O caso tem 12 anos e a Maria das Dores faltam cumprir mais 11 dos 23 a que foi condenada após ter ordenado a morte do marido, em 2007. Depois de um silêncio de mais de uma década, a socialite deu uma entrevista a Cristina Ferreira e escreveu um livro intitulado "Eu, Maria das Dores, me Confesso", onde explica as motivações para um dos crimes portugueses mais mediáticos.
O livro foi apresentado à imprensa a 12 de setembro e contou com a presença de David Motta, o filho mais velho de Maria das Dores, que acompanhou o julgamento e todo o processo de reclusão da mãe desde o início. Em entrevista à MAGG, reforça que a ideia principal do livro nunca foi branquear ou desculpabilizar o crime, mas sim dar a conhecer a história de uma mulher que cedeu ao ódio e tomou uma decisão drástica que lhe mudou a vida.
"Num dos textos que ela gostava que eu tivesse lido na apresentação do livro, apelava a que todas as mulheres com problemas conjugais procurassem ajuda. Precisamente porque todas as soluções são melhores do que aquela que ela tomou", explica.
Mas David diz que o livro é também uma forma de dar a Duarte (o filho mais novo que Maria das Dores não vê desde que foi presa) uma visão diferente daquela que as revistas pintaram da mãe. E desde a condenação que o jovem, agora com cerca de 21 anos, viveu longe do olhar atento da imprensa.
Sabe-se pouco sobre Duarte, a não ser que estuda Medicina e que desde o afastamento da mãe nunca abdicou do seguro de saúde e da pensão de alimentação que Maria das Dores lhe paga todos os meses, conta David. O jovem diz não sentir revolta, até porque percebe o seu lado. "Ao longo de todo este tempo ele foi crescendo com a imagem de que a mãe era um monstro", lamenta.
Em que contexto surge este livro?
A minha mãe escreve desde o primeiro dia de reclusão. Houve vários pormenores que ajudaram a criar a figura da minha mãe semelhante à personagem de uma qualquer telenovela. Falou-se de que era uma socialite que, apaixonada por um empresário de sucesso, queria dar o golpe do baú. Na verdade, quando eles se conheceram o meu padrasto ainda não era nenhum empresário bem-sucedido.
Aliás, a ascensão dele aconteceu na altura em que a carreira da minha mãe na banca estava em declínio. Houve várias necessidades a satisfazer com este livro: a primeira, que me parece ser essencial, passa por deixar um testemunho daquilo que é o ser humano — que as pessoas gostam de julgar com muita facilidade porque a história é, toda ela, muito atraente. Podia fazer parte de uma novela com a Alexandra Lencastre sobre uma mulher que decide matar o marido para lhe ficar com seguro de saúde.
A minha mãe não ficou com seguro nenhum e diz isso no livro: que trabalhando na área da banca, sabia perfeitamente que em casos de homicídio as coisas não eram assim tão lineares. Mas foi isso que disse e o que vendeu revistas, mas a minha mãe nunca pediu para que o caso fosse mediático. Pediu até, junto do Ministério Público, que não fossem autorizadas gravações de vídeo, som ou imagem durante o julgamento.
O objetivo nunca é branquear ou desculpabilizar o crime que cometeu?
Nunca foi esse. Tudo o que ela fez é reprovável e está arrependida há muito tempo, não é de agora. Num dos textos que ela gostava que eu tivesse lido na apresentação do livro, apelava a que todas as mulheres com problemas conjugais procurassem ajuda. Precisamente porque todas as soluções são melhores do que aquela que ela tomou, que foi drástica e que lhe mudou a vida para sempre.
Entre o amor e o ódio há uma linha muito ténue. Se a isso juntarmos a ideia de que a minha mãe previa um pedido de divórcio e a amputação do braço a deixaria incapaz de tomar conta do filho sozinha…
Está a justificar o crime?
É óbvio que não justifica, mas explica. Juntamente com o ciúme, a traição e todos os outros pormenores que estão descritos no livro. O livro tenta fazer isso ao longo das 184 páginas: explicar ao grande público como é que se chega ao ponto em que a minha mãe chegou. Não é, como tenho ouvido dizer, mostrar publicamente ao Tribunal de Execução de Penas ou à Justiça como está arrependida.
No livro, Maria das Dores acusa José Castelo Branco de a visitar à prisão apenas com o intuito de a fotografar para vender às revistas. Contactado pela MAGG, Castelo Branco rejeitou as acusações. Isto faz-lhe sentido?
Estive a par dessa situação porque o José Castelo Branco enviou-me uma mensagem a falar do assunto depois de um jornalista o ter contactado sobre o tema. Eu disse-lhe que ele tinha ficado muito mal visto devido aos comentários que fez sobre o Eduardo Beauté e as críticas ao Luís Borges, e que este era um tema sério.
Trata-se de um livro sério, editado por uma editora séria e que, por isso, não estávamos em meados de 2000 a brincar às revistas cor de rosa. Pedi-lhe para ter cuidado com o que dizia, até porque já tinha sido processado pela família do meu padrasto por danos morais — tudo isto porque ele disse que o meu padrasto estava alcoolizado durante o desastre de carro. E não estava. Disse-lhe: “Zé, não comentes”.
Mas comentou.
Claro, ele comenta sempre.
Confrontado pela MAGG com as acusações, José Castelo Branco disse que a sua mãe não estava a contar a história toda e que esteve na prisão em âmbito de entrevista.
Sou amigo do Zé desde os 14 anos. Ele já me ajudou e eu a ele. Eu, ele e a Betty temos uma relação de intimidade muito grande, ao ponto de, se for preciso, adormecermos os três no sofá ou na cama a ver um filme. Adoro-os de paixão e reconheço o génio do Zé, mas nada do que ele diga num contexto de mais seriedade possível pode ser levado a sério. Basta ver aquilo que ele tem escrito e dito ultimamente e que depois o obriga a recuar ou a mudar de ideias sobre as declarações que dá.
O Zé gosta de aparecer e se alguma revista ou órgão de comunicação social lhe liga, ele vai sempre responder. O que é um facto é que ele entrou, tirou a fotografia e a diretora da cadeia foi despedida porque àquela hora já não era suposto haver visitas.
Diz também que não recebeu um cêntimo pela fotografia.
Na altura, o Zé tinha uma rubrica no jornal “24 Horas”. Isso significa que estava a ser pago para escrever sobre aquele assunto. E tenho quase a certeza que a fotografia que apareceu no jornal foi uma só com a minha mãe, onde ela estava muito despenteada. Ele diz que pediu ao guarda para tirar uma fotografia com ele e com ela, mas não me lembro de alguma vez a ter visto publicada.
E também não me lembro de, nesse jornal, ver um papel assinado pela minha mãe a conceder a entrevista. Quando ele falou comigo ao telefone, entrou em várias contradições. Primeiro disse que na altura não havia telemóveis para gravar conversas e, por isso, a entrevista foi toda ela gravada com um gravador. Mas cinco minutos depois já me dizia que tinha registado a conversa por escrito.
O Zé não faz por mal. Não é mentiroso, tem um coração enorme e é, efetivamente, boa pessoa. Ele acreditou piamente que, ao fazer aquilo, estava a ajudar a minha mãe. É muito ingénuo.
A opinião acerca da sua mãe mudou com os relatos inéditos que foi ouvindo?
Foi mudando claro, até porque estava à distância. Fui viver para Londres no final de 2008 e estive fora de Portugal durante cerca de oito anos. Durante esse tempo, o contacto que tinha com a minha mãe era através de cartas e cinco minutos de conversa por telefone — que nem sempre eram assegurados. Ou porque as cabines estavam ocupadas, ou porque o saldo do cartão telefónico tinha caducado.
Mesmo agora, à exceção das saídas precárias que nos permitiram passar muito tempo juntos, converso com a minha mãe cerca de cinco minutos por dia e uma hora quando a visito à prisão. Mas claro, tudo muda. A linguagem corporal de uma pessoa altiva e confiante desapareceu, porque a pessoa que ali está agora é uma pessoa em constante penitência e castigo.
Foi boa mãe?
Foi uma ótima mãe para mim. O facto de eu ter esta força e esta capacidade de estar aqui a falar com esta fluidez, a ela o devo. O meu pai é uma pessoa muito inteligente e culta, mas mais recatada. Muitas das qualidades que me permitiram sobreviver ao trauma desta situação, devo inteiramente ao lado bom da minha mãe e que ela me transmitiu.
No livro, Maria das Dores fala num crime que deixou muitas vítimas. O David considera-se uma?
Sim, embora nunca me tenha vitimizado.
Guarda rancor da sua mãe?
Não. Logicamente, é uma cruz que carrego e que vou carregar para sempre mas já ultrapassei essa fase e dei a volta. Aceitei que a minha mãe cometeu este erro e decidi seguir em frente com a minha vida. Na altura, senti-me lesado emocional e monetariamente, mas aceitei desde muito cedo que toda a gente tem problemas. O meu, por acaso, tornou-se mediático.
Mas é um mediatismo que nunca ninguém pediu. Li uma peça recente sobre o livro que dizia que a minha mãe tinha escrito o livro por dinheiro e isto é um disparate. Ninguém escreve um livro para ficar rico. Aliás, nós não podíamos prever como é que o livro ia correr, precisamente porque já tinham passado muitos anos desde que o crime foi cometido. Curiosamente, a família do meu padrasto ainda estava a fazer o seu luto quando escreveu um livro e o vendeu — na altura mais mediática do caso.
Durante todo este processo, também o David foi muito atacado. Em grande parte devido ao preconceito com que é olhado pela forma como se apresenta em público.
Claro, sem dúvida. Felizmente as coisas estão muito melhor agora do que há uns anos. Li o livro da família do meu padrasto onde há uma mensagem direcionada a mim, escrita pelo pai da vítima que também é médico, onde alerta para o facto de, na altura, a homossexualidade ser uma doença de foro mental. E ele não faz ideia se eu sou ou não homossexual porque o facto de me vestir assim não significa que o seja.
Ouvi muitas vezes que bastava olhar para a forma como eu me vestia para perceber que era o enviado do demónio. Acharam que era cúmplice da minha mãe porque alguém que tem este aspeto não pode ser boa pessoa.
Essa visão não se perpetuou?
Não sinto isso, talvez por viver numa bolha.
Não vivemos todos?
Sim, mas a minha talvez não seja representativa daquilo que é a visão do mundo. O meu trabalho e as pessoas com quem me dou potenciam isso. Foi uma fortaleza que fui criando e para a qual trabalho muito. Trabalho muito para poder apanhar um Uber e não um autocarro, por exemplo, porque sei que seria mais difícil para mim se não tivesse essa possibilidade.
Ao longo de todo este processo, a sua mãe pediu-lhe desculpa?
Até demais. Durante as saídas precárias tinha muitos ataques de choro principalmente durante algum problema burocrático que surgia. Nessas alturas eu fazia um qualquer desabafo e na cabeça dela acionava qualquer coisa que a fazia perder a calma.
Decorrente desse sentimento de culpa perpétuo?
Sim, que remete para a ideia de que se ela não tivesse feito o que fez, nada daquilo acontecia.
Demorou a desculpar?
Nunca medi o tempo dessa forma, confesso. Quando há amor incondicional, há sempre espaço para o perdão. Fui educado em colégios católicos e dessa experiência retirei sempre a importância de se saber perdoar. Talvez por isso não me considere uma pessoa rancorosa.
A alternativa era ficar chateado com ela e cortar relações, mas isso não iria resolver nada. A vida ia ser ainda mais complicada — para mim e para ela.
O desejo de Maria das Dores ainda é ver Duarte, o filho mais novo?
Em 2007, sim. Atualmente, o desejo não é só vê-lo. É também dar-lhe oportunidade de perceber que ao contrário daquilo que lhe deram a ler de forma indevida, como revistas cor de rosa carregadas de mentiras, Maria das Dores não é só a pessoa que aparece quando se procura o nome dela na internet.
Durante a apresentação do livro, garantiu que não conhecia Duarte. Nunca o procurou pelas redes sociais?
Tentei uma vez e sei quais são as contas de Instagram e Facebook dele. Acho curioso não estar bloqueado na totalidade. Consigo ver o perfil no Facebook, já que o Instagram é privado, mas não vejo grande parte do conteúdo. Mas tem algumas atualizações porque em 2014 ele não estava a estudar Medicina.
Nunca sentiu necessidade de o abordar?
Quando senti e o procurei, fui rejeitado. Respeitei a decisão dele. A minha conta de Instagram é aberta e no meu site oficial estão todas as informações necessárias para chegar até mim, caso ele alguma vez sinta essa necessidade.
Acha que alguma vez ele o vai contactar?
Não estou à espera disso. É verdade que as pessoas mudam, mas o meu irmão cresceu com o trauma e uma dor que eu não conheço porque, felizmente, nunca perdi o meu pai ou a minha mãe. Mas é importante contextualizar o background socio-cultural do Duarte: foi educado pelos avós que, na altura, já tinham quase 80 anos, num colégio da Opus Dei por pessoas muito conservadoras. Daquelas que cantam nos coros da igreja.
Não tenho nada contra, mas é importante que se perceba que foi nesta conjuntura que o Duarte cresceu. Não sei se ele ainda vive neste contexto porque já tem 21 anos e herdou aos 18 — embora continue a aceitar a pensão de alimentação que a minha mãe lhe paga todos os meses e que, por lei, só deixará de receber quando terminar os estudos.
O Duarte faz questão de não ver a mãe, mas não abdica do seguro de saúde dela.
Isso revolta-o?
Não revolta, mas deixa-me a pensar. É tudo uma série de sentimentos conflituosos. Gosto muito do conforto e da beleza das coisas, mas nada do que seja material me incomoda muito. Mas percebo o lado dele, até porque ao longo de todo este tempo ele foi crescendo com a imagem de que a mãe era um monstro.