"Vista do fim de uma longa estrada de terra seca numa manhã de outubro, a casa não parece nada de especial", começa por descrever o artigo do jornal "The New York Times". Contudo, algo suscitou curiosidade aos americanos nesta casa com 659.9832 m² em Melides, Grândola, não muito longe da Comporta.
E não é difícil prever o que será. Isto porque o que de fora parece "nada de especial" esconde um complexo de sonho: uma casa principal em forma de U, uma garagem isolada, uma piscina e um anexo para hóspedes — obra que levou três anos a ficar de pé. Antes de colocar tijolo sobre tijolo, o arquiteto belga Vincent Van Duysen, 57 anos, teve de desenhar no papel a casa de férias que idealizava para si e para o namorado e modelo belga, Mateo Bou Bahler, 30 anos.
Este não é o primeiro projeto de Vincent. O arquiteto planeou residências e escritórios, como aliás mostra no seu site, e espaços em toda a Europa, como o hotel august em Antuérpia, Bélgica, e o Aesop ABC-Viertel em Hamburgo, Alemanha.
A questão que se coloca é porque é que um arquiteto que já deixou a sua marca no mundo decidiu erguer uma propriedade nesta região de Portugal? A reporta é simples. Como tantos outros estrangeiros que decidem comprar casa no País, quando Vincent veio pela primeira vez a Portugal para se encontrar com o amigo e arquiteto português Manuel Aires Mateus, que tem vários trabalhos em Melides, ficou encantado com a região.
Vincent voltou em 2014 de férias e ao explorar melhor a região encontrou o local que para si era ideal para fixar a sua própria casa de férias: “Deu-me uma sensação de proteção e bem-estar, e estava perto do mar — sem ver o mar", diz o arquiteto ao jornal americano, acrescentando: "O oceano está muito inquieto. Enfrentar isso também me deixaria inquieto"
Foi assim que nasceu a casa M que Vicente não gosta que seja chamada de minimalista. Prefere defini-la como "brutalista quente", sendo que o brutalismo é um estilo arquitetónico caracterizado por construções gigantescas, angulosas e sumputuosas, o que só por si já indica como é o interior desta propriedade em Grândola.
Logo na entrada os portões de madeira, com nove metros de altura e em cor caramelo, são literalmente a porta de entrada para outras dimensões grandiosas da casa. O vidro que cobre várias paredes do chão até ao teto é outro dos detalhes que conferem grandeza e classe à casa. Só que ainda que estes dêem um toque leve, toda a restante construção, a par com a madeira, junta paredes em terracota que dão um ar sereno a este espaço.
A juntar a isto estão ainda as colunas no exterior que remetem para o classicismo greco-romano. Mesmo lá fora quase não há vegetação, a ser alguns sobreiros e pinheiros que já existiam, ainda que Vincent Van Duysen tenha ponderado em colocar algumas plantas. No entanto, sentiu que os tons da vegetação não combinariam com a serenidade da propriedade. "Queria construir algo que incorporasse na paisagem, quase hedonisticamente", refere o arquiteto.
Queria e fez, ainda que ao início tivesse algumas dificuldades com o licenciamento. Contudo, Vincent Van Duysen pretendia "que a casa se tornasse um ícone", razão pela qual o refugio dos meses de trabalho é tão detalhado, desde os utensílios de mesa à estrutura — até porque Vincent é dos poucos arquitetos da sua geração que pensa e cria os espaços de fora para dentro.
Tanto as paredes como a decoração é em tons neutros e terra, que conferem conforto, tal como aquele que o arquiteto procurava para a sua casa de férias. Dada a finalidade, está equipada com o necessário (e até um pouco mais): dois quartos de hóspedes com pouco mais do que mesas de cabeceira e camas projetadas por Van Duysen e construídas por artesãos locais; uma suíte master com uma banheira de pedra em frente a uma janela que se extende do teto ao chão com vista para as colinas ondulantes, uma sala de estar central com um sofá também criado por Van Duysen e um par de cadeiras baixas esculpidas em madeira tropical pela modernista brasileira Lina Bo Bardiem, e ainda duas das cadeiras de leitura de encosto alto que Van Duysen projetou por medida.
Quanto às paredes, Vincent Van Duysen pretende deixá-las em branco por uma razão quase poética: "Aqui", diz, "a natureza é uma pintura viva". Quer espreitar para dentro deste "ícone" em Grândola?