João Rendeiro, 69 anos, foi encontrado morto na cela da prisão onde estava detido desde 11 de dezembro na cidade de Durban, na África do Sul. As autoridades estão a investigar as circunstâncias da causa da morte, e sabe-se apenas que o ex-banqueiro enforcou-se, conforme foi avançado pela advogada, June Marks, à agência Lusa, cita o "Diário de Notícias".
Rendeiro aguardava no estabelecimento prisional de Westville (conhecido como um dos mais perigosos do país) pelo julgamento relativo ao processo de extradição para Portugal e ia ser presente esta sexta-feira, 13, ao tribunal sul-africano — dia que marcava precisamente seis meses e dois dias desde que tinha sido detido. O antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) esteve fugido à justiça portuguesa durante três meses e acabou por ser apanhado na África do Sul em dezembro, onde foi julgado e lhe foi aplicada a pena de prisão preventiva.
Mas o que vai acontecer no seguimento da morte do ex-banqueiro condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, que lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado aquando a queda do banco em 2010?
Para já, com a morte de Rendeiro, caiu automaticamente por terra o processo de extradição, assim como a responsabilidade criminal do ex-banqueiro no caso do BPP.
Já quanto à responsabilidade patrimonial, várias hipóteses são levantadas. "Os processos crime estavam associados a uma responsabilidade patrimonial decorrente dos pedidos de indemnização que tinham sido formulados ao abrigo desses processos. Ora, mesmo extinguindo-se a responsabilidade criminal, a responsabilidade patrimonial, isto é, pelas dívidas que vierem a ser determinadas no âmbito dos processos crime, mantêm-se, transmitindo-se agora para os respetivos herdeiros", explica o advogado Pedro Marinho Falcão à CNN Portugal.
Isto significa que, havendo património arrestado ou apreendido no âmbito dos processos crime, este continuará em cima da mesa e os lesados que fizeram pedidos de indemnização cível continuarão a ter "os seus direitos salvaguardados", continua o advogado.
Contudo, a responsabilidade criminal não se extingue totalmente com a morte de João Rendeiro, dado que também a mulher do ex-banqueiro, Maria de Jesus Rendeiro, estava envolvida nos crimes. Encontra-se em prisão domiciliária a aguardar investigação sobre o processo de branqueamento de capitais.
"A mulher, estando envolvida em práticas de que resultou a alienação ilícita de património, e é isto exatamente que determina também o branqueamento de capitais, a sua responsabilidade mantém-se e nessa medida o processo crime continuará a correr os seus termos", refere o mesmo advogado.
Terá a prisão de Westville responsabilidade na morte de João Rendeiro?
O ex-banqueiro do BPP morreu, mas há agora muito por apurar. Apesar de se saber que foi encontrado enforcado, é preciso apurar em que circunstâncias: se terá sido no meio dos detidos, dado que, supostamente, dividia a cela com cerca de 50 reclusos, ou num ambiente mais isolado, com recurso a que instrumentos e como chegaram até à prisão — fatores que poderão pôr em causa a correta atuação do estabelecimento prisional de Westville, na África do Sul.
"Se a defesa [João Rendeiro] entender que existem outras suspeitas, poderá pedir a instauração de um processo judicial contra o próprio estabelecimento prisional contra a falta de condições de proteção dele, como detido, e que estava à guarda do estabelecimento prisional. Existe sempre essa legitimidade para impor um processo", refere o advogado Dantas Rodrigues à SIC Notícias.
Recorde-se que este estabelecimento prisional é considerado um dos mais perigosos da África do Sul e que a defesa de João Rendeiro chegou a pedir, em dezembro, a transferência do recluso para outra prisão do país, pedido que lhe foi negado. A demanda surgiu após a advogada do ex-banqueiro, June Marks, ter confirmado que este estaria a receber ameaças de morte dentro da prisão.
Da fundação do BPP a uma cela na África do Sul
João Rendeiro nasceu a 22 de maio de 1952, em Lisboa. Formou-se em Economia, em Portugal e Inglaterra, e ao longo dos anos foi traçando o seu percurso, que oscilou entre a riqueza e o fracasso quando, em 2010, o Banco Privado Português (BPP) colapsou.
Até lá chegar, muita coisa aconteceu. A fortuna começou a ser construída quando nos anos 90 vendeu a Gestifundo (fundo de investimentos criado em 1986) ao banco Totta, investimento na ordem dos 25 mil euros que o tornou milionário aos 30 anos. Foi o negócio mais lucrativo que fez e também aquele que permitiu ao ex-banqueiro fundar o Banco Privado Português (BPP), em 1996.
O banco tinha, acima de tudo, clientes com muita riqueza, que tinham de investir, no mínimo, um milhão de euros. O período áureo do BPP só durou até 2008, ano em que uma grande crise financeira atingiu o País, o banco e Rendeiro, que andava a desviar dinheiro do banco, mais precisamente dos clientes ricos que ali investiam, e teve de pedir ajuda ao Estado.
E aqui geraram-se foi problemas: quando o banco colapsou em 2010, não só milhares saíram lesados, como o Estado, que sofreu perdas de centenas de milhões de euros.
Em 2010, acabou por ser condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP e num deles foi mesmo confirmado que o ex-banqueiro retirou 13,61 milhões de euros do banco.
A 28 de setembro foi condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva num processo por crimes de burla qualificada (a terceira condenação, que se juntava a duas penas de 10 e cinco anos). No entanto, Rendeiro e os restantes arguidos recorreram da decisão, arrastando o processo e dando tempo ao antigo presidente do BPP para fugir de Portugal. Primeiro, foi de Portugal para o Reino Unido, e deu entrada na África do Sul a 18 de setembro de 2021.
Foram emitidos dois mandados de detenção, europeu e internacional, pelas autoridades portuguesas, de quem esteve fugido durante três meses. Acabou por ser detido a 11 de dezembro num hotel de luxo, o Forest Boutique Guest House, em Durban, na África do Sul.
A 17 de dezembro foi-lhe atribuída a medida de coação mais gravosa, ficando em prisão preventiva no estabelecimento prisional de Westville, onde permaneceu até à data da sua morte, 13 de maio, à espera de uma decisão sobre o processo de extradição para Portugal.