Alejandro, nome que adotou sem qualquer avaliação clínica prévia, tem 8 anos e garante que desde os 5 anos que sabia que o sexo com que nasceu não correspondia à sua identidade. Sempre se considerou um rapaz e a sua convicção fez com que os pais avançassem para um processo para conseguir realizar a vontade do filho — alterar o género no cartão de identidade. A lei espanhola ainda não o permite, mas o caso teve o desfecho pretendido.

Dez minutos de conversa com Alejandro foram suficientes para que o juiz Darío-Carpio Estévez autorizasse a mudança de género no Registo Civil , ainda que a lei não o permita. De acordo com a CNN Portugal, o magistrado aproveitou um vazio na lei espanhola e, com base nisso, fez uma lei para um caso concreto. Aquilo a que se chama "sentença disruptiva", segundo explicou advogada Beatriz Valério à mesma publicação.

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"Se o direito à retificação do registo do sexo é orientado para o desenvolvimento livre da personalidade, limitá-lo às pessoas maiores de idade é uma privação do dito princípio constitucional aos menores", avançou o juiz, enquanto justificação da decisão, que diz ter realizado com base numa extensa investigação legal e jurídica e para a qual invocou decisões do Supremo Tribunal, do Tribunal Constitucional, da Constituição espanhola e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Segundo a mesma publicação, ao ouvir a história de Alejandro e perceber que este já tinha esta vontade desde os cinco anos e que sempre contou com o total apoio da família, Darío-Carpio Estévez concluiu que havia "maturidade suficiente" e uma "situação estável de transexualidade".

A vontade de Alejandro já lhe havia sido negada pela Justiça espanhola em 2021, quando o juiz então responsável pelo Registo Civil de Ourense negou o pedido por "falta de maturidade". A família recorreu então à Direção Geral de Segurança Jurídica e Fé Pública, que obrigou a reversão do processo e tornou possível que este menino de 8 anos fosse novamente ouvido.

Agora, a decisão foi outra e os argumentos para tal não podiam ser mais distintos. De acordo com o juiz que autorizou a mudança de género no Registo Civil, "há muito tempo que [Alejandro] pensava como homem" e "já o tinha dito aos pais em 2018". "A sociedade não ganharia nada [em negar-lhe isto]", acrescentou ainda na sentença.

A atual lei espanhola ainda não permite que situações como a de Alejandro sejam regra e não exceção, mas está em vias de sofrer algumas alterações. Apesar de ainda faltar a aprovação final do parlamento, o Governo espanhol aprovou esta segunda-feira, 27 de junho, uma proposta de lei que prevê a mudança de género no Registo Civil a partir dos 12 anos sem necessidade de pareceres médicos.

Se a proposta for aprovada, a partir dos 16 anos, basta a vontade da pessoa, mas será necessária autorização de um juiz para os casos entre os 12 e os 14 e dos pais ou tutores legais entre os 14 e os 16, avança o "Observador".

A mesma proposta consagra também o direito de lésbicas, bissexuais e transgénero com capacidade reprodutiva acederem às técnicas de reprodução mediamente assistida, permite a filiação dos filhos de mães lésbicas e bissexuais sem necessidade de casamento e proíbe também cirurgias de modificação genital até aos 12 anos em crianças que apresentem características físicas dos dois géneros à nascença. Como é o caso de crianças intersexuais ou hermafroditas.