Olivia e Raul De Freitas, da África do Sul, são um casal recém-casado, que a 22 de março rumou às Maldivas. A ideia passava por ficar neste destino seis dias, instalados no resort Cinnamon Velifushi Maldives. No entanto, a aventura estava envolta em receios: afinal, a COVID-19 já era uma pandemia séria, o que poderia dificultar o regresso a casa, pelo crescente número de restrições que iam sendo impostas nos voos,  conta o "New York Times". Mas a agência de viagens descansou-os: independentemente daquilo que pudesse acontecer, todos os cidadãos sul-africanos teriam permissão para voltar a casa. Será? Já lá vamos.

Três dias depois da chegada, na quarta-feira, 25 de março, aconteceu aquilo que temiam: o casal recebeu um aviso de que os aeroportos do seu país estaria fechado a partir do dia seguinte, com todos os voos cancelados. Pensaram em partir de imediato, mas nunca daria tempo: para chegarem à África do Sul, teriam de passar por vários países e tempos de escala. Não iam conseguir aterrar.

Os outros hóspedes do resort foram partindo na semana anterior. Os últimos foram os americanos, que tiveram de pedir uma autorização para um voo rumo à Rússia, antes de conseguirem chegar aos Estados Unidos. Olivia e Raul fizeram o passeio de barco de uma hora e meia até à ilha principal, onde tentaram a sua sorte nesse aeroporto. Mas foi em vão: também as Maldivas anunciaram o seu próprio bloqueio, proibindo a entrada de novos viajantes estrangeiros. Ou seja: se eles se fossem embora e não fosse possível chegar à África do Sul, talvez não conseguissem voltar às Maldivas.

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Raul de Freitas viu, então, o copo meio-cheio. Disse a Olivia que tudo iria ficar bem e explicou que podia ser pior. Afinal, estavam isolados e sem saber como voltar para casa, mas ao menos estavam num "paraíso". Entretanto, não desistiram por completo de resolver a sua situação: contactaram o Consulado de África do Sul, nas Maldivas e no Sri Lanka (a mais próxima) para conseguirem ajuda.

Através do WhatsApp, um representante disse-lhes que estavam mais 40 sul-africanos espalhados pelas Maldivas e que a solução seria alugar um jato privado, que iria custar cerca de 104 mil dólares. Os custos poderiam ser divididos pela tripulação, mas 20 dos sul africanos presos nas Maldivas recusaram essa possibilidade. E, quanto menor o número de pessoas a bordo, mais caro o voo se tornaria. No entanto, o voo nem sequer tinha sido aprovado ainda e as discussões entre os representantes de África do Sul e do Ministério das Relações Externas das Malvidas seguiam. Nada a fazer. 

olivia

No domingo, uma semana após a sua chegada, Olivia e Raul eram os únicos hóspedes daquele resort nas Maldivas, que por esta altura do ano costuma hospedar cerca de 180 pessoas. Eles entendem que o seu dever era continuarem abertos para dar abrigo àquele casal, que não tinha outro sítio para onde ir. Passavam-se assim as duas primeiras semanas de casamento: com dias longos, preguiçosos e isolados do mundo, num resort deserto, numa ilha paradisíaca. Dormiam, comiam, mergulham, relaxavam na piscina e viviam o mesmo no dia seguinte.

Por causa deles, a equipa do resort continuava a trabalhar — terminadas as funções, seguiriam para quarentena. O staff gostava dos seus únicos hóspedes e dava-lhes um tratamento especial: o rapaz do quarto ia ver se estavam bem cinco vezes por dia; a equipa do restaurante preparava-lhes um elaborado jantar à luz das velas; todas as noites, os artistas faziam um espetáculo especial para eles; ao pequeno-almoço havia nove empregados na sala, ainda que apenas um estivesse atribuído à mesa onde Olivia e Raul se sentam; o instrutor de mergulho dava-lhes lições de snorkel.

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"Começámos a jogar muito ténis de mesa e snooker", disse Raul ao "New York Times", acrescentando que se tinha juntado aos jogos de futebol da equipa da tarde do resort.

"É incrível estarmos cá este tempo extra", reconheceu Raul de Freitas. Mas pesava-lhes na carteira: é que apesar do desconto generoso, a verdade é que a conta de hotel crescia todos os dias e retirava-lhes das poupanças o dinheiro que seria investido numa casa.

A maioria dos casos diagnosticados de COVID-19 nas Maldivas — menos de uma dúzia — já recuperou. O estado de emergência do Sul de África seria, supostamente, levantado a 16 de abril, ainda que, como em qualquer lado do mundo, é possível que seja revogado.

Apesar de tudo, este domingo, 5 de abril, o casal recebeu uma mensagem de WhatsApp da embaixada: tinham de preparar as malas, pois iam sair do resort. Disseram adeus a este paraíso, apanharam um barco e rumaram para outra unidade de cinco estrelas, onde estão retidos os outros sul-africanos, presos nas Maldivas. O governo deste país já anunciou que iria pagar parte das despesas destes dias-extra. No entanto, ainda não novidades sobre a data certa para regressarem a casa.