O novo Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente a 2019 não deixa dúvidas quanto à propagação de notícias falsas pela extrema-direita portuguesa.. À semelhança do que tem vindo a ser a tendência europeia, os grupos portugueses de extrema-direita têm feito uso de um discurso reciclado e reacionário no combate àquilo que apelidam como sendo o "marxismo cultural" com o objetivo de sensibilizar quem ouvir a sua mensagem a um discurso extremista.

Durante as eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, por exemplo, o documento, ao qual o jornal "Expresso" teve acesso, refere que todos os sectores da extrema-direita portuguesa "concorreram para a intensa difusão de propaganda e desinformação" não só nas redes sociais, mas também nas "manifestações e contramanifestações, debates e publicações diversas". O objetivo era sempre o mesmo: gerar um clima de tensão contra adversários políticos e apoiantes.

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No entanto, este relatório explica que os modos de agência de todos os sectores da extrema-direita não se restringem apenas à ideologia neonazi, já que foi identificada uma "estreita conexão" com "outros grupos e organizações europeias associadas à tendência identitária que também ganhou espaço no território português", escreve o mesmo jornal.

O combate às propagação e difusão de notícias falsas, por isso mesmo, tem de ser diário e tem de ocorrer no mainstream. Quem o diz é Fernando Esteves, diretor do jornal de fact-checking "Polígrafo", que considera que apesar de não tanto ativa como esteve no período de pré-eleições legislativas, a extrema-direita portuguesa está "bastante bem organizada nas redes sociais".

"Há muitas páginas e essas páginas por vezes não têm muito tempo de vida porque são denunciadas constantemente pelos utilizadores e o alcance do seu conteúdo acaba por ser limitado pelas próprias plataformas. Isto obriga-os a criar novas páginas e são extremamente dinâmicos ao fazê-lo", refere o diretor do jornal. Fazem-no reencaminhando, de forma imediata, todos os seus seguidores para as páginas novas naquilo que, considera, é um "ciclo contínuo de renovação" no qual existe uma "intenção deliberada de disseminar os seus conteúdos, as suas ideias, de modo a fazer apelos à militância ativa.

Mas há a eterna discussão sobre se se deve ou não dar palco — através de partilhas em massa nas redes sociais — a quem profere um discurso reacionário, de ódio e com base em mentiras, sob pena de fazer chegar esse discurso a quem, de outra forma, não teria acesso a ele. Mas Fernando Esteves diz não concordar em absoluto com quem considera que não se deve dar palco a estas ideias e que a melhor estratégia seja ignorar.

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"Essa é a pior estratégia. Por um motivo muito simples: estes movimentos estão a germinar e a desenvolverem-se nas redes sociais, na quais a partilha é esquizofrénica, porque se trata de uma partilha sem limites", e alerta para o facto de, atualmente, haver em Portugal pessoas de extrema-direita com páginas com um alcance de dois milhões de pessoas.

"Isto já são audiências comparáveis às audiências dos jornais televisivos. É evidente que não podemos deixar esses movimentos germinar sem lhes dar contraditório. São movimentos que se organizam na marginalidade do sistema", explica. Por isso, considera que o que os defensores da democracia devem fazer é trazer essas pessoas "para a arena do mainstream e confrontá-los com as suas ideias antidemocráticas e, muitas vezes, sem consistência."

E continua: "Estamos a falar de pessoas cujos líderes são bastante doutrinados, mas os seguidores são muitas vezes pessoas sem consciência ideológica — são apenas seguidores, pessoas que estão desiludidas com o sistema, com as instituições, com os políticos, com a justiça, com a imprensa mainstream e, por isso, estão também mais permeáveis a este tipo de ideias populistas e que vão encontro daquilo que são as suas insatisfações."