Muita coisa mudou nos últimos dez anos. Se olharmos para os últimos dias de 2009, ainda faltavam estrear dois filmes de Harry Potter no cinema, a linha vermelha do Metro de Lisboa ainda não chegava ao aeroporto e Portugal continuava há anos sem vencer um Festival da Canção ou um Mundial de Futebol. Alguém conseguia imaginar o que aí vinha? Nem as cartas faziam prever uma década com tantas mudanças.
Na comida não foi diferente. Na última década, deixámos de conseguir comer sem tirar uma fotografia ao prato primeiro (é mais forte do que nós), ficámos viciados em programas de televisão relacionados com comida ("Pesadelo na Cozinha" diz-lhe alguma coisa?) e os chefs tornaram-se autênticas rock stars — mas também tiveram de enfrentar problemas, com alguns mesmo a falir.
Mostramos-lhe tudo o que mudou no mundo da comida nos últimos 10 anos.
1. Toda a gente sabe o que é um foodie
O termo informal que caracteriza os apaixonados por tudo aquilo que se faz ou vem da cozinha surgiu em 1981. Também ficámos de boca aberta: a palavra foi introduzida pela primeira vez por Paul Levy e Ann Barr, que a utilizaram no título do livro "The Official Foodie Handbook", que chegou às livrarias três anos depois. No entanto, seriam precisas mais umas boas décadas para o termo se popularizar em Portugal.
Foi nos últimos dez anos que isso aconteceu. De repente, somos todos um bocadinho foodies, ou pelo menos conhecemos alguém que o seja. As listas de presentes para foodies são apenas um exemplo disso mesmo: eles caminham entre nós e já não se escondem atrás do balcão de um restaurante. Tenha cuidado, eles conseguem ser muito criteriosos com a comida e regra geral estão sempre cheios de fome.
2. Ninguém come sem tirar uma fotografia primeiro
Perdeu-se a vergonha de subir para cima de uma cadeira, de perder vários minutos a ajeitar a mesa ou de pedir ao empregado que segure um bocadinho os talheres. O Instagram chegou e, aliado à nossa cada vez maior obsessão por comida, trouxe-nos uma enorme vontade de partilhar tudo o que ingerimos — desde que seja bonito, claro.
Os próprios locais de restauração definem-se muitas vezes com este conceito de instagramável, a par dos requisitos que os clientes já procuravam: wi-fi, poucas filas e boa comida.
Nos últimos dez anos foi assim: uma refeição já não é desfrutada sem primeiro tirar uma fotografia, garantindo que os talheres estão no sítio e que o cappuccino fica melhor perto do croissant do que do iogurte com granola.
3. Ficámos viciados em programas culinários
"Hell's Kitchen" foi talvez o percursor nos programas de televisão relacionados com comida. Gordon Ramsay foi o criador e produtor de um formato que trouxe, em 2005, uma batalha para dentro da cozinha, com o objetivo de eleger o melhor chef de cozinha que teria a oportunidade de abrir um restaurante.
Depois desse, e já no início da última década, em 2010 — altura em que o fenómeno chega em força a Portugal —, Ramsay fez parte do programa "MasterChef" nos Estados Unidos, que ao nome original foi adicionando Austrália, Canadá, Reino Unido e, claro, Portugal — apresentado na primeira edição por Sílvia Alberto, na RTP1.
Ainda em Portugal, surgiu em 2013 o programa "Uma Mesa Portuguesa... Com Certeza" na RTP1, cujo objetivo não era colocar a comida em batalha, mas apenas conhecer os restaurantes portugueses pelo mundo.
A esse seguiu-se o "Best Bakery — A melhor pastelaria de Portugal", apresentado por Ana Guiomar, na SIC, e "Top Chef", na RTP1, onde apenas um dos concorrentes era elegido como top chef depois de passar por três provas: a prova de fogo, a prova de chefs e a prova de eliminação. Mais recentemente, a primeira temporada de "Pesadelo na Cozinha" foi um sucesso de audiências, enquanto a segunda luta todos os domingos contra "Casados à Primeira Vista".
4. Os chefs tornaram-se rock stars — mas enfrentaram problemas
Em Portugal, chefs como José Cordeiro, Justa Nobre, Ljubomir Stanisic ou Kiko Martins ficaram ainda mais conhecidos através destes programas gastronómicos — e tornaram-se verdadeiras rock stars. Vá, pelo menos são celebridades. Quem é que não delirava com um autógrafo de Jamie Oliver?
Estes últimos dez anos foram tempos áureos para muitos chefs, é verdade, mas também de pouca sorte. É o caso de Ferran Adrià, o chef espanhol que teve fechar em 2011 aquele que era considerado um dos melhores restaurantes do mundo pelo "The World's 50 Best", o El Bulli, que tinha três estrelas Michelin. Além de Adrià, também Oliver teve de fechar 25 restaurantes no Reino Unido.
Apesar do declínio de vários chefs que ficaram conhecidos na televisão, outros alcançaram o sucesso a partir desta. Filipa Gomes e Francisco Pereira estão entre os nomes nacionais que ficaram conhecidos na última década através de programas de televisão.
5. Já nenhum restaurante sobrevive com más reviews
Em plataformas como o TripAdvisor, que surgiu em 2000, o objetivo é claro: avaliar. A sua utilização intensificou-se nos últimos anos, e ganhou a companhia de plataformas como a Zomato e o TheFork no que diz respeito a criticar restaurantes e a sua comida.
E os clientes já não se limitam a deixar estrelas: os comentários tornaram-se usuais, mesmo que a experiência tenha sido somente mediana. Os maiores críticos estão online e podem destruir um restaurante com as suas reviews negativos. Por outro lado, e se tudo correr bem, podem garantir que mesas cheias é coisa que nunca falta.
6. O movimento #MeToo também chegou às cozinhas
O movimento #MeToo, que começou como uma onda de luta contra o assédio em Hollywood, chegou também à indústria de restauração americana para derrubar nomes como Mario Batali, acusado de agredir e assediar mulheres sexualmente. Há cada vez mais tolerância zero para com comportamentos machistas e de assédio moral ou sexual, incluindo nas cozinhas.
7. Das bowls aos abacates, estes foram os alimentos da moda dos últimos anos
Desde 2009 surgiram várias modas: as bowls, os abacates (que não podiam faltar para falarmos das tostas), os golden lattes, uma bebida quente de leite ou uma bebida vegetal com açafrão, e ainda o óleo de coco. A lista de alimentos que se tornaram populares nos últimos anos é extensa, e às vezes pouco duradoura. Regra para se tornar popular: ter influenciadoras e nutricionistas a dizer que faz bem. É a receita perfeita para se tornar famoso. Se vai durar ou não, bem, isso já depende do consumidor.
8. Já não há só pizzas e frango a chegarem quentinhos à porta
Parece que foi há uma eternidade que a lista de espaços que entregavam comida em casa se resumia à churrascaria do bairro e às rivais Telepizza e Pizza Hut. Mas não foi, e passaram bem menos de dez anos. As plataformas de entrega como a Uber Eats e o Glovo chegaram a Portugal em 2017, e mudaram completamente a forma como mandamos vir comida.
9. O street food arrebatou o nosso coração
Foi sensivelmente a meio da última década que começámos a estar mais familiarizados com o conceito de street food, ou mesmo a depararmo-nos com ele de forma inesperada, através das food truck.
É que de repente, num passeio pela rua e já com alguma fome a apertar, basta caminhar alguns metros até avistar uma carrinha a servir noodles instantâneos ou até mesmo umas bifanas acabadas de fazer.
Este é o significado de food truck que começou por se instalar nos festivais de música e daí foi para a rua, aumentando também a oferta: além das refeições, já é possível encontrar sobremesas, como as carrinhas de gelados, ou bebidas para beber vinho ou cocktails.
10. Preocupamo-nos cada vez mais com o desperdício alimentar
Esta preocupação surgiu em força no último ano, aliada à consciência de que o nosso planeta está a morrer. Somos cada vez mais conscientes no momento de escolher doses, não queremos deitar nada para o lixo e lutamos ao máximo para aproveitar tudo — até a casca de banana se pode transformar num bolo.
Exemplo disso são o número crescente de iniciativas em prol do combate ao desperdício, como a "Re-food", a "Too Good To Go" ou "Phenix". Os restaurantes também estão a caminhar nesse sentido, e no último ano surgiram alguns espaços zero waste como o Nolla ou o Kitchen Dates. Que seja para continuar.