Donald Trump, presidente em funções dos Estados Unidos, ainda não concedeu a vitória a Joe Biden, o novo presidente eleito deste país, que no sábado, 7 de novembro, cortou a meta dos 270 votos do Colégio Eleitoral. Em termos políticos, o que é que a ausência deste gesto significa? Por enquanto, que Donald Trump está com mau perder. Só. Mas vamos por partes.
A tradição de conceder vitória à outra parte tem história: nasceu em 1896, quando William Jennings Bryan enviou um telegrama de parabéns a William McKinley, pela altura em que este foi eleito o 25.º presidente dos Estados Unidos. Depois disto, o ato tornou-se num costume: com mais ou menos simpatia, o perdedor felicitava o vencedor.
Mas nunca o gesto foi obrigatório — apenas um ato de cortesia que, à data, Trump se recusou a levar a cabo. Bem pelo contrário: na sua conta de Twitter, o atual presidente continua a gritar vitória e fraude eleitoral. A previsão é de que, até terminar o seu mandato, em janeiro, este faça uso de todos os seus poderes, contrariando o hábito de transição pacífica entre um presidente em funções e um presidente eleito.
Mas quanto à sua permanência na Sala Oval, a 20.ª emenda da Constituição dos Estados Unidos é claríssima: os mandatos são de quatro anos. Portanto, a 20 de janeiro de 2016, Trump tomou posse e deverá, no mesmo dia de 2021, conceder o lugar na Casa Branca a Joe Biden, já com os votos ratificados pelo Congresso.
É nesta fase que podem começar os problemas. Eis os cinco cenários possíveis, caso Trump se recuse a conceder.
1. Biden toma posse, Trump é expulso
O primeiro cenário é o melhor e mais simples de todos — ainda que profundamente embaraçoso para o país. Então, é assim: a 6 de janeiro, 14 dias antes da tomada de posse a 20 do mesmo mês, reúnem-se no congresso os representantes do Colégio Eleitoral, isto é, os Grandes Eleitores escolhidos em cada estado (aqueles em quem a população norte-americana votou no decorrer da eleição). Eles devem ratificar os seus votos — processo que, correndo tudo dentro do previsto, irá nomear Biden.
A ser assim, Trump não tem hipóteses. É o que Andrew Bates, presidente da campanha democrata, disse: "O Governo dos Estados Unidos da América é perfeitamente capaz de escoltar invasores para fora da Casa Branca."
A lógica é simples: assim que os votos são ratificados, Donald Trump deixa automaticamente de ser o presidente dos Estados Unidos, mesmo se estiver na Casa Branca. Se se recusar a sair, Biden, já empossado, pode dar ordens aos Serviços Secretos para expulsá-lo. É isso: ele passa a ser um cidadão comum.
Como vimos, seria absolutamente humilhante para os Estados Unidos ter um presidente a ser expulso por outro. Mas o cenário seguinte é pior: uma "crise constitucional de proporções épicas", escreve a revista "Vox".
2. E se os resultados forem contestados?
Voltamos ao Colégio Eleitoral: duas semanas antes da tomada de posse, os representantes ratificam o resultado. Mas vamos imaginar que Trump contesta legalmente o resultado e obriga a uma recontagem. Neste cenário, a ratificação do resultado atrasa, o que deixa o atual presidente na Sala Oval após 20 de janeiro, data da transferência do poder.
Depois, ou o resultado vem e acontece tudo como é suposto. Ou o caldo entorna-se.
3. Grandes Eleitores que não respeitam o sentido de voto
Este é um mau cenário. Os Grandes Eleitores podem ser desleais e mudar o seu sentido de voto. Pior (e pouco provável, esperemos): o atual presidente dos Estados Unidos pode pedir a governantes de Estados Republicanos que mudem o seu representante, para garantir que consegue o seu voto. Havendo eleitores duplicados, os dois presidentes podem chegar aos 270 votos, o que leva a um empate e a maior atraso. Um novelo de lã muito complexo.
O que está, no entanto, previsto é que em casos assim seja o vice-presidente e presidente do Senado — neste caso, Mike Pence — a intervir e desfazer o tal novelo. Se até ao dia da tomada de posse, o imbróglio político ainda não estiver resolvido, com novas votações no congresso a decorrer, é empossada uma presidente interina, neste caso a democrata Nancy Pelosi, que é a terceira na linha de sucessão. Mas isso já é outra novela.
4. O Supremo Tribunal e a crise constitucional
Uma ameaça recorrente de Donald Trump e um péssimo cenário: contestar o resultado junto do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, o mais alto órgão judicial do país. Tem uma maioria conservadora (incluindo três juízes apontados pelo atual presidente), podendo, assim, decidir a favor do presidente, processo que, assim, se tornaria "totalmente legítimo", diz a "Vox".
5. Então, e se essa decisão surgir depois de o Congresso ratificar os votos?
Aqui temos uma colisão grave, que mergulharia o país numa crise constitucional: o Congresso a dizer uma coisa, o Supremo Tribunal a dizer outra.
"Teríamos um verdadeiro conflito em mãos com pessoas a dizerem que o vencedor legitimo é o que vence de acordo com o Supremo Tribunal dos Estados Unidos e com outras a dizerem que o legítimo é aquele que é certificado pelo Congresso", explicou Lindsay Cohn, especialista em segurança nacional.
É, no entanto, um resultado muito improvável.