É vegan há nove anos e tem uma cadela chamada Luna. Só compra pasta de dentes que venha em boiões de vidro e é certo que, para as compras, leva sempre os sacos de rede onde guarda a fruta e os legumes. Inês de Sousa Real, 39 anos, é também a deputada municipal do PAN — o Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza em Lisboa, aquele que ambiciona, para as eleições legislativas de outubro, eleger um segundo deputado para a Assembleia da República.
Na sede do partido, no coração da Avenida Almirante Reis, a professora da Faculdade de Direito de Lisboa sentou-se com a MAGG para debater alguns temas. Taxar, regulamentar, e o bom senso terão sido as expressões mais repetidas pela deputada nesta conversa. Da necessidade de medidas que fomentem práticas mais sustentáveis — porque o combate à crise climática, considera, deve ser a prioridade — saltámos para outros temas: a polémica em torno dos matadouros, das touradas, sobre problemas sociais como a violência doméstica e os sem-abrigo ou o turismo, sem esquecer aquelas que considera serem as prioridades atuais do País.
Qual é a maior falha das pessoas face ao ambiente?
Uma das coisas relacionadas com a sustentabilidade e que as pessoas — ou Portugal, no seu coletivo — não tem estado a fazer tem que ver com a reciclagem. Não estamos a cumprir as metas estabelecidas e seria extremamente importante que se apostasse mais, não só na reciclagem, mas, acima de tudo, na redução, evitando o consumo de produtos que possam ter plástico excessivo ou desnecessário, como é o caso da fruta embalada. Há pequenos grandes gestos que evitam a presença de plástico nas nossas vidas, cuja utilização excessiva tem sido um dos maiores flagelos das últimas décadas.
Temos de repensar as políticas públicas e centrarmo-nos naquilo que é prioritário. O prioritário é combater a crise climática em que vivemos"
Nos supermercados, no caso das frutas e dos legumes é possível prescindir dos plásticos. Mas e no resto? Tudo tem plástico. Como é que o consumidor faz a escolha certa quando o mal está tão enraizado?
Desde logo, através da criação de incentivos. Podemos incentivar através de políticas públicas, para que seja privilegiada a venda a granel e também através da tara recuperável. Assim, incentivamos as pessoas a evitar esta produção de resíduos e fomentamos, de alguma forma, a economia circular, tema sobre o qual nem sempre se fala com a seriedade devida. Porque é que não havemos de aproveitar um frasco que embala o grão para servir como um copo? Temos de mudar o paradigma em que vivemos e pensar que todos os atos do nosso dia a dia têm uma pegada ecológica e ambiental. Também se tem de olhar para os orçamentos das entidades e pensar: qual é a pegada ambiental que este orçamento vai ter? Estamos ou não a implementar medidas suficientes que nos permitam incentivar uma economia mais sustentável e que tenha a médio e longo prazo um impacto na melhor qualidade de vida das populações e no meio ambiente?
Uma das medidas para abolirmos a utilização do plástico e que foi aprovada na Assembleia Municipal de Lisboa foi a introdução de mais bebedouros e de pontos em que se possam encher as garrafas, para que se eliminem as de plástico. Mas estará a cidade preparada com uma rede para o abastecimento? É um dever das políticas públicas dar resposta a esta necessidade. Estes são exemplos de pequenas práticas importantes.
Para o Orçamento de Estado de 2019, o PAN pediu, na Assembleia Municipal, que fossem reforçadas as verbas afetas aos programas de solução de alojamento para pessoas em situação de sem-abrigo, cujo valor orçamentava dois milhões de euros. Esta proposta foi recusada pelo PS e demais forças. No entanto, temos depois para o HUB do Beato 30 milhões de euros"
Como é que a Inês o faz no seu dia a dia para ser mais sustentável?
Quando começamos a estudar as políticas que queremos ver implementadas, deparamo-nos sobre o que é que fazemos no nosso dia a dia. Por exemplo, a pasta de dentes: passei a adquirir produtos de pasta de dentes em boiões de vidro, feitos a partir de produtos naturais, que não são experimentados em animais, que não têm componentes nocivas para o meio ambiente. Quando vou às compras no supermercado levo, não só as sacolas de pano, mas também os sacos de rede para embalar e pesar a fruta. Claro que depois passo por todo aquele fenómeno de chegar à caixa do supermercado e tenho ali um saco de rede que tenho de retirar, colocar para pesar, mas, de facto, já é visto com muita naturalidade. E é assim que tem de ser, porque só assim vamos conseguir abolir o plástico das nossas vidas.
Quando é que começou a implementar estas práticas?
Não existe uma data oficial em que tenha começado a ter estas preocupações. Eu já tenho um estilo de vida vegan há nove anos. Isto começou com a questão de deixar de comer carne e peixe, mas, atrás disso, veio toda a componente ambiental. Foi um processo irreversível porque sermos vegan ou eticamente responsáveis acaba por ser uma filosofia de vida, com preocupações que passam também por vestirmos roupas com fibras naturais em vez de fibras sintéticas em que está também presente o plástico.
Os produtos de cosmética vegan e sustentáveis tendem a ser mais caros. A roupa também. O ordenado mínimo ronda os 600€. Como é que se equilibra isto?
Há uma componente a nível da fiscalidade que é extremamente importante. Deve haver aqui um agravamento dos produtos que não são responsáveis social e ambientalmente e, em contrapartida, haver uma espécie de eco taxa para os produtos mais ecológicos. Isso são as políticas públicas. Temos lutado, através do Orçamento de Estado, para introduzir esse tipo de medidas que valorizem aquilo que possa ser uma aposta em produtos mais sustentáveis e também mais responsáveis. Temos de pensar na pegada ambiental, mas também social.
E como é que se lida com a pegada ecológica do turismo?
Isso é um tema que dá pano para mangas. Temos defendido que é necessária a existência de um turismo mais sustentável, que acrescente valor às próprias cidades. Por um lado, não podemos diabolizar o turismo porque ele tem permitido reduzir a divida pública, mas, por outro, não nos podemos deixar deslumbrar, porque qualquer dia parecemos um parque de diversões, ao invés de sermos uma cidade com a sua identidade preservada.
É preciso fazer um estudo sobre a capacidade da carga turística das cidades, não apenas de Lisboa — e nós propusemos isto na Assembleia Municipal —, para percebermos até onde é que podemos ir e a partir de onde é que estamos a passar o limite da capacidade de receber turistas. Há que olhar para a questão da democratização das viagens e do impacto que o turismo está a ter, sobre múltiplas perspetivas, incluindo ambientais porque quem cá vem deixa uma pegada que tem, de alguma forma, de ser compensada e isso só se consegue colmatar apostando, não só na diversidade de oferta turística — nomeadamente no encaminhamento das pessoas para o interior, para que as principais cidades não sejam tão pressionadas —, mas também tendo uma capacidade de resposta para a higiene urbana, das limpezas das ruas, das descargas dos resíduos e das águas. Há toda uma interligação destas diferentes políticas. Não podemos diabolizar o turismo, mas não podemos deixar-nos deslumbrar,
Mas podemos ir mais atrás e falar da pegada ecológica que os aviões deixam.
Voltamos à questão da fiscalidade. É preciso que as pessoas viagem mais de comboio, através de meios alternativos que tenham uma pegada carbónica mais reduzida. Temos também de repensar todo este frenesim de queremos conhecer o mundo inteiro num só ano. Temos de abrandar. Temos de pensar em formas de desacelerar este crescimento, porque senão continuamos a penhorar o nosso ambiente. Em Lisboa, temos um exemplo paradoxal disto: no centro, não é possível circular com veículos de matrículas mais antigas e, no entanto, precisamente nessa zona de emissões reduzidas, é possível atracar navios de cruzeiro com uma pegada ambiental muito mais elevada do que qualquer veiculo automóvel. Proíbe-se de um lado a circulação dos carros, mas podem entrar os navios e vir poluir a nossa cidade.
Que medidas é que permitem abrandar?
Através de instrumentos regulatórios: regular não só os horários em que é possível haver voos, mas também o número de voos permitidos e o número de pessoas que podem chegar às cidades. Tem de haver este pensamento sobre as ferramentas que não limitam, mas regulam, promovendo a qualidade de vida de todos — de quem cá vive e de quem vem cá visitar-nos. Isto não é possível exclusivamente através da taxa turística. Tem de haver outros instrumentos regulatórios. Temos de repensar as políticas públicas e centrarmo-nos naquilo que é prioritário. O prioritário é combater a crise climática em que vivemos.
Deve ser a prioridade absoluta do país?
Tem de ser uma prioridade, sim. Obviamente que existem outras prioridades aliadas a esta: temos falhas nos direitos sociais gravíssimas, temos situações de pobreza, pessoas em especial situação de vulnerabilidade, questões da violência doméstica. Tudo isto poderá ser penhorado se nós não olharmos com a seriedade que se impõe para a emergência climática.
É frequente ouvirmos que o PAN olha para os animais e o ambiente e pouco para as reformas estruturais mais ligadas à vida das pessoas.
O PAN tem combatido contra as desigualdades estruturais que ainda persistem. Esse trabalho tem sido feito, não só a nível da Assembleia da Republica, mas também nas Assembleias Municipais. Na de Lisboa propusemos que fosse criada uma estratégia, não só municipal, mas também nacional, de combate à pobreza, que foi aprovada e remetido para a Assembleia da Republica. No âmbito da violência doméstica, têm sido aprovadas inúmeras propostas, desde logo que permitam o melhor acolhimento à vítima. No âmbito de pessoas em condição de sem-abrigo, temos apresentado inúmeras iniciativas. Aliás, para o Orçamento de Estado de 2019, o PAN pediu, na Assembleia Municipal, que fossem reforçadas as verbas afetas aos programas de solução de alojamento para pessoas em situação de sem-abrigo, cujo valor orçamentava dois milhões de euros. Esta proposta foi recusada pelo PS e demais forças. No entanto, temos depois para o HUB do Beato 30 milhões de euros. Temos de centrar as prioridades nas nossas políticas e o PAN tem trabalhado nesse sentido.
De onde vem esses comentários, então?
Esse tipo de comentário normalmente existe por algum desconhecimento do que tem sido feito e também por alguma tentativa de descredibilização por parte de alguns setores, porque, durante algum tempo, houve uma tentativa de ridicularizar aquilo que era uma preocupação legitima, como é o bem-estar animal e ambiental. Não nos podemos esquecer que, independentemente de lutarmos por diferentes tipos de políticas, e de levarmos causas à Assembleia da Republica que até ali não tinham sido levadas, é legitimo este tipo de preocupação face a outros seres que partilham a sua existência connosco no Planeta.
Se tivesse a oportunidade de implementar uma medida — qualquer uma — qual seria?
É muito difícil escolher. Mas criava situações de alojamento para todas as pessoas em situação de sem-abrigo. Independentemente de todas as outras políticas que são muito meritórias, não podemos continuar a evoluir como cidades vibrantes em que tudo acontece de forma muito célere e, depois, continuamos a ter pessoas em situação de extrema vulnerabilidade. Depois, começar a ter as medidas ambientais vertidas nas políticas publicas. Criava um fundo ambiental, para que se pudesse, por exemplo, no caso de haver uma central que devesse ser fechada, garantir a sustentabilidade dos trabalhadores, assegurando a sua remuneração. Há entidades que reiteradamente estão a incumprir a legislação e que continuam a penhorar os nossos rios, ar e qualidade de vida.
São todos vegan no PAN?
Não poderei dizer que somos todos vegan. O importante acima de tudo é que as pessoas tenham consciência de que há a necessidade de reduzir o consumo de alimentos de origem animal. Nós somos um coletivo, somos compostos por inúmeras pessoas, temos um programa politico e uma ideologia, mas cada um de nós tem a liberdade de fazer as suas escolhas pessoais. Depois na prática, estas nossas opções individuais não condicionam aquilo que é a ideologia do partido.
Como é que se reduz o consumo de carne? Taxando?
Não é apenas taxando. Além da questão da fiscalização, há aqui um trabalho de sensibilização a fazer. Há também que canalizar os apoio financeiros decorrentes da política agrícola comum (PAC) e também os incentivos para a pesca. Para tudo o que seja pecuária e atividade piscatória intensiva, de alguma forma, apostar numa redução, porque isto tem um impacto desastroso não só no meio ambiente, mas também nos animais. Não podemos ignorar que todos os anos temos biliões de animais utilizados para fins de pecuária e abatidos, muitas vezes, em condições desumanas. Tem de haver um canalizar destas verbas para atividades que sejam mais sustentáveis, como a agricultura biológica, para as leguminosas, para que se possa promover um estilo de vida mais saudável. É importante que as pessoas saibam o que é que estão a comer.
Como é que as pessoas teriam acesso mais detalhado a essa informação?
Temos defendido a colocação de pictogramas que permitam identificar uma origem mais correta dos produtos, nomeadamente em matéria de bem-estar, porque o mais normal é a pessoa que está a comer carne portuguesa, mas não saber em que condições em que aquele animal viveu. Ou então o impacto ambiental que aquele produto vai ter no ambiente. Tudo isto levaria a que o consumidor — que é o decisor fundamental nesta equação — possa fazer escolhas mais justas.
E os matadouros?
Costuma dizer-se que se os matadouros fossem de vidro, as pessoas deixariam de comer carne. Apresentámos na AR a proposta de instalar de sistemas de vídeo vigilância nos matadouros. A medida não foi aceite, provavelmente porque ainda não existe uma consciência de todo o processo que existe na cadeia de produção, não só alimentar, mas também na fase do abate. Além de ser fundamental haver sanções para os atos marginais da atividade, a introdução das câmara seria também uma ferramenta para poder encontrar outras possibilidades de práticas a ser implementadas, no sentido de causarem menos stresse para os animais. Estamos a falar de um processo muito complexo que tem, de facto, um impacto muito negativo, não só porque eles são abatidos, mas porque há animais que nas operações da carga e descarga partem patas, têm quedas, são conduzidos com pontapés ou com a eletrochoques.
Mas, além disto, seria importante reduzir a exploração de animais de pecuária para consumo de carne, não só por questões de bem-estar humano e animal, mas também para atingirmos as metas da ONU de descarbonizarão até 2050.
Existe legislação abundante em relação à área da pecuária e da proteção dos animais, mas depois temos uma tutela totalmente alheia a estas questões. Têm se fechado os olhos a muitos problemas. O Ministro da Agricultura é o primeiro a ir para espetáculos Tauromáquicos"
Fala-se muito em metas e um pouco menos de medidas efetivas.
Aqui em Portugal temos um problema estrutural. Existe legislação abundante em relação à área da pecuária e da proteção dos animais, mas depois temos uma tutela totalmente alheia a estas questões. Têm se fechado os olhos a muitos problemas. O Ministro da Agricultura é o primeiro a ir para espetáculos Tauromáquicos. As denúncias feitas reiteradamente à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária sobre o transporte de animais vivos caem em saco roto, apesar de haver vídeos e fotografias de observações que são feitas por associações de proteção zoófila que denunciam e evidenciam os maus-tratos.
A partir do momento em que se consiga que a tutela assuma a sua missão e competência, talvez seja mais fácil fiscalizar. A legislação existe, mas é preciso dotar as autoridades nacionais nesta matéria de mais formação para que estejam aptas a lidar com a especificidade que é lidar com um ser vivo.
Quando falamos na atividade tauromáquica não estamos a canalizar o debate para problemas secundários na vida das pessoas?
Existem espaços de debate e diálogo para todas as medidas. Para além disso, neste caso em concreto, estamos a falar da sujeição de animais a uma violência extrema, que em nada nos dignifica enquanto ser humano. Temos de ter a consciência de que todas as formas de violência — com humanos ou animais — devem ser erradicadas das nossas práticas. Não é apenas porque nós decidimos que é importante erradicar o uso de animais neste espetáculos que temos que centrar a atenção mediática neste assunto— é também porque a ONU convocou Portugal a tomar ações nesta medida e isso não está a ser feito. E não nos podemos esquecer de que, além do sofrimento dos animais, todos os anos morrem pessoas nestes espetáculos. Isto é também um problema da integridade física e do bem-estar das pessoas.
Obviamente que podem dizer que há diferentes níveis de prioridade, claro que há. Mas isto é também um tema relevante, que deve ser tratado com a dignidade que merece, nomeadamente abolindo todas as práticas que sejam cruéis. Felizmente, temos também o espaço para falar daquilo que são os direitos sociais, a proteção laboral, os direitos humanos e nós temos feito isso. Se calhar a atenção mediática que nos é dada quando falamos sobre estes temas é diferente. Mas isso já é a perspetiva de quem olha para nós e não do que comunicamos.
A lei que permitiu a entrada dos animais em estabelecimentos comerciais mudou alguma coisa?
Havia de facto alguma parte do sector que desejava que fosse conferida essa possibilidade. Temos de encarar isto com normalidade. Não faz sentido termos uma sociedade em que criminalizamos o abandono de animais de companhia, mas limitamos o acesso das pessoas a todo o lado, na sua companhia. Não faz sentido termos um animal fechado o dia inteiro numa habitação. O desejável é que esta liberdade de oferta exista. Tudo o resto será depois o mercado a funcionar. É a normalização dos hábitos sociais.
Imagine que está num restaurante e está um cão constantemente a ladrar.
É a mesma coisa que pensarmos que está alguém num restaurante a falar muito alto. Podemos dar sempre exemplos paradigmáticos daquilo que possa incomodar. Por isso é que existe a liberdade de escolha. E é importante que ela esteja devidamente assinalada para que as pessoas possam optar se quem, ou não, ir a um restaurante em que sabem que correm o risco de estar alguém com um animal de companhia ou de ir a outro em que sabem que não é permitido este acesso. Falamos de razoabilidade e de bom senso naquilo que são os costumes e boas práticas sociais. Eu se for almoçar a um restaurante também tenho o cuidado de não incomodar as outras pessoas, estando ou não com a minha cadela Luna. Se ela um dia ladrar, pronto. A vida não é feita sem ruído.
E se os deputados começassem a levar cães e gatos para a AR?
Era bom sinal. Obviamente que não todos os dias, mas se, uma vez por ano, fosse permitido seria engraçado e mostrava que também temos essa preocupação com os nossos amigos de quatro patas.