Não estava a ser um ano fácil para Britney Spears. Em 2007, a cantora pop teve um colapso nervoso que a fez tomar uma série de más decisões. As principais nunca mais foram esquecidas: rapou o cabelo, teve uma apresentação desastrosa no Video Music Awards (ainda hoje há quem diga que foi uma das piores atuações da história) e agrediu os papparazi com um guarda-chuva.
Foi no auge desta polémica que um jovem de 19 anos decidiu publicar um vídeo no YouTube a defender a cantora. Muito longe de saber a popularidade que iria alcançar, Christopher Darren Cunningham, mais conhecido por Chris Crocker, atacou os críticos, chorou e gritou frases como "Ela é um ser humano" ou, a mais emblemática de todas, "Deixem a Britney em paz".
O vídeo foi dividido em duas partes — a primeira foi publicada na sua página pessoal do MySpace a 9 de setembro de 2007, a segunda no dia 10, tanto no MySpace como no YouTube. Em apenas dois dias, chegou aos quatro milhões de visualizações. Em janeiro de 2009, tinha mais de 24 milhões de visualizações e era o segundo vídeo mais discutido de sempre no YouTube.
Foi um enorme sucesso — com direito a uma paródia em "South Park" (episódio "Canada on Strike") e tudo. Apesar das críticas e sátiras, Chris Crocker marcou uma viragem no universo dos youtubers. Pela primeira vez na história da plataforma, tínhamos um vídeo viral de um jovem com uma voz num falsete suave, que pintava o cabelo de loiro e não se apresentava como sendo de um género único.
12 anos depois, Britney Spears volta a vier um dos momentos mais delicados da sua vida — internada numa clínica psiquiátrica, agora diz que foi internada à força pelo pai, que a obrigou também a tomar medicamentos. Nas redes sociais gerou-se um movimento de apoio, no qual até já se juntaram artistas bem conhecidos como Miley Cyrus. A hashtag #FreeBritney já está na top trends do Twitter, e o movimento, como lhe chamam, não parece estar a perder força. A propósito do momento delicado em que vive a cantora, recordamos a história de Chris Crocker, o jovem de 19 anos que passou de gritar no YouTube "Deixem a Britney em paz" para a indústria pornográfica.
Da infância difícil ao vídeo que mudou tudo
Chris nasceu em Bristol, no estado americano do Tennessee, a 7 de dezembro de 1987. Vítima de bullying devido à sua homossexualidade, era frequentemente agredido e chegou a receber ameaças de morte. Em casa o ambiente não era melhor: a avó dizia-lhe que precisava de um exorcismo para deixar de ser gay.
Uma vez que a mãe tinha apenas 14 anos quando o teve, foram os avós paternos que o criaram. No documentário "Me at the Zoo", de 2012, contou que a mãe era vítima de violência doméstica e viciada em metanfetaminas.
A câmara, revelou, "foi a minha maneira de me defender das pessoas da minha cidade natal sem ter que lutar fisicamente". Antes de "Leave Britney Alone", Crocker já era conhecido por uma pequena comunidade de fãs. Nos vídeos que produzia, expressava a sua raiva em relação ao sítio onde tinha nascido através de uma série de filmagens fora do comum.
Tudo mudou no dia em que lançou a primeira parte do emblemático vídeo. Numa altura em que o YouTube não era nada do que é hoje, e o conceito de viral não era tão comum quanto isso, Crocker ultrapassou todas as barreiras. Foi alvo de chacota, é verdade, mas também abriu portas a uma comunidade LGBT que, à época, era praticamente inexpressiva na plataforma.
Michael Strangelove, professor do Departamento de Comunicação da Universidade de Ottawa e autor do livro "Watching YouTube", vai ainda mais longe: o realismo de Crocker ajudou a liderar o caminho para que futuros vloggers construíssem uma audiência com base na sua personalidade e na crítica à cultura pop.
A triste verdade por detrás do vídeo que o tornou famoso
Quando Crocker gravou "Leave Britney Alone", escondeu a verdadeira razão porque admirava Britney: no fundo, via nela um bocadinho da história da mãe. "Eu sempre vi na Britney um modelo", disse à "Rolling Stone" em setembro de 2017, altura em que o vídeo fez fez dez anos. "E a outra mulher da minha vida que admirei, a minha mãe, estava a desmoronar-se. Eu não sabia como explicar isso porque as pessoas não me iriam levar a sério".
Nas primeiras entrevistas, que incluíram aparições em "Jimmy Kimmel Live", Chris manteve a personagem dos seus primeiros vídeos — mostrou-se como um adolescente extravagante e fanfarrão, em vez de admitir a sua própria dor.
"Eu sabia que isso era explicar demais, e as pessoas não queriam saber", disse à revista sobre deixar a luta da mãe fora dos meios de comunicação social.
Muita gente pensa que foi o vídeo da Britney que me tornou famoso e que me deu todas as oportunidades, mas a verdade é que se tivesse ido para Los Angeles como um ator anónimo, provavelmente teria muito mais trabalho"
Também em setembro de 2017, Crocker partilhou no Instagram a sua história de vida na última década. Aquele período foi, de facto, muito negro para o jovem. "A minha mãe tornou-se dependente de drogas e sem-abrigo depois de regressar do Iraque. Aquilo que se passava em minha casa tornou-me defensivo em relação a qualquer mulher a passar um mau bocado".
E continuou: "Eu sabia que as pessoas não me iam levar a sério, por isso tornei-me na piada que todos pensavam que eu era. Revelar o que espoletou a minha reação emocional não ia interessar a ninguém".
Em 2013, Chris disse à revista "Out" que o vídeo ainda o magoava. "Muita gente pensa que foi o vídeo da Britney que me tornou famoso e que me deu todas as oportunidades, mas a verdade é que se tivesse ido para Los Angeles como um ator anónimo, provavelmente teria muito mais trabalho. Não me arrependo. Acho que só me trouxe mais obstáculos para ultrapassar."
Dez anos depois, Chris admitiu à "Rolling Stone" ainda ter alguns conflitos pessoais em relação ao vídeo: "É uma loucura, porque [o vídeo] assume uma identidade própria quando, na verdade, esse momento para mim foi uma época em que me estava a descobrir sexualmente; sexo, família, a minha mãe, a minha estrela pop favorita a desmoronar-se", disse. "E de repente assume a sua própria identidade para as outras pessoas. Para mim é difícil avaliar o vídeo dez anos depois".
Da música à pornografia, a vida de Chris depois do vídeo viral
Após o sucesso do vídeo, Chris procurou manter-se na ribalta — e provou que não era preciso nascer rico e famoso, como Paris Hilton e Nicole Richie, para alcançar a fama ligando apenas as câmaras. Lançou o primeiro Single em 2008, "Mind in the Gutter", seguindo-se dois EP ("The First Bite" e "Walls Down") e, em 2015, o primeiro álbum — "More Than Three Words".
Em 2012, apresentou o seu primeiro documentário, "Me at the Zoo", onde contou a sua história. No ano seguinte os direitos foram comprados pela HBO. Ainda assim, o documentário, tal como a sua música, tiveram um sucesso muito relativo.
A par da música, Chris entrou na indústria pornográfica. E foi nessa altura que a sua imagem ficou completamente diferente, muito mais masculina. Sobre as questões de identidade de género, disse à revista "Out": "Eu definitivamente sinto-me mais conectado comigo agora (...). Agora que explorei os dois lados, sinto que me conheço muito bem."
E rematou: "Eu sei que não é a resposta que querem ouvir, porque é tão vaga, mas eu realmente não me sinto apenas como um rapaz ou apenas como uma rapariga".
Mais musculado, sem perucas e com uma aparência mais masculina, Chris estreou-se na indústria pornográfica. Em 2011, disse à "Pop Crunch" que não estava a degradar a sua imagem ao mostrar o corpo: "O meu corpo foi desenhado pelo universo e a nudez é o meu estilo".
Dois anos depois, em 2013, à revista "Out", Chris admitiu arrepender-se e ter feito o filme pornográfico — mais pelo ex-namorado, Justin Dean, do que pela pornografia em si. "A única coisa que me passava pela cabeça [naquela altura] era construir um futuro com o meu namorado, receber uma casa, pagar uma hipoteca, essas coisas. Eu disse: 'Bem, se eu vou fazer isso, então vamos fazer com que valha mesmo a pena'."
Infelizmente, conta, a relação terminou uma semana antes do filme ser divulgado. "Contratualmente continuas a ter que promover o filme. Portanto, arrependo-me mais de ter feito isso com o meu ex do que de ter feito isso no geral".
Apesar de poder ter sido uma experiência com alguns percalços, Crocker voltou a repeti-la — e com Justin Dean. Em 2014, a Lucas Entertainment, uma produtora de filmes pornográficos voltados para o público gay, lançou o filme "Chris Crocker's Raw Love", onde Chris aparece a fazer sexo sem preservativo com o namorado.
Hoje, Chris Crocker continua ligado à indústria pornográfica. Num vídeo publicado em fevereiro, explica porque é que ninguém é melhor do que uma estrela porno.
"Muitos de vocês querem dizer que as estrelas pornográficas não têm auto-estima porque fazem pornografia. Eu quero saber o que é que te faz melhor do que a cabra do outro lado do ecrã. Mesmo que não vejas pornografias, eu sei do que é que o teu homem gosta. Homens solteiros veem, homens casados veem (...). Quanto muito deveria agradecer às estrelas pornográficas por não ter de chupar aquele pau quando não está com vontade, querida".
Chris Crocker continua sem papas na língua. E os fãs parecem gostar disso: no Instagram tem um milhão de seguidores, no Twitter são mais de 306 mil. Quanto ao YouTube, em 2015 fechou a conta que o tornou famoso. Em 2017 decidiu criar uma nova, onde partilha pequenos vídeos engraçados. Neste momento pouco mais de 10 mil subscritores.
Quanto à polémica com Britney Spears, para já ainda não disse nada — no Twitter, limita-se a partilhar alguns comentários de utilizadores que defendem a hashtag #FreeBritney. Mas talvez o seu amor pela estrela não tenha mudado muito desde que deu uma entrevista ao "The Huffington Post" em 2016.
"Eu terei sempre um fraquinho pela Britney porque amei-a desde a terceira classe. Já não sou inspirado por ela da mesma forma que era em criança, mas preocupo-me com ela enquanto pessoa. Foi por isso que fiz o vídeo em primeiro lugar. Não era sobre 'Oh, o desempenho dela foi tão incrível [no Video Music Awards], era sobre o seu bem-estar. Eu vou sempre importar-me com ela enquanto pessoa."