Casos de COVID-19, gastroenterites, alergias ou outras infecções respiratórias têm sido frequentes nas últimas semanas, mas é principalmente a epidemia da gripe, supostamente fora de época, que está a deixar os serviços de urgências, principalmente os pediátricos, sobrecarregados e à beira do colapso.
À semelhança do que já acontece nos serviços de urgência hospitalares de adultos, que têm batido recordes nos últimos dias, os maiores serviços de urgências pediátricas do País estão a atender, em média, mais 100 crianças por dia em comparação com os números registados em março de 2019, ou seja, antes da pandemia, avança o jornal "Público", esta quarta-feira, 30 de março.
De acordo a publicação, o Hospital Dona Estefânia é uma das instalações hospitalares mais sobrecarregadas neste momento e já chegou a atender 400 crianças num só dia, mas o cenário em São João revela-se similar, com um pico de 350 entradas em apenas 24 horas durante o mês de março.
No resto do País, a situação é semelhante e é precisamente por isso que os médicos começam a repensar novas formas de salvaguardar os serviços de urgências e garantir que as "falsas urgências", ou seja, situações pouco graves, não prejudicam o atendimento de quem precisa efetivamente de assistência médica.
Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, defende que os serviços de urgências se devem restringir aos casos urgentes. "[As urgências] deveriam ser para utentes referenciados pelo INEM, pelo SNS24e pelos cuidados de saúde primários", declarou, em declarações à TSF. "Tem de haver, sem dúvida, um reforço dos cuidados de saúde primários e uma aposta nos centros de saúde. Há anos que é evidente para todos, mas inexplicavelmente, essa aposta continua a não acontecer", frisou.
Já Diogo Urjais, da direção da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar, tem uma visão semelhante, mas vai mais longe e fala mesmo em urgências "à porta fechada". "A medida essencial e fundamental era transformar o serviço de urgência numa porta fechada, isto é, o utente só iria ao serviço de urgência referenciado pelo seu médico de família, pela Saúde 24 e pelo INEM. Obviamente que isto obrigaria a um investimento em todos estes três vetores", sustenta, em declarações à TSF.
Gripe "trata-se em casa"
É certo que a corrida às urgências por COVID-19 continua a acontecer, mas também a gripe, alegadamente fora de época, está a contribuir para que as urgências fiquem entupidas, tanto as pediátricas como as de adultos. Na maioria dos casos, sem necessidade.
"Não havendo falta de ar ou vómitos persistentes, a gripe trata-se em casa. Mas as pessoas ficam aflitas e muitas não têm outros recursos", frisa Rita Machado, coordenadora da urgência pediátrica do Centro Hospitalar de Lisboa Central (a que pertence o Dona Estefânia), em declarações ao jornal "Público".
"Quando há avalanches como estas, por muitos que sejam os pontos e gabinetes médicos disponibilizados, é impossível dar uma resposta adequada", acrescenta Rúben Rocha, director do serviço de urgência pediátrica do Hospital de São João, à mesma publicação, com a ressalva de que a maior parte dos doentes não recorrem previamente aos centros de saúde. "70% vêm directamente à urgência" e "cerca de metade" não necessitava de o fazer, diz.
"Tenho gripe e quero uma opinião médica. O que devo fazer?"
De acordo com os profissionais de saúde, os centros de saúde e a linha SNS 24 devem ser a primeira opção.
"Os três serviços que existem a montante dos serviços de urgência, que são o INEM, o SNS24 e os cuidados de saúde primários, [têm de] ser a norma, a regra. As pessoas devem aceder a um destes sistemas, para depois serem encaminhados para os serviços de urgência", defendeu Nelson Pereira, diretor das urgências do Hospital de São João, no Porto, em declarações à TSF, com a ressalva de que "a ninguém deve ser barrado o acesso a cuidados de saúde".
"Se alguém, apesar de não cumprir a regra, acabar por bater à porta dos serviços de urgência, pode ser, naturalmente, observado e tratado, se tiver uma situação urgente. Mas se foi bater à porta de um serviço de urgência erradamente, não cumprindo a regra, e não tem uma situação de urgência, que possa ser reencaminhado para outro nível de cuidados", propõe.
Importa ainda referir que num boletim divulgado esta quinta-feira, 31, com referência à semana de 21 a 27 de março, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge afirma haver uma "atividade gripal com tendência crescente" e uma "atividade epidémica disseminada", de acordo com dados da Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe.
De acordo com o boletim semanal, a taxa de incidência estimada de gripe foi de 22,7 por 100 mil habitantes, e a taxa de incidência de infeção respiratória aguda foi de 34,1 por 100 mil habitantes, avança a CNN Portugal.