Jéssica Silva conseguiu um feito nunca antes alcançado. Aos 25 anos, é a primeira futebolista portuguesa a sagrar-se campeã europeia de clubes. Começou no Albergaria, passou pela Suécia, por Espanha e ainda pelo Sporting Clube de Braga. Em 2019, partiu para França onde integra a equipa principal do Olympique de Lyon que este domingo, 30 de agosto, venceu o troféu da Liga de Campeões feminina.

Em entrevista à MAGG, a futebolista natural de Vila Nova de Milfontes — que começou a jogar à bola com as laranjas verdes do quintal da avó — conta como se sente depois de vencer o campeonato. Jéssica Silva fala ainda da lesão que a impediu de estar em campo com as colegas e o que pensa sobre a evolução do futebol feminino.

"Portuguesa, e campeã da Europa". Jéssica Silva é o novo orgulho nacional
"Portuguesa, e campeã da Europa". Jéssica Silva é o novo orgulho nacional
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Como é ser a primeira mulher portuguesa a ganhar um campeonato europeu de futebol?
Estou muito muito feliz. É, sem dúvida, um feito inédito e algo épico na minha carreira. Ontem [30 de agosto] dizia num direto e é verdade "quem está perto de mim, sabe perfeitamente que a caminhada não tem sido fácil e tenho noção de que tudo tem tido o seu propósito e, aos poucos, vou conquistando tudo aquilo a que me auto-proponho". A verdade é que isto é um sonho tornado realidade. Acho que não há palavras para descrever a felicidade que neste momento estou a sentir.

Lesionou-se em março passado. Como se sentiu por não conseguir jogar a final?
O sentimento é diferente, mas não deixo de sentir menos ou mais. Naturalmente que gostava de estar em campo, gostava de estar mais perto, mas é uma conquista que também é minha. Infelizmente, somos algumas lesionadas, mas também contribuímos para chegarmos aqui e a verdade é que também sinto esta conquista como minha. Estou mesmo muito feliz, e é algo inédito na minha carreira.

Em que estado está a sua lesão?
Já estou muito melhor. O processo de recuperação tem sido incrível, as coisas têm corrido muito bem. Os meus fisioterapeutas em Lyon estão em coordenação também com os fisioterapeutas de Portugal e o cirurgião que me operou: o nosso bendito e fantástico Dr. Noronha [José Carlos Noronha, cirurgião e médico ortopedista]. Está tudo coordenado e todos estamos muito positivos. Espero, em setembro, voltar já em campo e em outubro estar apta para competição.

E tenciona voltar como atleta do Lyon?
Tenho mais um ano de contrato com o Lyon e a minha intenção, neste momento, é recuperar, perceber como é que o meu corpo vai reagir e voltar aos meus índices máximos físicos. Sei que, quando estiver a 200%, voltarei a estar num bom nível e vou poder voltar a ajudar a minha equipa, que é o Lyon.

Gostava de voltar a jogar em Portugal?
Quem sabe um dia... Mas ainda não é momento. Quero conquistar ainda muito aqui fora. O nosso campeonato está a crescer, é verdade, e eu sinto-me muito contente por isso, mas, para já, ainda não é visto como um objetivo nem penso que isso vá acontecer por agora.

"As pessoas reconhecem, cada vez mais, o valor da mulher no desporto"

Qual a sua opinião sobre as desigualdades salariais entre atletas femininos e masculinos nos clubes europeus?
Eu acho que a luta tem sido diária para que possamos ser remuneradas consoante o que valemos. Acho que, qualquer ser humano no desporto, seja no futebol ou noutro qualquer, deve ser remunerado consoante o que vale e não dependendo do género. E, de facto, é algo que eu não gosto de ver e pelo qual continuo a lutar. Sou um bocadinho ativa nesse sentido, mas não só na desigualdade salarial.

Jéssica Silva
Jéssica Silva com o novo equipamento da Seleção Nacional créditos: Nike

Acho que há outros pontos também muito importantes e que devem ser falados, nomeadamente a projeção que dão ao futebol masculino e que não dão tanto ao feminino. Mas acho que as coisas estão a mudar a bom passo. As pessoas reconhecem, cada vez mais, o valor da mulher no deporto. Acho que Portugal é um exemplo bem positivo daquilo que é a vontade de fazer com que o futebol feminino cresça. Temos uma federação que está a trabalhar de uma forma muito incrível para fazer ver que existem mulheres a jogar à bola e que o fazem tão bem ou melhor do que os homens. O caminho é longo, mas acho que estamos no bom sentido.

Alguma vez se sentiu discriminada por ser mulher e jogar futebol?
Claro que sim. Quando olham para mim e veem que sou desportista, olham para o meu corpo e perguntam se faço atletismo. Quando eu digo que jogo futebol perguntam logo: "futebol?". Ainda existe muito esse tipo de comentário, mas acho que, passa a passo, e também com os novos esforços, quer por parte dos clubes, quer por parte das atletas, que cada vez são mais profissionais e estão de uma forma mais afincada na modalidade, acho que estamos a conseguir apagar esses comentários que vão surgindo cada vez menos.

Como é que foi o começo no futebol? Praticou outros desportos?
Como federada, só comecei aos quinze anos, mas sempre joguei na escola. Sempre fui uma miúda que gostou de fazer desporto. O futebol sempre foi a minha grande paixão. Lembro-me de andar no quintal da minha avó e jogar com as laranjas verdes. Sempre fui dada ao desporto, quer ao atletismo, quer ao basquetebol. Também joguei futsal. Comecei no atletismo, mas quando percebi que havia futebol feminino fui e as coisas acabaram por correr bem, de tal maneira que hoje sou campeã da Europa. Realmente, acho que as coisas têm corrido bem e acho que foi bom ter começado a jogar e ter-me inscrito numa equipa de futebol.