Seja qual for a decisão do juiz Ivo Rosa, que anunciará esta sexta-feira, 19 de abril, quais dos envolvidos na Operação Marquês serão julgados, e por que crimes, a decisão terá repercussões muito semelhantes à de uma bomba com efeitos vários — e, muito provavelmente, duradouros — no contexto político atual, assim como na justiça e na sociedade portuguesa.

Num despacho com mais de seis mil páginas, e que servirá de base para a leitura da decisão, a ser anunciada perto das 14h30, a dúvida maior é se Ivo Rosa poderá ou não deixar cair os crimes de corrupção e se, caso o faça, levará para julgamento um processo de fraude fiscal e de branqueamento de capital a envolver José Sócrates e o seu alegado testa de ferro, Carlos Santos Silva.

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Mas o processo não se limita a estas duas figuras e abrange também o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Armando Vara; o ex-chairman da Portugal Telecom (PT) Henrique Granadeiro; o ex-presidente executivo da PT Zeinal Bava; e, claro, o ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado.

A poucas horas de se conhecer a decisão final de Ivo Rosa, recuperamos as acusações, as provas (mesmo que indiciárias ou indiretas) e os cenários possíveis para explicar a Operação Marquês em sete pontos.

1. A Operação Marquês está perto de chegar ao fim?

Numa resposta breve: não. Ainda que a decisão seja conhecida esta sexta-feira, o processo está longe de terminar. No fundo, o que acontecerá na tarde desta sexta-feira será o juiz Ivo Rosa, responsável pelo processo, a anunciar quem vai a julgamento e por que crimes terá de responder.

2. Quais são os cenários possíveis que Ivo Rosa pode decidir?

A primeira é a menos provável, mas que mais se teme pelas repercussões que possa ter no sistema judicial português e que culminaria com Ivo Rosa a não subscrever, e a deitar por terra, a acusação do Ministério Público (MP) por considerar que houve ilegalidades na abertura do processo e do inquérito criminal.

O segundo cenário é a subscrição total da acusação, que também não deverá acontecer uma vez que o juiz é muito crítico do trabalho do MP. Isso faz com que o terceiro caminho seja o mais provável: decidir quem irá para julgamento, e com base em que crimes, e afastar por completo tudo aquilo que aparenta não ter provas para ser sustentado em tribunal.

É que Ivo Rosa terá de se basear na prova legalmente obtida e direta. O problema? É que grande parte das provas é indiciária — em que se parte de um conjunto de fatores conhecidos e documentados para inferir outros e, assim, afastar a presunção de inocência.

3. Então, não há mesmo provas?

Diretas, não. Nos três crimes de corrupção de que José Sócrates está acusado, não há escutas, documentos ou testemunhas que o envolvam diretamente. No entanto, a ausência de prova direta, e concreta, não é uma fragilidade de crimes de fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais.

Isso, no entanto, não impediu o MP de traçar o caminho do dinheiro em colaboração com as várias autoridades tributárias (portuguesas e internacionais, como as suíças), que resultou na reconstituição de transferências e pagamentos.

No caso de não se conseguir provar a corrupção, pelo menos os crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais parecem ser quase certos.

4. Quem corrompeu quem?

Desde o início do processo que a tese principal do MP assenta na ideia de que os 23 milhões de dólares que Carlos Santos Silva acumulava em várias contas sediadas em paraísos fiscais (as chamadas offshores), pertencem, na verdade, a José Sócrates.

Ainda que nunca tenha sido detetada nenhuma transferência ou levantamento em nome do ex-primeiro ministro, o MP baseia-se em alguns argumentos para o acusar: na descoberta de uma conta no BES, de Carlos Santos Silva, para alegadamente compensar as despesas de Sócrates noutras contas; nos diversos pedidos, nunca assumidos e através de palavras-código, de dinheiro que terá feito ao amigo; e na facilidade com que tinha em pagar férias e uma casa em Paris.

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José Sócrates recusou sempre ser o dono desse dinheiro, referindo-se a esses pedidos como meros empréstimos.

Segundo o MP, os nomes que terão corrompido Sócrates terão sido Ricardo Salgado, o Grupo Lena e vários acionistas de Vale do Lobo, um empreendimento turístico. Todos eles com o objetivo de que, alegadamente, o ex-primeiro-ministro favorecesse os interesses dos respetivos grupos.

5. Afinal, quem são os arguidos e de que crimes estão acusados?

Além das empresas e das sociedades feitas dentro do grupo Lena, a Operação Marquês envolve mais de 20 pessoas num processo de corrupção, branqueamento de capitais e desvio de dinheiro.

Destacamos os principais.

  1. Carlos Santos Silva (acusado de 33 crimes: um de corrupção ativa de cargo político; um de corrupção passiva; 17 de branqueamento de capitais; dez de falsificação de documentos; um de fraude fiscal; e três de fraude fiscal qualificada);
  2. José Sócrates (acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva de cargo político; 16 de branqueamento de capitais; nove de falsificação de documentos; e três de fraude fiscal);
  3. Ricardo Salgado (acusado de 21 crimes: um de corrupção ativa de cargo político; dois de corrupção ativa; nove de branqueamento de capitais; três de abuso de confiança; três de falsificação de documentos; e três de fraude fiscal);
  4. Joaquim Barroca Rodrigues, ex-administrador do Grupo Lena (acusado de 14 crimes: um de corrupção ativa de cargo político; um de corrupção ativa; sete de branqueamento de capitais; três de falsificação de documentos; e dois de fraude fiscal);
  5. Hélder José Bataglia dos Santos, empresário (acusado de dez crimes: cinco de branqueamento de capitais; dois de falsificação de documentos; dois de fraude fiscal; e um de abuso de confiança);
  6. Henrique Granadeiro, ex-gestor da PT (acusado de oito crimes: um de corrupção passiva; dois de branqueamento de capitais; um de desvio de dinheiro; um de abuso de confiança; e três de fraude fiscal qualificada);
  7. Zeinal Bava (acusado de cinco crimes: um de corrupção passiva; um de branqueamento de capitais; um de falsificação de documentos; e dois de fraude fiscal);
  8. José Diogo Ferreira, ex-diretor executivo do Vale do Lobo (acusado de seis crimes: um de corrupção ativa de cargo político; dois de branqueamento de capitais; e três de fraude fiscal);
  9. Rui Horta e Costa, ex-administrador do Vale do Lobo (acusado de quatro crimes: um de corrupção ativa de cargo político; um de branqueamento de capitais; e dois de fraude fiscal);
  10. Armando Vara (acusado de cinco crimes: um de corrupção passiva; dois de branqueamento de capitais; e dois de fraude fiscal);
  11. Rui A. Mão de Ferro, gerente de diversas empresas e associado a vários negócios que envolveram Carlos Santos Silva (acusado de cinco crimes: um de branqueamento de capitais; e quatro de falsificação de documentos);
  12. Gonçalo Trindade Ferreira, advogado e considerado suspeito depois de terem sido encontrados 200 mil euros num cofre em seu nome e que pertenciam a Carlos Santos Silva (acusado de quatro crimes: um de falsificação de documentos; e três de branqueamento de capitais);

6. O que explica a demora no avanço do processo?

A Operação Marquês terá tido início em meados de 2013 com a abertura do inquérito criminal, mas antes disso já a Autoridade Tributária, em colaboração com o MP, investigava Carlos Santos Silva devido a transações de dinheiro suspeitas que o envolviam — assim como a Rui Pedro Soares, ex-administrador da PT.

Apesar disso, o processo foi avançando de forma lenta e morosa, uma vez que, à data da investigação, os alegados crimes já tinham sido consumados. Coube às autoridades seguir o rasto do dinheiro e investigar as contas sediadas em paraísos fiscais que terão sido alegadas — e nem todas colaboram com a justiça.

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Tudo isto contribuiu para que haja uma enorme dispersão da informação obtida, atrasando o processo.

7. Quem estará presente na leitura da decisão desta sexta-feira, por Ivo Rosa?

Será por volta das 14h30 que Ivo Rosa anunciará algumas das alíneas do extenso despacho que assume a forma, pouco comum, de seis mil páginas. Na sala estarão jornalistas, advogados e procuradores.

E ainda que tenham sido reservadas cadeiras para que os arguidos estivessem presentes, o mais certo é que não sejam ocupadas por nenhum deles. O empresário Hélder Bataglia já fez saber que não iria estar presente; todos os restantes arguidos são ausências muito prováveis.

Quanto a José Sócrates, é expectável que também não compareça. Pedro Delille, seu advogado, não confirmou ao jornal "Público" a sua presença uma vez que os arguidos não são obrigados a estar presentes na leitura da audiência, podendo fazer-se representar pelos advogados.