"Olhe, minha senhora", chama uma funcionária. "Deixou a máscara no provador!". Estamos numa das cabines de prova da Zara e, do lado de dentro da cortina, deixamos escapar um sorriso. Quem diria? Agora já não nos esquecemos só da carteira, do casaco ou dos óculos de sol. O mundo mudou mesmo.

Na entrada da loja, agora com um corredor para entrar e outro para sair, está outra funcionária a garantir que todos os clientes desinfectam as mãos com álcool gel. A forma de apreciar a roupa continua igual: as pessoas circulam, mexem nas peças que lhes despertam interesse, colocam-nas de volta aos lugares ou levam-nas para o provador, caso as queiram experimentar. Neste processo, já há mudanças na logística: a fila para provar sempre existiu, mas fica potencialmente maior porque agora há sempre uma cabine que não funciona entra duas que estão disponíveis. Enquanto aguardamos, reparamos que a roupa é vaporizada antes de ser pendurada junto das restantes que não seguiram para compra. "Para que serve o aparelho?", perguntamos à funcionária. "É para passar a ferro", diz-nos. Ficamos confusas. Então não é para o COVID? Também. Ah, sim, é verdade: diz-se que o bicho não é lá grande apreciador do calor.

A barafunda dos cabides vazios em cada provador também acabou: "Quando voltar tem de trazer as peças que não quer devidamente penduradas", alerta-nos, no momento de nos encaminhar para a nossa cabine.

Ao contrário das lojas de rua desta fast fashion do grupo Inditex, esta em que estamos está no primeiro dia de funcionamento, depois de três meses encerrada. Afinal, estamos no Amoreiras Shopping Center, que, como todos os centros comerciais da região de Lisboa e Vale do Tejo, retoma a atividade normal esta segunda-feira, 15 de abril, depois de três meses em que apenas estiveram em funcionamento lojas de primeira necessidade, como supermercados, óticas, farmácias ou, já na primeira fase de desconfinamento, no início de maio, estabelecimentos ligados à estética.

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"Tivemos de mudar completamente a nossa forma de trabalhar", diz à MAGG Filipa Munoz de Oliveira, dona da cadeia Wink. As funcionárias que, habitualmente tinham o fio preso na boca — o que com máscaras, se tornou impossível — hoje encontram o apoio ao manuseamento deste instrumento no pescoço. Além da viseira, têm máscaras e a responsabilidade de desinfetar os postos de trabalho e os lugares onde as clientes se sentam a cada serviço. A isto junta-se mais limpeza no local, álcool gel para toda a gente.

A nova circulação do Amoreiras Shopping Center

É curioso voltar a meter os pés num centro comercial. Numa primeira e rápida análise, à excepção das máscaras e da nova sinalética (já lá vamos), parece que estamos numa manhã normal no Amoreiras Shopping Center. Faz sentido: antes de março de 2020, aqui já se seguiam aquelas que viriam a ser estabelecidas como regras de distanciamento social. Sempre foi uma superfície com espaço para caminhar confortavelmente.

Logo à entrada, vários cartazes dão-nos as boas-vindas, juntamente com a explicação das novas regras e indicações para frequentar o espaço com segurança: uso de máscara obrigatório, lavar as mãos com regularidade, manter a distância de dois metros, respeitar as distâncias marcadas no chão. Noutra estrutura, acrescentam-se outros pormenores: respeitar os limites de pessoas nas lojas, dar prioridade às escadas ao invés do elevador, optar pelo pagamento digital, ceder passagem a pessoas de grupo de prioritários ou em situação de emergência e circular sempre pela direita.

cartazes

Exato, o trânsito humano funciona à semelhança do que vem descrito no código da estrada: circular sempre pela direita. Não temos polícias a multarem-nos, não há operações stop, mas temos os sinais no chão a relembrarem-nos constantemente sobre esta nova forma de caminhar. Também nas escadas que não são rolantes temos zonas específicas para subir e outras para descer. Nem toda a gente respeita, porque não repara ou repara tarde demais. As máscaras são obrigatórias e estão na cara de toda a gente, só nos vemos pelos olhos. Quem se esquecer, porque também acontece, é alertado por um dos seguranças que circula pelo espaço.

A lotação do centro comercial também mudou, explica em conversa Fernando Oliveira, administrador da Mundicenter, a empresa que detém o Amoreiras Shopping Center. Agora só podem estar 1900 pessoas dentro do espaço, com um controlo que é feito através de um sistema de câmaras, que tem também em consideração os carros que entram no parque de estacionamento. Caso o limite seja atingido, fecham-se as portas e reabrem-se quando voltar a haver espaço para mais pessoas.

covid

Todas as regras da Direcção-Geral da Saúde foram implementadas. O centro está com dispensadores de álcool gel em vários espaços, mas, segundo Fernando Oliveira, vai haver um reforço deste objeto que é agora obrigatório num mundo a habituar-se ao novo normal. Este produto de higienização é obrigatório em todas as lojas. As entradas também têm de respeitar uma lotação máxima, afixada à entrada de cada estabelecimento comercial e que vai variando consoante a dimensão da loja. Apesar de estes espaços terem de seguir uma série de diretivas que são transversais ao Amoreiras, têm também margem para criar rotinas próprias.

Na Gant, o primeiro dia está a correr surpreendentemente bem, confessa Maria Miguel Santos, responsável pelos recursos humanos. A loja deixa, numa primeira fase, de estar aberta até às 23 horas, horário de encerramento do centro. Optou por manter as portas abertas até às 20 horas, porque, nesta altura, ainda não vê a necessidade de estar a funcionar até tão tarde e porque a gestão do Amoreiras deu esta opção aos lojistas, contando que até à hora do jantar estejam abertos. Mas isto pode mudar de um dia para o outro, consoante os fluxos de movimentação.

Desinfetamos as mãos, entramos na Gant e observamos autocolantes no chão. Estão colocados em intervalos de dois metros de distância e servem para ajudar os clientes a fazerem o cálculo desta nova distância a respeitar em espaços públicos. Ao contrário de muitas outras lojas, aqui o balcão de pagamento não tem nenhuma estrutura de acrílico, mas a decisão tem que ver com o tipo de atendimento da marca. "É mais personalizado e os nossos colaboradores não passam muito tempo atrás do balcão", explica.

Roupas de quarentena, sapatos higienizados e mesas para desinfecção

Além de um novo plano de limpeza e de higienização, ao longo do dia, todas as superfícies em que o cliente toca na Gant são desinfetadas pelos colaboradores. Todos eles, antes de retomarem a atividade, tiveram uma formação tranversal sobre a COVID-19, que aconteceu em registo de e-learning e que abordou temas como formas de transmissão, sintomas ou medidas de segurança e de higiene. No andar de cima, onde antes funcionava um showroom, fica agora uma sala de quarentena para as peças de roupa que os clientes experimentam e devolvem — são vaporizadas e ficam a repousar três dias, até regressarem aos cabides e stands da loja.

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Não é uma regra obrigatória para todos os espaços (na Zara, por exemplo, as peças não ficam todas em isolamento), mas também na Loja das Meias há um provador próprio para a quarentena das roupas e dos sapatos, que seguem para este compartimento sempre que as peças são experimentadas ou devolvidas pelos clientes. "A roupa fica 48 horas e o calçado 24 horas", explica-nos Pedro Miguel Costa, um dos fundadores da famosa loja multimarcas. Os testers para os perfumes deixaram de estar disponíveis, para evitar que demasiadas mãos toquem nas mesmas superfícies e para evitar que se tenha de retirar a máscara para levar o papelinho até junto do nariz. O chão é higienizado várias vezes ao dia, assim como os provadores ou prateleiras em que estão expostos os produtos. Os aparelhos multibanco estão enrolados na película de plástico, constantemente a ser trocada. Assim como na Gant, na Zara e em todas as lojas em que entrámos, também aqui existem linhas com a distância de segurança a que o cliente deve estar nos diferentes balcões.

Carla Guerreiro é a funcionária da loja e está contente por voltar ao trabalho. "É ótimo voltar a fazer o nos dá prazer", diz. As novas rotinas são muitas, mas já houve tempo para enraizar muitas delas. Além disso, também na Loja das Meias se apostou em formações para todos os colaboradores, assim como em videos que circularam e que davam conta de novas rotinas específicas como, por exemplo, que produtos aplicar onde e quando.

À entrada da loja está outro colaborador a explicar a quem entra o novo procedimento para a desinfecção dos sapatos: primeiro pisa-se um tapete que tem uma solução de limpeza para a sola e, logo de seguida, outro, que serve para a secar e evitar os trambolhões de quem está de calçado escorregadio.

pes

Decidimos entrar na Aldo para perceber como é que agora se experimentam sapatos. É que na loja anterior, Pedro Miguel Costa explicou-nos que provar calçado implica agora a utilização de uma meia. Foi exatamente aquilo que nos aconteceu: escolhemos umas sandálias e, quase a pôr um dos sapatos no pé, somos rapidamente interrompidos por um colaborador, que nos passa para as mãos duas finas meias — num híbrido que junta o tecido de vidro e o opaco, o cor de rosa e o bege — que tivemos de calçar. Não conseguimos perceber se gostamos do par de sandálias que temos nos pés, porque a nossa atenção estava mais virada para o pé de gesso que observamos a partir do espelho.

Vamos almoçar, estamos com fome, até porque já tivemos à conversa com Miguel Morais, diretor operacional do Sushi Café do Amoreiras Shopping Center, que está positivo em relação ao regresso do funcionamento deste espaço neste centro comercial, apesar de não ser normal a ausência de clientes àquela hora, já perto das 13 horas. "Normalmente, durante a hora do almoço tínhamos filas de espera", recorda. Mas é normal: as várias empresas que funcionam nas instalações do Amoreiras e nas ruas adjacentes ainda têm os colaboradores em teletrabalho.

mesas

Seguimos para a zona de restauração no andar de cima e escolhemos petiscar umas peças de sushi no Noori. Tentamos ao máximo seguir as vias de circulação definidas e não apanhamos fila para fazer o pedido. Somos atendidos imediatamente e tudo funciona de forma igual, à excepção das máscaras. A soja chega-nos em pacote, porque os dispensadores de molhos não estão a funcionar.

Nem todas as mesas estão disponíveis para nos sentarmos, mas é fácil perceber onde é que podemos poisar o tabuleiro. A sinalização é clara. Também é fácil encontrar lugar, porque, apesar dos limites na lotação, ainda não estamos num dia que se pareça com junho de 2019, pelo menos na zona das refeições. Há muito espaço.

Retiramos, finalmente, a máscara, que está a tapar-nos a boca e o nariz desde que, há duas horas, iniciámos esta nossa jornada. Comemos e, assim que terminamos, vem uma funcionária e retira-nos o tabuleiro. Reparamos no que acontece depois: vem outro, coloca uma placa a informar que a mesa está a ser em processo de desinfecção. Borrifa-a, passa-lhe um pano por cima. Está pronta para o cliente seguinte.

Ninguém está sem máscara. Há novas regras para caminhar. Há autocolantes para garantir que se mantém a distância social. As roupas (não todas) ficam de quarentena. Há álcool gel por toda a parte. Há sítios específicos para entrar e para sair das lojas. Lotações controladas e reduzidas.

Apesar de tudo estar a postos, ainda há um largo campo de incerteza — em relação ao comportamento do cidadão, ao comportamento do vírus, à economia fragilizada. Por isso, à pergunta, "como é que acha que vai correr esta reabertura dos centros?", o administrador da Mundicenter responde: "Isso é como jogar no Euromilhões e tentar acertar na chave".