Lídia Pereira quis ser engenheira agrónoma, inspetora da Polícia Judiciária e chegou até a ponderar ir para a Força Aérea. Acabou por se tornar numa das deputadas mais jovens do Parlamento Europeu onde, aos 27 anos, onde integrou as Comissões para os Assuntos Económicos e Monetários e para o Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar.
Quando lhe perguntámos como é que a sua vida passa de querer pilotar aviões para ser eurodeputada, Lídia não hesita na resposta. “Sempre fui um bocadinho, como se costuma dizer, ‘go with the flow’, seguia sempre o que me ia acontecendo”, e a verdade é que o caminho se foi alinhando. Estudou Economia, fez um semestre ao abrigo do programa Erasmus na República Checa, um mestrado na Bélgica e trabalhou dois anos no Luxemburgo. Regressou à Bélgica, mais precisamente a Bruxelas, onde acabou depois por receber o convite para integrar a lista candidata ao Parlamento Europeu.
Agora com 29 anos, Lídia acredita que ainda há muita gente que ainda olha para a política como algo muito cinzento e envelhecido, mas admite que a sua geração está a mudar o paradigma. É que Lídia Pereira, além dos cargos políticos que tem, não esconde o seu gosto pela leitura, por viajar, por tocar guitarra — tendo integrado uma tuna durante o curso de Economia, que tirou na Universidade de Coimbra —, e até de jogar PlayStation.
Numa conversa que, devido à pandemia da COVID-19, aconteceu à distância, Lídia revelou que está em casa dos pais, em Coimbra, a cidade onde nasceu, cresceu e estudou. É que além de as idas ao Parlamento serem mais limitadas, há várias restrições à circulação que não facilitam a viagem de volta a Bruxelas, onde mora atualmente.
Numa hora de conversa, Lídia falou da sua carreira política, de como tudo começou, e de como fazer o programa Erasmus devia ser uma opção mais acessível para todos os estudantes. O sistema de ensino em Portugal, bem como a preocupação com as questões ambientais, foram temas que também quis salientar, não tendo faltado também um momento em que revela como é, afinal, o dia a dia de uma Eurodeputada.
Temos de começar com a questão mais cliché, mas como é que se chega a eurodeputada aos 27 anos?
Não foi nada planeado. Foi uma sucessão de acontecimentos que criaram o contexto para que isso fosse possível. Eu sempre estive ligada à política, sempre com um pé fora e outro dentro, porque estudei e trabalhei no estrangeiro, mas sempre mantive a ligação a Portugal e o interesse pelas relações internacionais. Mas tudo começa porque eu era vice-presidente da Juventude do Partido Popular Europeu e, entretanto, houve um Congresso onde fui eleita presidente, o que contribuiu para que ganhasse espaço político não só em Portugal como na Europa. Foi um caminho que acabou por se ir construindo. Mas não nego que sempre houve uma ambição de um dia, mas tarde, seguir este percurso. Nunca pensei que fosse tão cedo.
E o percurso político, quando é que começa?
Entrei na política já mais tarde. Sempre tive muito interesse e durante o secundário escrevia bastante sobre o tema em blogues, mas tudo começou com um grupo de amigos próximos que eram da Juventude Social Democrata. Como sempre tive um grande interesse pela minha cidade, Coimbra, onde nasci, cresci e estudei, e sempre quis contribuir para as políticas na cidade, acabei por entrar naturalmente. Já trabalhava com bastantes propostas e atividades e, entretanto, acabei por fazer a inscrição como militante.
Acabou por ser diferente da maioria, que começa esse percurso mais cedo…
Sim, geralmente os jovens aos 14 ou 15 anos já têm vontade de se inscrever. Eu escolhi fazê-lo mais tarde, depois de perceber exatamente quais eram as minhas convicções políticas e com o que me identificava.
Mas o interesse pela política sempre existiu?
Sempre me interessei muito, mas acho que talvez tenha sido a partir do nono ano que comecei a acompanhar com mais atenção as notícias que havia sobre o Banco Central Europeu, sobre coisas relacionadas com a União Europeia. Lembro-me de que, quando o Euro começou a entrar em circulação, as máquinas das escolas de onde tirávamos sumos ou chocolates, de repente, deixaram de pedir cem escudos e passou a ser tudo a um euro ou a cinquenta cêntimos. E a curiosidade por estas coisas sempre esteve muito presente em mim, por isso, acho que os passos que fui dando acompanharam essa tendência.
Sempre quis seguir este caminho, mais ligado à economia e à política, ou teve aquela fase em criança de querer ser outras coisas?
Eu até quis ser várias coisas antes de decidir que queria seguir Economia. Quis ser engenheira agrónoma, depois mais tarde queria ser inspetora da Polícia Judiciária. Também houve uma fase em que considerava a Força Aérea, porque gosto imenso de aviões e adoro viajar, e portanto essas coisas passaram todas até se consolidar a ideia de seguir a carreira em Economia.
E começa a trabalhar na política local, na sua cidade, em Coimbra.
Sim, exatamente, sou de Coimbra, e até sou de "coimbrinha", como se costumam chamar às pessoas que moram no centro, os habitantes dos bairros mais conhecidos. Mas, depois disso, como tinha um grande interesse pelas relações internacionais, e uma vez que fui estudar e acabei por trabalhar no estrangeiro, também tinha essa responsabilidade de representação política da JSD a nível internacional, portanto foi sempre assim um percurso entre lá e cá. Mas o início de tudo foi em Coimbra, e continua a ser esta minha base, é onde estou neste momento, porque por causa das restrições da COVID-19, nós não estamos com a mesma facilidade de trabalho em Bruxelas, e por isso é onde me encontro, e é um sítio pelo qual eu tenho um grande carinho.
E alguma vez houve incentivo da parte da sua família para iniciar uma carreira na política?
Não, por acaso não. Nunca tive essa realidade. Foi mais um interesse espontâneo. É claro que houve, e há ainda hoje, um grande acompanhamento de todas as decisões que tomei e que levaram a estar onde estou, com estas funções, mas não havia ativismo político da parte dos meus pais, avós ou tios. Houve sempre discussões sobre assuntos ligados à política em casa, mas esta acabou por ser mais uma questão de interesse próprio.
A experiência no estrangeiro
Disse que esteve a estudar e a trabalhar fora. O que é que fez no estrangeiro?
Comecei por estudar na minha cidade, mais precisamente na Universidade de Coimbra, onde fiz a licenciatura em Economia. Entretanto, fui fazer um semestre para a República Checa pelo programa Erasmus. Entretanto regressei, já estava a fazer mestrado também em Coimbra, mas depois da experiência que tinha tido, achei que queria explorar mais esse contexto internacional, por isso decidi candidatar-me e fui aceite no Colégio da Europa, em Bruges, na Bélgica, onde fiz o mestrado durante um ano.
E acabou por ficar por lá?
No final do mestrado estava a candidatar-me a vários estágios e entretanto fui bem sucedida numa candidatura para o Luxemburgo, para o Banco Europeu de Investimento. Acabei por ficar lá durante cerca de dois anos a trabalhar na área da luta contra o branqueamento de capitais e evasão fiscal que, curiosamente, hoje são áreas que também trato nas comissões de que sou membro.
O que é que a fez sair do Luxemburgo?
A vida não estava a ser o que esperava, até mais a nível pessoal. Por isso, decidi ir para Bruxelas de onde também recebi um convite, e fui novamente à aventura para a Bélgica, onde também fiquei dois anos e meio, até as coisas mudarem e ir para o Parlamento Europeu.
Estava na Bélgica quando recebeu o convite de Portugal para integrar a lista para o Parlamento Europeu. Como é que isso aconteceu?
Nunca cortei estes laços com Portugal enquanto estive fora e estive sempre muito presente na política, mais a nível da representação institucional no estrangeiro. Mesmo estando a trabalhar no estrangeiro, vinha sempre uma a duas vezes por mês ao nosso país, porque estava ligada em atividades aqui, e até mesmo em Coimbra. Além disso, o facto de ter sido eleita Presidente da Juventude do Partido Popular Europeu, que é a maior organização de juventude política da Europa teve um peso muito importante no convite que depois me foi endereçado.
"O Erasmus é uma experiência que nos capacita para um conjunto de ferramentas que vão das línguas à nossa capacidade de resolver problemas, de estarmos expostos a situações sobre as quais não temos tanto controlo."
Acha que o facto de ter estudado e trabalhado no estrangeiro teve alguma influência na sua carreira?
O ter chegado a Eurodeputada foi uma sucessão de acasos. Sempre fui um bocadinho, como se costuma dizer, “go with the flow”, seguia só as coisas que me iam acontecendo naturalmente. Terminei o mestrado, tive a oportunidade de ficar a trabalhar no Luxemburgo, e fui seguindo sempre esse trajeto, por isso acho que não houve nenhuma razão fundamental para ter iniciado carreira no estrangeiro e não o fazer em Portugal. As coisas sempre foram acontecendo de uma forma muito natural.
Mas posso dizer que o Erasmus foi fundamental nessa criação de percepção da importância da União Europeia nas nossas vidas. A possibilidade de conhecemos outras pessoas lá fora, de fazer amigos com uma realidade diferente da nossa e tentar perceber como é que nós, portugueses, somos vistos pelos outros, acabou por definir esse interesse em ir trabalhar para fora.
Sendo que o Erasmus teve um impacto tão grande para si, é uma experiência que recomenda a todos os jovens?
Acho que sim. Às vezes discuto se não devia haver obrigatoriedade em fazer Erasmus, embora não seja a favor desse requisito, porque todos temos consciência para decidir o que é melhor para nós. Mas, tendo em conta a experiência que tive e os testemunhos de outras pessoas que vou ouvindo, de facto o Erasmus pode mudar a nossa vida.
Em que sentido?
Porque é uma experiência que nos capacita para um conjunto de ferramentas que vão das línguas à nossa capacidade de resolver problemas, de estarmos expostos a situações sobre as quais não temos tanto controlo. Eu, por exemplo, vivi sempre em casa dos meus pais, e no momento em que vou de Erasmus passo a viver sozinha, partilhava a casa com outras pessoas, mas estava entregue à minha própria sorte. Acho que isso também nos ensina muita coisa e, de facto, quem tem oportunidade e curiosidade para o fazer, acho que deve ter essa consciência. E não é preciso fazer um ano, basta um semestre. Para mim, bastaram esses seis meses na República Checa para mudar as minhas escolhas, até a nível de mestrado.
Mas, ainda hoje, em 2020, o programa não está assim tão acessível a qualquer pessoa, pela parte monetária, e não só…
Às vezes achamos que a questão do Erasmus é fundamentalmente monetária, também é, mas às vezes há outras coisas que dificultam e as pessoas, nomeadamente as questões do ponto de vista administrativo, das cadeiras que podemos fazer e dos créditos que delas acumulamos e que, muitas vezes nem sequer há, ainda, equivalências. Este é um dos principais problemas, embora já esteja a melhorar, ainda há hoje cursos específicos que têm essas dificuldades acrescidas porque nas universidades que estão disponíveis às vezes não há determinadas disciplinas, e é uma questão difícil de gerir.
Mas, mesmo assim, acho que é uma grande experiência e que, infelizmente, em Portugal ainda estamos algo afastados da média europeia de estudantes que fazem Erasmus, mas a própria média europeia também não é alta. O facto de estudarmos lá fora desperta-nos a consciência de sermos europeus. Eu digo muitas vezes que sou portuguesa e europeia, e não sei ser um sem o outro, e é muito isso. Estamos nesta ponta mais ocidental da Europa, mas há tantas coisas, a realidade, a história dos outros países europeus ajuda a explicar muitas coisas e a compreender outras tantas.
O que é que acha que deve mudar?
Há alguns objetivos que creio que são muito importantes para conseguirmos aumentar o número de estudantes em mobilidade. Acho que é importante para criar esse sentimento de cidadania europeia e que isso só é possível, eventualmente, quando temos experiências deste género. Não falaria em obrigatoriedade, mas acho que se devia desbloquear o mais possível estes processos para que uma maioria alargada de jovens possa ter acesso ao Erasmus.
Acho que há algumas soluções a serem pensadas, como eventualmente criar nos cursos um semestre de mobilidade, ou algo que fomentasse esta troca de estudantes. No Parlamento Europeu, a nossa preocupação passa muitas vezes por garantir que temos o valor necessário para manter o programa Erasmus, que é muito abrangente porque também tem mobilidade de professores, por exemplo, e às vezes descuramos um bocadinho as questões mais administrativas que eu, sempre que posso, tenho sinalizado, e a minha recomendação é tentar alargar o mais possível o acesso, primeiro à educação, depois ao Erasmus que me parece fundamental, principalmente nesta década, que será bastante desafiadora muito devido à pandemia da COVID-19, e que trará vários desafios para os quais temos de estar preparados. A meu ver, a experiência de irmos ver como se faz lá fora e trazermos para Portugal essas ideias, ou até exportarmos as nossas, é muito enriquecedor. É uma rampa de lançamento para uma economia e sociedade mais moderna e para uma sociedade mais informada.
O ensino envelhecido em Portugal, que já começa a dar sinais de mudança
O que acha que temos a aprender com o sistema de ensino lá fora?
Essa é uma pergunta difícil, porque o nosso ensino já é diferente de alguns destes sítios onde, em alguns deles existe, por exemplo, um 13.º ano. Eu estudei no Colégio da Europa, que era uma instituição bastante conversadora do ponto de vista do ensino que tem uma grande componente de trabalho individual. Mas sinto que as coisas estão a mudar em Portugal e, por isso, não quero ser injusta. E não quero fazer comparações com o estrangeiro, porque a realidade é que já estive fora há muito tempo, e as coisas já mudaram.
Mas acha que ainda há mudanças a fazer no nosso ensino?
Acho que o importante para Portugal é olhar para os bons exemplos europeus e para quem está no pelotão da frente em matéria de educação. Nisso, acho que os países nórdicos são um bom exemplo.
De facto, acho que o ensino português, sobretudo o básico e secundário, está muito atrasado, desgastado e envelhecido. Temos um corpo docente muito envelhecido, sem grandes perspectivas de renovação, e numa fase em que estamos a falar em digitalização, em transição ambiental, em formar jovens para empregos que ainda não existem, somos confrontados com este ensino bastante arcaico, e não muito virado para este futuro que estamos a tentar construir. Se Portugal não tiver pessoas capacitadas para enfrentar estes desafios, para se adaptarem à volatilidade no mercado de trabalho, isso é preocupante.
Uma reforma no ensino será o suficiente?
É uma reforma que é necessária, mas também é preciso que a sociedade encare os professores, de maneira diferente, porque ainda há uma alguma animosidade para com eles, e nunca nos podemos esquecer que os professores são fundamentais na formação dos jovens.
Mas a verdade é que acho mesmo que tem de haver uma reforma de fundo que permita libertar não só recursos, mas também o próprio sistema de ensino para se focar naquilo que é necessário. Com isto, não estou a dizer que temos de repente de deixar o papel para passar a usar os tablets, mas acho que há coisas que devem ser feitas, de forma faseada, como é obvio, para garantir que os alunos de hoje aprendem as competências necessárias para estarem o mais preparados possíveis para enfrentar um futuro que é muito incerto.
E que futuro incerto é esse?
A geração dos millennials enfrentou uma grande crise em 2010 e 2011, portanto estamos a falar de muitos jovens que iam iniciar as suas carreiras profissionais naqueles anos de crise severa, com a intervenção da Troika. De repente, dez anos depois, temos a crise da pandemia da COVID-19, com as consequências que uma crise de saúde pública tem para a economia. São duas grandes crises, que nos fazem olhar para o futuro com incerteza e pensar ‘será que estamos preparados para entrar novamente naquela rotina que conhecíamos antes desta crise?’
Temos de ter uma população preparada para estes grandes desafios, e acho que os números são preocupantes. Continuamos a ver que os jovens são sempre os mais afetados quando há crises, especialmente os da faixa entre os 25 e os 35 anos, que serão novamente penalizados por uma crise que ninguém esperava.
O que é que acha que isso nos mostra?
Por exemplo, que Portugal não pode estar tão dependente do turismo, temos de apostar numa economia de serviços. olhamos para a Irlanda que apesar da pandemia não teve um impacto tão agressivo na economia como para Portugal, que está extremamente dependente do turismo.
Por isso é que a educação é tão importante. Formar as pessoas para criarmos uma economia mais moderna, baseada no conhecimento, na ciência e na educação, porque é isso que vai gerar o valor acrescentado para Portugal continuar a estar no pelotão da frente, até porque também há esse perigo de, nos próximos dez anos, nos afastarmos ainda mais da União Europeia e nos tornarmos num dos países mais pobres da Europa, e ninguém quer isso, mas é preciso todos termos essa consciência.
E essa consciencialização deve vir da escola?
Tanto a escola como a nossa casa são sítios onde estamos expostos a ideias, comentários, a gostos e desgostos, por isso, são complementares. Mas é de facto no ambiente escolar em que a mobilidade social se pode verificar. A nossa ambição tem que ser sempre para que as gerações mais novas tenham um futuro melhor que as gerações anteriores. E isso só é possível através de uma grande aposta no desenvolvimento da educação. Claro que em casa, quem tem melhores condições, também parte de uma situação mais confortável, mas ainda não há este acesso generalizado, ainda continua a haver muitos jovens que abandonam a escola e o ensino superior.
"Continuamos a ver que os jovens são sempre os mais afetados quando há crises, especialmente os da faixa entre os 25 e os 35 anos, que serão novamente penalizados por uma crise que ninguém esperava."
E há exemplos específicos para os quais podemos olhar?
A Suíça, por exemplo, apostou bastante no ensino vocacional, portanto nem toda a gente tem que ir para a universidade, há outras coisas que podem ser pensadas mas tem que ser numa estrutura que aposte em gerar valor acrescentado, na inovação, na ciência, que vão ser os grandes drivers da economia onde nós já sentimos as grandes alterações, como a digitalização, ou se virmos através da aposta no ambiente. Todos os investimentos tecnológicos que se estão a fazer, para melhorar as nossas vidas, para nós podermos viver melhor, com níveis de bem estar mais elevados, acontecem à custa da investigação e da ciência, e é aí que eu acho que Portugal continua a falhar e a estar demasiado dependente de determinados setores, e acho que nós não podemos estar nesse nível de vulnerabilidade.
A vida pessoal de uma Eurodeputada
Quando falamos em políticos associamos sempre a alguém mais velho e com interesses mais elitistas. A Lídia tem 29 anos, joga PlayStation, lê, viaja. Acha que esta ideia que temos dos políticos está a ser mais desconstruída com as novas gerações?
Eu acho que como há alguns novos atores na política, nota-se que há esta proximidade a coisas tão banais como jogar PlayStation, mas gostava de sublinhar que uma das minhas atividades favoritas é ler. Apesar de ter PlayStation e de também tocar guitarra.
Mas eu que é pelo facto de aparecer aqui um conjunto de caras novas, porque nós durante muitos anos habituamo-nos a ver os mesmos, sempre nos mesmos sítios, seja na Comunicação Social, seja no Governo ou no Parlamento e portanto quando surgem aqui uns perfis mais novos e que têm interesses noutras áreas menos comuns, ainda que haja muitas pessoas mais velhas com estes interesses, mas se calhar a possibilidade de divulgar as coisas é diferente. Hoje em dia, temos as redes sociais e, há dez anos o cenário era muito diferente, portanto, a nossa disponibilidade para também mostrarmos um bocadinho do que é que um deputado faz além do trabalho parlamentar, além das discussões que tem em plenário. Isso depois também tem que ver com aquilo que nós estamos dispostos a partilhar, mas acho que este tipo de partilha contribui para as pessoas perceberem que os políticos são pessoas normais, que também gostam de ir jantar fora, de estar com os amigos, de discutir e debater, mas também gostar de jogar PlayStation e FIFA e Spider Man e, que, no fundo, também precisamos de descontrair.
Acha que isso também aproxima as figuras da política a uma geração mais jovem?
Creio que pode aproximar. Passa mais por uma curiosidade pessoal, porque muitas vezes há uma perceção generalizada de que a política é cinzenta, de que os deputados estão sempre a trocar “galhardetes” no Parlamento e que não fazem mais nada além disso. Por isso, acho que sim, e também o facto de estarmos presentes nas redes sociais também permite essa comunicação, essa proximidade com as pessoas, que também ajuda a desmitificar alguns estereótipos relacionados com estes cargos.
E o que é que um Eurodeputado faz num dia?
Muitas coisas, mas a grande fatia do nosso tempo passa pelo trabalho nas comissões. No meu caso, sou membro da Comissão de Economia e de Assuntos Monetários e Suplemente no Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar, por isso, tenho de fazer coisas como ler os relatórios que têm que ser votados e debatidos, estar reuniões da comissão parlamentar, ouvir as organizações, as associações. Passa também por estudarmos determinados temas, porque é impossível dominarmos ou sermos especialistas em tudo, portanto também temos que fazer por estar o mais informados possível. E, claro, também temos que estar próximos das pessoas, dos eleitores.
Por curiosidade, e para que perceba exatamente, nós temos várias semanas marcadas no nosso calendário com coisas que temos de fazer ao longo do ano. Obviamente que 2020 é absolutamente excecional e, portanto este calendário está bastante alterado, mas o nosso mês divide-se entre semanas de comissões, semanas de reuniões de grupo, porque estamos inseridos em grupos políticos e é preciso coordenar a atividade parlamentar com os outros colegas. Temos também a semana de plenário, em que debatemos os relatórios que chegam à sessão plenária. Por fim, temos a chamada Semana Verde, que é a semana em que estamos no Estado Membro de Eleição e é quando temos liberdade para definir a nossa agenda. Eu tenho a preocupação de ir falar com as associações ou com entidades, universidades ou especialistas nos temas sobre os quais me debruço.
É um mês bastante preenchido…
Sim, especialmente tendo em conta que nós muitas vezes aos fins de semana também temos trabalho partidário e há várias iniciativas que vão surgindo. Às vezes também há coisas com universidades, com escolas, que não estão pré-planificadas mas que também fazem parte do nosso trabalho, mas que são obrigações que temos de cumprir.
E fora isso, sobra tempo?
Tem que sobrar. Cada um gere como pretende, mas eu tento sempre, uma vez por semana, para fazer alguma coisa de que gosto. Mesmo nestas semanas muito ativas há coisas que também gosto de fazer, como por exemplo, ir ao ginásio ou cozinhar. Nós temos é que gerir muito bem a nossa agenda e ao domingo à noite, é típico ir olhar para a minha agenda e perceber como é que a está desenhada para depois adaptar algum tempo para descansar, e preparando sempre uns dias a seguir aos outros, mas não esquecendo as questões mais relacionadas com o nosso bem-estar. Ir ao ginásio é muito bom porque ajuda a aliviar a tensão.
A questão do ambiente e porque não pode passar para segundo plano
Sendo que está muito envolvida em questões ambientais, numa altura em que estamos a passar por uma pandemia e onde a saúde pública é uma preocupação como é que conseguimos ter tempo para pensar no ambiente?
Acho que o ambiente é uma questão que já estava presente e que continua a estar, porque se nós pensarmos que, de facto individualmente, não conseguimos alterar nada ou, mesmo que consigamos, é muito pouco, mas os nossos hábitos rotineiros em casa, como a reciclagem, isso podemos continuar a fazer. Não nos podemos esquecer que não é porque veio a pandemia que, de repente, as alterações climáticas ficaram em suspenso, porque isso não aconteceu. Infelizmente, a velocidade com que o equilíbrio do ambiente se está a alterar é preocupação suficiente para nós não o deixarmos para segundo plano. Há um relatório recente da OCDE que indica que Portugal vai ser um dos países mais afetados pelas alterações climáticas. Estamos a falar de uma alteração da realidade das estações do ano, muita chuva em abundância, cheias, que depois vão contrastar com momentos de seca prolongada.
Que é algo que já se está a verificar…
Já estamos a sentir algumas coisas, sim. Os dias em que achamos que o tempo está estranho já são um indicador de que alguma coisa não está bem, e é por isso que temos que continuar a ter esta preocupação. Temos que ter também a consciência da utilização do plástico, se reciclamos o plástico. Há coisas pequenas que podemos continuar a fazer, a contribuir e a alertar, porque esse também é um dos grandes desafios que nós temos enquanto cidadãos e enquanto pessoas preocupadas com o ambiente, que é sinalizar esta necessidade da necessidade de alterar os nossos hábitos para estarmos a contribuir ativamente para uma mitigação do impacto das alterações climáticas, porque elas já existem. Acho que a pandemia não parou o desequilíbrio que se está a gerar no planeta, portanto, as pessoas têm essa consciência. Um exemplo muito importante disso foi a aprovação da lei europeia do clima, que mostra que a União Europeia, apesar da pandemia, não descorou importância do clima. Eu acredito que as pessoas compreendem que não é uma matéria para segundo plano, que este é um ano diferente, mas também é um ano de despertar consciências.
Portugal está no bom caminho a nível ambiental?
Em algumas coisas estará, noutras inspira algumas preocupações. Por exemplo, os números da reciclagem não são muito animadores, mesmo esta questão do hidrogénio e das fontes de energia alternativas, acho que Portugal também podia estar numa circunstância diferente, mais positiva, mas há muitas coisas que estão a falhar da parte do Governo. Entendo que o foco nos últimos meses tenha sido a pandemia, mas à semelhança daquilo que nós fizemos a nível europeu, mantivemos na agenda a Lei Europeia do Clima, também o Governo em Portugal não pode descurar essa matéria porque estamos a falar não só de impacto ambiental, mas também de impacto económico que estas preocupações trazem. Acho que há algumas coisas em que Portugal falha, mas vejo um grande compromisso de muitas autarquias no País, e é muito interessante ver que há essa preocupação no poder local, mas os grandes objetivos e as orientações gerais que são da responsabilidade governamental falham, e não deviam falhar, tendo em conta a realidade europeia, devíamos manter a preocupação ambiental também como um dos principais temas na agenda política.
E se não fosse Eurodeputada, o que é que estava a fazer?
Provavelmente estava a trabalhar para uma das empresas por onde já passei, poderia ser Consultora ou poderia estar a trabalhar numa outra organização, mas certamente que estaria na mesma muito interessada em política, como sempre estive.
E continuaria envolvida no partido?
Claro. Eu digo sempre que política é servir, e encaro isso com grande responsabilidade. Não digo isto porque é clichê ou porque fica bem dizer, é mesmo verdade, e as nossas missões têm todas um tempo. Não faço grandes planos, aliás, como não tenho feito até hoje, mas enquanto for Eurodeputada há esse compromisso de tentar corresponder o máximo possível às expectativas das pessoas. Não sendo deputada, mas tendo interesse político, também posso contribuir de outras formas. Acho que é importante as pessoas perceberem que não passa tudo pela política. A organização da sociedade civil é muito importante, é estruturante. Se nós quisermos deixar uma marca no mundo ou se quisermos contribuir para um País e um mundo melhor, não passa tudo pela política, ainda que grande parte passe, mas podemos participar de outra forma, civicamente. Portanto, não sendo Eurodeputada, deputada ou não tendo um cargo governativo, há outras formas em que podemos contribuir, e foi sempre assim que encarei a política até ser eleita eurodeputada, e isso não se alterou.
E acha que é fácil para os jovens de hoje em dia entrarem na política, da mesma forma que a Lídia entrou?
Eu creio que sim, tem muito que ver com o interesse, mas também não podemos descurar que existem muitas comunidades digitais hoje em dia, muitos grupos de jovens que estão presentes nas redes sociais, mas que depois não estão presentes nos partidos. Também cabe aos partidos estar alerta para esta realidade, e eu acho que os partidos políticos são fundamentais no funcionamento das democracias, mas eles também devem pensar em como é que devem fazer para trazer mais jovens para as discussões, para a participação e isso não passa necessariamente por serem membros ou militantes do partido.
Podem fazê-lo a título de interesse pessoal, e há essa nota que eu gostava de deixar, porque acho que tem que haver ainda mais, apesar de já ir havendo essa reflexão, creio também que ir buscar pessoas mais jovens para os partidos também ajuda nessa adaptação da política ao século XXI, mas não é suficiente. Há outras coisas que têm que ser feitas e é preciso olhar para essas comunidades digitais onde estão tantos jovens e tantas ideias que podem perfeitamente contribuir para diminuir a abstenção, um fenómeno que continua a ser preocupante em Portugal e que suscita algumas preocupações, porque a abstenção merece uma resposta, e os partidos políticos têm que envolver as pessoas nessa resposta para que este fenómeno não seja uma realidade, às vezes até destrutiva, da própria democracia.