É o mágico português mais premiado do mundo e são poucos os que sabem que tem em casa uma das maiores bibliotecas de magia do mundo, com mais de cinco mil livros. Tem 47 anos, mas vai ser sempre o rapaz muito bem penteado que, nos anos 90, começou a mostrar ao País que fazer magia era mais do que adivinhar o rei de espadas.
Em dezembro volta aos palcos portugueses com o espetáculo "Impossível ao Vivo" mas, para já, decidimos tirar aquelas dúvidas que sempre tivemos sobre alguém que ganha a vida a tirar coelhos da cartola ou, no caso de Luís de Matos, a fazer desaparecer 52.001 lenços azuis no decorrer do espetáculo de inauguração do Estádio do Dragão.
Como é que está inscrito nas finanças?
Existe a profissão de mágico e eu faço sempre questão de preencher todos os formulários como "mágico". Estou inscrito nas finanças na rubrica correspondente, que engloba todos os artistas da rádio, televisão, disco e cassete pirata e devo ser o único mágico sócio de uma sociedade nacional de autores.
As pessoas estão sempre à espera que faça um truque?
Hoje em dia já não, mas no principio sim. Nunca me senti muito confortável em lidar com a minha profissão que, mesmo a sorrir e com humor, levo tanto a sério. A verdade é que se eu fosse poeta não me pediriam para escrever um poema a toda a hora — ou a uma bailarina para se pôr em pontas, ou a um pintor para pintar um quadro. Não tenho que estar sempre disponível para fazer truques e criar ilusões. A magia é o meu hobbie, a minha paixão e a minha profissão, mas não é o meu dia a dia.
Mas faz truques no dia a dia?
Não. Faço durante o trabalho, porque, ao contrário do que as pessoas pensam, eu trabalho todos os dias das 9 às 18 horas.
Como é o dia a dia de um mágico?
Normalmente, o modelo de negócio de um artista passa sempre por ter um agente e um manager. Eu não, nunca tive um agente ou um manager, tenho sim uma equipa permanente de oito pessoas que trabalha todos os dias como o senhor do banco ou o do supermercado. Todos os dias vamos trabalhar das 9 às 18 horas, vamos almoçar das 13 às 14 horas, o normal. Claro que fruto do tipo de trabalho que temos, às vezes não é até às 18 horas, mas é até às 6 horas do dia seguinte, ou são três semanas seguidas.
E quanto desse tempo é passado a treinar?
As minhas horas no escritório podem ser passadas a estudar na biblioteca, a responder a emails, a fazer propostas, editar vídeo, ensaiar no palco. Devia haver uma disciplina melhor, assumo, mas não é assim que funciono. Escolhi este caminho para a minha vida exatamente porque me dava liberdade.
Qualquer pessoa pode ser mágico se treinar para isso?
Sim. É um bocadinho exagerado, mas acho que qualquer pessoa pode ser o que quiser. Primeiro tem que querer muito e estar disposta a compensar com a paixão uma possível falta de talento ou de disciplina. Há limites: por muito que quisesse ser cantor, não conseguia.
Qual foi a maior coisa que fizeste desaparecer?
Um camião.
Qual foi o teu primeiro truque?
Não foi grande coisa. Foi na festa de Natal da escola, aos 11 anos, em que fiz um dado viajar de uma cartola para dentro de uma caixa.
Há diferença entre truque, magia e ilusão?
Truque é o sistema que se usa, é a viola do músico ou o pincel do pintor. No caso do mágico pode ser um espelho, um fio, um íman, um alçapão, um comando à distância. Tudo o que pode ser usado sem que o público se aperceba e que permita que algo de extraordinário aconteça. Com esses truques, e alguma inspiração, consigo criar ilusão. Mas posso criá-la em casa, sozinho, mas aí ainda não é magia. A magia acontece quando essa ilusão é partilhada em cima de um palco, para um grupo de espetadores, para quem aquilo é tão inexplicável que é mágico.
Alguma vez falhou em público?
Sempre. As pessoas têm a noção de que falhar é quando tento fazer um coelho aparecer e ele não está lá ou que estalo os dedos e afinal o carro não desapareceu, ou que deixo cair as cartas da mão. Falhas destas nunca aconteceram, mas há outro nível de falhas, que para mim são difíceis de gerir. Um cantor que faça um espetáculo em playback vai sempre ser impecável, o problema é que a magia nunca é feita em playback.
Mas houve alguém a perceber qual era o truque?
Não. Ou se houve foi tão simpático que nunca me disse.
Naqueles truques em que o mágico adivinha a carta em que o público está a pensar, alguma vez escolheu a carta errada?
Não me lembro, mas quase de certeza que sim. Mas quase de certeza que foi possível corrigir a situação para que aquilo não fosse o fim do mundo para quem estava a assistir.
Quando escolhe alguém do público é mesmo aleatório?
Completamente aleatório, de tal forma que no último espetáculo eu atiro três Angry Birds gigantes que andam a saltitar até que a musica pare. Vem ao palco quem estiver com o boneco na mão.
Alguma vez pôs a vida em risco para um truque?
Sim, várias vezes, a maior parte das vezes de forma deliberada. Claro que é perigoso atravessar a passadeira, mas mais perigoso é quando decidimos ir para debaixo de água durante cinco minutos ou quando nos enterramos vivos. E eu já fiz isso tudo.
Há limites para a magia?
Eu gosto de pensar que não. Não há limites para a arte e é sempre possível reinventá-la.
Porque é que um mágico tem sempre associada uma assistente gira?
Nem todas as assistentes são giras, atenção. Mas tenho a preocupação que tudo o que partilho em cima do palco seja esteticamente apelativo.
É o Luís que as escolhe?
Sim. No próximo espetáculo, a assistente está comigo há 17 anos. É bonita? Claro que é bonita, mas é muito mais do que isso. Há todo um treino, uma cumplicidade, todo um percurso de interação entre nós.
Como é que se serra uma assistente a meio?
Com muito cuidado.
Teve aqueles kits de magia que se dão aos miúdos?
Já fiz os meus, que já serviram outras crianças. Mas nunca tive em criança, tenho que reclamar isso.
Sem que fossem impostos limites, que truque gostava de fazer?
É sempre aquele cuja inspiração me vai chegar amanhã. Quando olho para trás não consigo escolher um favorito nem escolher o melhor de todos. Espero sempre acordar amanhã com uma ideia espetacular.
Ganha a vida a enganar pessoas. Vive bem com isso?
A minha profissão é das mais honestas que existem, porque eu digo às pessoas que as vou enganar e engano. Existem imensas profissões que enganam mas nunca avisam e quando nos apercebemos já é tarde demais.