Foi certamente um dos procedimentos mais controversos na história da saúde. Em 1935, o médico português António Egas Moniz estava a assistir a uma conferência de Carlyle Jacobsen e John Fulton. Os cientistas da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, tinham feito uma experiência que consistia em cortar os lobos pré-frontais de chimpanzés.
Estas áreas do cérebro estão relacionadas com o comportamento social e emocional. Após esta intervenção, os animais tornaram-se mais dóceis, cooperantes e dispostos a desempenhar as tarefas que lhes eram pedidas. Egas Moniz ficou a pensar naquilo. E se o mesmo procedimento fosse feito em seres humanos?
A 12 de novembro de 1935, Egas Moniz e o cirurgião Almeida Lima fizeram a primeira lobotomia em pessoas. Sete pacientes foram sujeitos a buracos no crânio, e de seguida injetados com álcool. Por fim, foram cortadas as ligações fibrosas que unem os lobos frontais.
Os resultados foram inconclusivos: um terço dos pacientes apresentou melhorias, outro terço ficou exatamente igual e os restantes pioraram. Quase todos tiveram como efeitos secundários a apatia e insensibilidade afetiva.
Apesar de tudo, a comunidade científica ficou em êxtase. Numa altura em que não havia medicamentos capazes de controlar as doenças psiquiátricas, a lobotomia apresentava-se como a possível resposta a todos os problemas.
Em 1949, Egas Moniz recebeu o Nobel da Medicina. Era a primeira vez que um português recebia um prémio destes. Só viria a repetir-se 49 anos depois, com José Saramago a vencer o Nobel da Literatura.
Apesar de Egas Moniz ter afirmado em revistas científicas que este procedimento só fazia sentido em doentes incuráveis, um neurologista sem formação cirúrgica começou a utilizá-la indiscriminadamente. Falamos do norte-americano Walter Freeman, que realizou 3.500 lobotomias com pouca ou nenhuma base científica.
A cirurgia era assustadora. Freeman inventou um aparelho que consistia essencialmente num picador de gelo, que era martelado do globo ocular até ao cérebro. Este instrumento permitia realizar lobotomias rapidamente (média de 12 minutos), fora de uma sala de operações e sem assistência médica.
A loucura foi ainda mais longe. O médico arranjou uma carrinha a que deu o nome Lobotomóvel e lançou-se em viagem pelos Estados Unidos, a fazer lobotomias como quem vende enciclopédias. As doentes mais famosas foram a atriz Frances Farmer e Rosemary Kennedy, irmã de John F. Kennedy.
Muitos pacientes de Walter Freeman morreram. Outros ficaram incapacitados para a vida. Ainda assim, só mesmo com o aparecimento das drogas anti-psicóticas é que a lobotomia caiu em desuso. Quando um dos seus pacientes morreu, Freeman viu a sua licença médica revogada, mas continuou a conduzir o Lobotomóvel pelo país, a visitar doentes antigos.
Ao longo das suas viagens, Walter Freeman tirou várias fotografias às pessoas que tratou. Completamente indiferente ao seu sofrimento, o norte-americano sustentava a validade da lobotomia mostrando fotos de pacientes sorridentes após o procedimento.
Atenção: o vídeo que se segue pode chocar os leitores mais sensíveis.
Para os familiares e médicos, era tudo uma questão de aparência — o que interessava é que eles ficassem calmos e inofensivos. Freeman chegou mesmo a dizer, conforme cita o jornal "Público", que que era melhor para um paciente "ter um intelecto simplificado capaz de ações elementares do que um intelecto em que reina a desordem da síntese subtil."
"A sociedade pode acomodar-se ao trabalhador humilde, mas justificadamente desconfia do pensador louco".
Mostramos-lhe de seguida imagens chocantes de antes e depois de 22 pacientes sujeitos a uma lobotomia por Walter Freeman.