Pelo menos desde 2019 que havia relatos de assédio sexual e moral na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), mas só esta segunda-feira (4) foram reveladas as agressões, através de um relatório que denunciou “problemas sérios e reiterados de assédio sexual e moral” por parte dos docentes. 

Muitos dos estudantes não ficaram surpreendidos, porque os avisos e comentários já circulavam pelos corredores da instituição de ensino. A Comissão de Estudantes e o Conselho Pedagógico (CP) quiseram averiguar o ambiente académico. Por isso, juntamente com alguns professores da faculdade criaram um email para receber eventuais denúncias anónimas, iniciativa a partir da qual se desenvolveu o relatório. 

Em 11 dias, de 14 a 25 de março, chegaram  70 queixas de assédio sexual e discriminação, das quais 50 foram consideradas graves. O nome dos professores mencionados foram escritos com siglas, de modo a que apenas a Comissão de Estudantes pudesse identificá-los, numa atitude em prol da "proteção de dados". 

Tal como noticiou o Diário de Notícias (DN), nesta segunda-feira (4), as queixas foram relativas a 10% dos professores da faculdade. A mesma fonte escreveu que dos 31 professores visados, sete concentram mais de metade dos relatos e que a Associação Académica (AA) fala num “clima de medo”, no qual alguns professores, segundo o documento, ofereciam benefícios académicos em troca de favores sexuais. 

As visadas dos alegados agressores a nível sexual e sexista foram maioritariamente mulheres. Muitas das queixas remontam a 2012, tendo ex-alunas aproveitado a iniciativa da Comissão de Estudantes para quebrar o silêncio. Já os alvos de discriminação, xenofobia/racismo “terão sido alunos brasileiros, negros ou originários de países africanos de língua oficial portuguesa”, escreveu o DN.

As agressões, segundo os relatos dos emails enviados pelas alunas, aconteciam em contexto de sala de aula, também durante avaliações, e no online. Chegaram até a ser enviadas mensagens com fotografias de cariz sexual. 

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Há, por exemplo, um professor auxiliar que, entre 2019 e 2020, convidou várias das suas alunas para serem suas amigas na rede social Facebook e depois começava a enviar-lhes mensagens de madrugada a tentar meter conversa do género: "oi, como está?, "se reparar, não posso ter mais amigos no Facebook, tive de eliminar uns LOL mas não quero abusar", entre outras, como escreveu o DN.

À mesma fonte, o presidente do CP, António Barreto Menezes Cordeiro, mostrou-se chocado com as denúncias, afirmando não ter conhecimento de terem sido apresentados casos de assédio, pelo menos com “contornos desta gravidade” nos vários mandatos anteriores do órgão. Também a diretora da instituição, Paula Vaz Freire, desconhecia os eventos até chegarem à opinião pública. Contudo, disse ao DN apoiar a formulação de um código de conduta para “avaliar determinadas condutas como infrações”. 

Além disso, a diretora sublinhou a importância do relatório elaborado a partir desta iniciativa de “canal aberto” aos estudantes. “É muito oportuno e útil para saber o que se passa na escola”, considerou. No entanto, negou o medo descrito por alguns. “Não tenho noção de que exista um clima de terror generalizado na faculdade”. 

Quais as ações após as denúncias?

Após a descoberta, a faculdade anunciou ainda que iria criar um endereço de email (queixas@fd.ulisboa.pt) para continuar a receber possíveis queixas. E esta terça-feira (5) quando o relatório chegou às mãos da direção da faculdade imediatamente se decidiu abrir um gabinete de apoio às vítimas de assédio, em parceria com a Ordem dos Advogados (OA) e Psicólogos, promovendo a denúncia de agressões. O antigo bastonário dos advogados Rogério Alves foi o escolhido para acompanhar os alunos, anunciou esta quarta-feira (6) a OA.

Para os estudantes da instituição a medida foi adequada, mas poderá ser insuficiente se não mudar a cultura que alegadamente estará enraizada na Faculdade de Direito. O grande objetivo é que as queixas recebidas sigam para as autoridades competentes para que possam ser investigadas. O que resultará das denúncias depende da existência de reclamações formais feitas pelos estudantes, uma vez que não sendo o assédio sexual per si um crime público, o Ministério Público não tem permissão para investigar autonomamente. 

Catarina Preto, presidente da AA da faculdade que fez parte da comissão paritária que analisou os relatos, disse ao DN que se vai tentar “que os alunos avancem com as queixas, mas há um sentimento de impunidade, até porque os casos de assédio sexual na faculdade normalmente são reincidentes”. De facto, esta não foi a primeira vez que a Faculdade de Direito sofreu denúncias.

Há dois anos, duas alunas queixaram-se do professor e ex-secretário de Estado, Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins, que foi alvo de um processo disciplinar e aconselhado pela direção da faculdade apenas a pedir desculpas às alunas. Nesta quarta-feira (6), na reunião magna dos estudantes em Direito chegou até ser ponderado um requerimento com vista ao seu afastamento, de acordo com a CNN Portugal

Enquanto ações vão sendo tomadas pela direção académica há também quem vá protestar em frente à reitoria da UL, tendo sido marcada para hoje, dia 7 de abril, às 18 horas, uma manifestação contra o assédio sexual no meio académico, organizada pelo Movimento Contra o Assédio Sexual nas Universidades de Lisboa. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que já lecionou na instituição, já reagiu à polémica mostrando esperar que a lei seja devidamente cumprida. A ministra do Ensino Superior Elvira Fortunato também já mostrou preocupação, apelando para que as faculdades sejam exemplares a tratar das denúncias.

Recorde-se que a última polémica semelhante aconteceu em dezembro do ano passado, quando se tornaram públicos os casos de violência na Universidade do Minho, tendo-se criado, por iniciativa da reitoria da instituição, um Grupo de Missão para a Elaboração de Orientações de Prevenção e Combate ao Assédio. Este organismo criou um relatório a apresentar várias medidas com vista a prevenir e combater situações de assédio. 

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