas, já fiz o caminho de Santiago, ando a cavalo e uso a bicicleta para me deslocar todos os dias. Não há aqui coitadinhos, há é força para ir sempre mais longe".