Foi em 1973 que se fez história: foi legalizado o direito ao aborto nos Estados Unidos. Quase cinquenta anos depois, deverá haver um retrocesso histórico já que o direito das mulheres em abortar poderá deixar de existir. Isto porque está a circular um documento no Supremo Tribunal dos Estados Unidos para anular a lei aprovada há cinco décadas e renovada em 1992 no Planned Parenthood v. Casey. E este mesmo documento já estará aprovado, tal como revela o "Político", um dos órgãos de comunicação social mais influentes sobre política.
A interrupção voluntária da gravidez foi reconhecida no famoso caso Roe contra Wade, mas há quem a queira ver ilegalizada. É o caso do juiz conservador Samuel Alito, que escreveu o rascunho do documento intitulado de "Parecer do Tribunal", datado de 10 de fevereiro e com previsão de publicação para 30 de junho, que questiona o direito aprovado na década de 70.
O "Politico" teve acesso ao projeto de decisão, com 98 páginas, em que o juiz afirma por escrito as convicções do tribunal sobre o tema. “Acreditamos que Roe v. Wade deve ser derrubado”, diz Samuel Alito. Segundo o juiz, o direito ao aborto “não está protegido por qualquer disposição da Constituição” dos Estados Unidos, por isso, defende que "é hora de prestar atenção à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo".
A “pesquisa histórica de Roe passou do constitucionalmente irrelevante ao claramente incorreto”, argumenta ainda Alito, acrescentando que o raciocínio da altura era “excecionalmente fraco” e que a decisão original teve “consequências danosas”, cita o mesmo jornal.
Os juízes Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett terão votado a favor da mudança na legalização do aborto numa conferência entre os juízes realizada em dezembro, o que significa que defendem antes uma lei do Mississippi que criminaliza a interrupção de uma gravidez após 15 semanas, refere o "The Independent".
Contudo, ainda nada está decidido. O Politico afirma que as decisões e votos dos juízes mudam à medida que os projetos circulam, muitas vezes poucos dias antes de uma decisão definitiva ser divulgada, o que, a acontecer, será em meados de junho.
A anulação do direito ao abordo nos Estados Unidos só acontecerá se o documento for aprovado por uma maioria dos juízes do Supremo Tribunal. Caso isso se confirme, cada Estado passa a ser livre de proibir ou autorizar a realização de abortos. Sendo que muitos são conservadores, é esperado que metade dificulte o direito ao aborto — algo que só acontece atualmente em três países: Polónia, El Salvador e Nicarágua, segundo o "New York Times".
É a primeira vez na história moderna do tribunal que foi divulgado publicamente um projeto de decisão enquanto um caso ainda está pendente. Isto significa que o debate foi levado para a esfera pública e que até junho as opiniões dos decisores podem mudar.
“Sejamos claros: isto é um documento provisório. É ultrajante, sem precedentes, mas não final: o aborto continua a ser um direito e continua a ser legal”, escreveu no Twitter a Planned Parenthood, rede que gere muitas clínicas de aborto nos Estados Unidos. "O momento para lutar pela saúde e direitos reprodutivos é agora", pode ler-se noutra publicação, na qual foi lançada uma petição.