695€. É este o valor a pagar por uma das peças da nova coleção de primavera da Tory Burch. Falamos de uma camisola semelhante à dos pescadores de Póvoa de Varzim, feita à mão em lã branca de fio grosso, também conhecida como poveira e que já é reconhecida como uma peça de artesanato tradicional portuguesa. A estilista norte-americana, que disse inicialmente que a peça era inspirada na baja mexicana, está agora a ser acusada de apropriação cultural da famosa camisola dos pescadores poveiros.
Apropriação cultural define-se, como o nome indica, de uma apropriação de elementos culturais por alguém externo a essa mesma cultura, muitas vezes para fins lucrativos, como parece ter sido o caso da camisola posta à venda por centenas de euros por Tory Burch.
A marca da estilista partilhou a novidade no Facebook e logo recebeu uma série de comentários de indignação de portugueses a reivindicar a autoria da arte dos casacos poveiros tradicionais, que começaram por ser bordados na primeira metade do século XIX pelos velhos pescadores e, mais tarde, passaram para as mãos das mães, esposas e noivas dos trabalhadores para serem usados em romarias e festas do pescador poveiro, explica a Câmara de Póvoa de Varzim.
"Isto não é inspirado em nada. Isto é uma camisola portuguesa com o brasão português bordado. Uma camisola com 150 anos de história. Apenas copiou e apresentou-a como sua. Isto é totalmente escandaloso", diz um dos comentários. "Pode sempre comprar uma camisola diretamente em Portugal por 30€ e cosida à mão com amor e carinho", diz outro.
O alegado plágio ganhou maior notoriedade em Portugal após um alerta da jornalista Rita Marrafa de Carvalho nas redes sociais, depois ter visto um artigo do jornal "Público" a dar conta do caso. Além de uma publicação no Facebook que alcançou várias partilhas, a jornalista deixou uma mensagem no Twitter dirigindo-se à estilista. "Olá, @toryburch! Isto não é seu. Sabe o que é plágio? Esta camisola é usada há séculos em Póvoa do Varzim pelos pescadores locais. Não se pode sequer disfarçar. Todos os elementos estão lá. Incluindo o brasão de armas!", escreveu a jornalista na publicação.
De facto, a camisola não podia ser mais semelhante. Desde os “tremidinhos, carreiras em ponto de liga que se encontram no decote e nas cavas” e os “castelinhos, uns efeitos em ziguezague que orlam os punhos, cós, ombros e golas”, segundo a página de Facebook oficial da camisola Poveira, passando pela "abertura à frente com um conjunto de pequenos torcidos que permitem abrir ou fechar o decote", refere a Câmara de Póvoa de Varzim, até ao brasão português que não deixa disfarçar as origens da camisola.
"O brasão é que então... quando ela diz que a inspiração é mexicana mata-me logo", diz Rita Marrafa de Carvalho à MAGG. No entender da jornalista, "os visados, aqueles que estão a ser vítimas do dano, têm que agir legalmente". E continua: "Mais do que uma apropriação cultural, é um plágio", salienta a jornalista. Isto porque a apropriação cultural pode também servir para dignificar ou homenagear, porque "a cultura é democrática". Contudo, não é esse o caso. "Fazer copy paste de um legado cultural que tem uma autoridade parece-me crime", afirma Rita Marrafa de Carvalho.
O caso é ainda mais caricato pelo facto de na equipa de Tory Burch trabalhar uma designer portuguesa. A consultora de design Filipa de Abreu é também embaixadora da marca americana na qual surgiu a peça que terá sido copiada à tradicional camisola poveira bordada e decorada a ponto de cruz em Portugal.
A polémica peça continua à venda no site, embora com outro nome. Inicialmente designava-se de "Baja Inspired Sweater" e agora é referida apenas como "Sweater Tunic". Já a descrição mantém-se igual, assim como o preço: 695€ — até dez vezes mais do que o preço das camisolas feitas à mão em Portugal. De acordo com o "Público", a camisola poveira está até em processo de certificação.
A camisola poveira não é caso único
Parece que esta não é a primeira vez que a estilista Tory Burch recorre ao plágio nas suas peças, uma vez que em 2017, quando lançou a coleção Resort 2018. No entanto, à semelhança do que está a acontecer em 2021, uma comunidade local deu conta das parecenças entre um casaco da estilista e o tradicional casaco romeno em exibição no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque.
Depois disso, a Tory Burch veio dizer que, afinal, a peça teve inspiração romena. "Resort 2018 é sobre uma amizade única entre duas mulheres inspiradoras, Jacqueline Kennedy Onassis e a princesa Elizabeth de Toro. Ambas foram ícones da moda, viajantes e amantes de arte. No nosso esforço para resumir a coleção, faltou-nos uma referência a um belo casaco romeno que inspirou uma das peças. Quer se trate da Roménia, Uganda ou França, somos uma marca que se esforça por celebrar, honrar e ser inclusiva de mulheres de todos os países e culturas, da forma mais ampla possível", disse a marca no Facebook na altura, de acordo com a imprensa romena, como modo de justificar a apropriação cultural.
Muito antes da coleção Resort 2018, há outra situação em que as semelhanças são notórias.
O logotipo da esquerda diz respeito à marca do designer Nuno Gama, cuja marca foi criada em 1994, e a imagem da direita diz respeito ao logo da marca da estilista Torty criada em 2004. As semelhanças, mais uma vez assinaladas pela jornalista Rita Marrafa de Carvalho, estão à vista.