Depois de vários dias de incerteza, notícias várias e lágrimas naquela que se confirmou ser a última conferência de imprensa de Lionel Messi ao serviço do Barcelona, o inesperado aconteceu. O jogador saiu do clube espanhol que representava há 21 anos e foi oficializado esta terça-feira, 10 de agosto, como o novo jogador do Paris Saint-German (PSG).

Os motivos? Obstáculos financeiros que impediram o Barcelona de poder fazer novo contrato com o seu jogador. Isto porque esse novo contrato iria fazer com que as despesas do clube passassem a representar 110% das receitas. Em linguagem descomplicada, isto significa que nem com uma redução de cerca de 50% no salário de Messi, passo que o jogador estava pronto a dar para ficar na Catalunha, seria possível ao Barcelona manter o jogar no plantel. Regras de fair-play. Mas explicamos melhor.

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Messi queria ficar. O Barcelona queria que o jogador ficasse. No final, Messi saiu e o slogan do Barcelona ("Mais do que um clube"), deixou de fazer sentido.

Para o caso de toda esta série de acontecimentos e reviravoltas lhe ter passado ao lado, preparámos uma espécie de guia para totós com linguagem descomplicada, simples e direta ao ponto para explicar, ponto por ponto, o que levou à saída de Messi do seu clube.

O Barcelona e a má gestão financeira

Para entender o que aconteceu, é preciso recuar até 2017, ano em que Neymar trocou o Barcelona pelo PSG, depois de os parisienses terem pago a cláusula de rescisão pedida pelo Barça, de 222 milhões de euros — ainda hoje, a transferência mais cara de sempre do futebol mundial.

O que foi feito com esse dinheiro, explica-nos Luís Freitas Lobo, comentador desportivo, é paradigmático desta ideia de que "a gestão do Barcelona nunca foi uma coisa muito equilibrada".

"Depois de encaixarem esse dinheiro da transferência do Neymar, gastaram-no logo a comprar Philippe Coutinho, Ousmane Dembélé e Antoine Griezmann. Estamos a falar de um clube que nunca geriu bem as suas despesas e que gastou sempre acima das suas possibilidades", continua Freitas Lobo.

Isso, explica, é essencial para se perceber as dificuldades que o Barcelona teve em conseguir assegurar que Messi permanecesse no clube.

Ok, mas não conseguiu assegurar porquê?

O assunto é complexo, mas vamos tentar simplificar. Uma das principais dificuldades à permanência de Messi no Barcelona, refere Freitas Lobo, "tem que ver com a imposição de um teto salarial para o pagamento dos ordenados aos jogadores". Esse teto, explica o comentador, "é determinado em função das receitas que os clubes" conseguem arrecadar ao longo das épocas. O Barcelona, com uma dívida de cerca de 1,2 mil milhões de euros, foi um dos clubes afetados pela quebra de receitas decorrente do impacto da COVID-19 no universo desportivo.

Mas Messi não aceitou abdicar de 50% do seu salário?

Sim, é um facto.

Vamos a contas: caso Messi ficasse no Barcelona sem quaisquer cortes no salário, o esforço do clube já estaria em 110%. A liga espanhola, no entanto, impõe que esse esforço esteja em redor dos 70%. Conceber uma situação em que Messi jogasse sem receber é impensável, porque "estamos a falar de um jogador profissional".

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Mesmo sem o jogador no plantel, o esforço do clube espanhol situar-se-á em redor dos 95% — muito acima do limite imposto pela La Liga.

Mas não houve possibilidade de o Barcelona receber um investimento extra?

Sim. A polémica, diz Freitas Lobo, começou aí quando foi anunciado um investimento de cerca de 3,2 mil milhões de euros por parte da empresa privada CVC Capital Partners.

O acordo foi dado como certo e, diz o comentador, "teria permitido ao Barcelona ter dinheiro para pagar ao Messi".

Portanto, não aconteceu?

Não. Depois de o investimento ter sido dado como certo, Joan Laporta, atual presidente do Barcelona, "voltou atrás, recusando a injeção de capital." "No fundo, justificou-se dizendo não poder hipotecar o futuro do clube porque esse fundo afetaria os direitos audiovisuais" detidos pelo clube e que, com este investimento, iriam ser "alienados por mais de 40 anos", explica o comentador desportivo.

A polémica, continua Freitas Lobo, intensificou-se quando o presidente da La Liga argumentou, em público, que a aceitação deste investimento não iria hipotecar o clube.

"A La Liga disse que sim ao investimento [e que a aceitação não implicaria hipotecar o clube], o Barcelona, num estado financeiro ruinoso, disse que não e o que aconteceu foi que, sem esta injeção de capital, o clube ficou sem hipóteses de pagar ao Messi. Disse que queria pagar, o Messi disse que queria ficar, mas o teto salarial impediu que tal acontecesse", resume.

O cerne da questão é este, segundo Freitas Lobo: "Legalmente, o Barcelona não podia pagar sem esse investimento extra".

Messi pode voltar ao Barcelona?

Como jogador, provavelmente não. Luís Freitas Lobo não tem dúvidas de que, "depois de Messi fazer estes anos em França", uma liga que o comentador desportivo considera ser relativamente fácil para um jogador com a sua idade (34 anos), "dificilmente voltará para o Barcelona como jogador".

O mais provável, explica, é que talvez volte mais tarde "como embaixador ou símbolo" do clube que foi a sua casa durante toda a sua carreira profissional, desde a equipa C até à equipa principal.

No PSG, o clube com quem assinou por dois anos (com a possibilidade de renovar por mais um ano), o jogador irá ganhar 35 milhões de euros limpos por época.