Foi a 13 de março que escrevemos a nossa última reportagem no terreno. Na altura, com pouco mais de 70 infetados em Portugal, o objetivo do trabalho passava por perceber como é que estava Lisboa a reagir à COVID-19, infeção respiratória que tinha acabado de ser declarada pandemia pela Organização Mundial de Saúde. O medo estava já no ar, ainda ninguém sabia muito bem o que é que ia acontecer. 67 dias depois, já com três ciclos de Estado de Emergência encerrados, uma situação de calamidade pública proclamada e mais de dois meses de confinamento, voltámos a sair em trabalho pela primeira vez para perceber como é que é ir almoçar fora, nesta segunda-feira, 18 de maio, o dia em que se assinala a reabertura dos restaurantes, um dos ramos mais profundamente afetados pela COVID-19.

Estacionamos o carro na Avenida 5 de Outubro, a 500 metros do Pasta Non Basta das Avenidas Novas. Foi propositado, queríamos andar pelo caminho e sentir como é que vai esta Lisboa, a dar os primeiros sinais de regresso ao novo normal. Já não fazemos parte de um qualquer episódio do "The Walking Dead", o que é bom sinal, e quase que nos sentimos a viver um dia de maio normal, pré-pandemia. As esplanadas reabriram, as pessoas voltam a sentar-se lá. Há mais carros, volta a ser infernal estacionar e, pior, há que ter cuidado com a Emel, que eles já andam aí. Mas, pronto, falta o quase: ainda há máscaras para utilizar, ainda nos afastamos das pessoas quando passamos por elas, ainda andamos com álcool na mala, para desinfetarmos as mãos a cada contacto com objetos que não são nossos.

Supermercados cheios, escolas vazias e bares assim-assim. Como está Lisboa a reagir ao Covid-19?
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Parquímetro colocado, mãos desinfetadas, lá nos pomos a caminho. Chegamos à porta do restaurante, que durante o estado de emergência criou kits de pizza do it yourself, tendo-se dedicado ainda à entrega de refeições a hospitais e profissionais de saúde através da plataforma Food For Heroes.

Vemos lá dentro um funcionário absolutamente equipado, envergando os elementos deste novo normal, aqueles que, no nosso imaginário de há três meses, montavam o look de um futuro muito distante: de luvas, de máscara e viseira, não lhe falta nada. Ficamos à porta, com receio de entrar. Será necessário colocar a máscara? Não faz muito sentido, porque a ideia é vir aqui comer. O jovem, que mais tarde ficamos a saber que se chama João, vem ao nosso encontro, explica que não é obrigatório para o cliente a utilização da tal protecção e explica-nos que apenas temos de desinfetar as mãos antes de entrarmos. O álcool gel está ali logo à entrada, portanto acedemos ao pedido.

pasta
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No corredor da entrada, há menos mesas e muito mais espaço entre cada uma delas. Nota-se que a distância foi medida, até porque reparamos que há uns retângulos pequenos colados no chão, que sinalizam o local exato em que os lugares devem estar dispostos, de forma a que se cumpram as regras definidas para estes espaços pela Direcção-Geral da Saúde. Mais tarde, João explica-nos que entre cada conjunto de lugares há mais de dois metros de distância, uma vez que o espaço é estreito e convém dar também margem de manobra para os funcionários se movimentarem e toda a gente estar em segurança.

Chegamos ao nosso lugar. À nossa frente, todos os elementos são desinfetados, desde a mesa à cadeira onde nos vamos a seguir sentar. O processo é rápido e discreto, porque apesar de se querer transmitir a segurança ao cliente, também não se quer estar constantemente a relembrá-lo que a pandemia anda aí. Afinal, há coisas que não mudam: embora se viva no novo normal, ir a um restaurante continua a ser uma ação associada a lazer e descontração, portanto convém que, com todas as precauções, haja algum poder de abstração face às desgraças da vida.

A ementa e o guardanapo são colocados na mesa com uma pinça (literalmente), os talheres e guardanapo chegam-nos reunidos num saco de papel, que garante que só nós é que lhes tocamos.  Sentamo-nos e, segundos depois, vem cumprimentar-nos Frederico Seixas, um dos sócios do grupo que detém os restaurantes Memória e Pasta Non Basta. Explica-nos que a capacidade do espaço foi reduzida de 35 para 22 lugares, de forma a cumprir com todas as normas obrigatórias. Perguntamos se já há reservas e somos surpreendidos com um sim: aqui já há quatro reservas para a hora do almoço e quatro para o jantar. O Memória, em Campo de Ourique, vai receber 15 pessoas na noite de reabertura. Mas este espaço é diferente daquele em que estamos: assim como o Pasta Non Basta Alvalade tem a vantagem de ter uma grande esplanada, ou seja, é um espaço aberto, que serve refeições ao ar livre, transmitindo mais segurança aos clientes. 

Sobre esta reabertura dos restaurantes, não se consegue prever muito bem aquilo que vai acontecer, mas Frederico Seixas fala-nos em dois cenários: se por um lado há quem tenha medo e prefira ainda resguardar-se, por outro há também quem sinta o cansaço associado ao confinamento, quem sinta as saudades dos programas fora de casa. No entanto, vale a pena relembrar que continuam a funcionar os serviços de take away e entrega em casa, seja através dos canais próprios, seja através da aplicação UberEats.

Renuka, uma das funcionárias deste Pasta Non Basta, acaba de regressar do seu período de layoff e é quem regista o nosso pedido: um Spaghettoni al Tartufo, uma das pastas mais famosas desta casa, que finalmente vamos provar. Antes, chega-nos a garrafa de água à mesa. Neste momento, somos questionados sobre o que preferimos: se queremos que o funcionário abra a garrafa ou se optamos por fazê-lo nós próprios. Com ou sem pandemia, escolheríamos sempre a segunda opção.

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Entretanto, entra mais um cliente no restaurante. Senta-se numa mesa e o processo acontece todo da mesma forma: desinfecção à entrada, mesa e cadeira higienizados, pedido registado. Nesta última etapa, a distância de segurança de dois metros entre cliente e funcionário não acontece, porque, de outra forma, é impossível sermos servidos ou sequer estabelecer-se  uma comunicação verbal eficaz. É que deste novo normal fazem parte as máscaras e viseiras, que, por um lado protegem, mas que, por outro, abafam e distorcem o som das palavras. É uma das consequências: nestas novas conversas de boca tapada, é preciso concentrar alguma energia no sentido da audição. Por exemplo: João apresentou-se como João, mas só à segunda é que percebemos que afinal não era Duarte.

O spaghettoni chega e desfrutamos contentes da nossa primeira refeição fora de casa desde março. Estamos satisfeitos, sentimo-no seguros, até porque sabemos que também na cozinha a máscara e as luvas são obrigatórias, de acordo com o que nos explicam. As viseiras ficam de fora, porque com o calor embaciam-se e cozinhar sem ver não é lá muito boa ideia, quer para quem faz, como para quem come.

Os dispensadores de álcool gel estão em vários locais: notamos num que está junto do lavatório, noutro que está no balcão, sem esquecer o da entrada. Sobre este recomeço, João e Renuka dizem-nos que ainda se estão todos a habituar: a habituar às máscaras e às viseiras, que, apesar de protegerem a testa com uma esponja,  fazem muito calor — sobretudo neste verão de maio, que acaba de começar;  a habituar às novas rotinas de higiene, desde a desinfecção regular das mãos (sempre que levantam uma mesa, por exemplo), à medição da temperatura, fundamentais para que toda a gente esteja em segurança; a habituar a lidar com os clientes na reabertura para um mundo pandémico, porque não sabemos quais é que são os medos e inseguranças dos outros, que são legitimas e que têm de se respeitar. Mas o sentimento é comum: está toda a gente contente por regressar.

colegas
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Ainda sobre a higiene, ficámos surpreendidos com mais pormenores: as casas de banho são limpas três vezes ao dia e o resto dos espaço é desinfectado seis vezes, sem contar com as limpezas que são feitas às mesas e cadeiras, sempre que o cliente entra e sempre que o cliente sai.

Saltámos a sobremesa, porque há que começar a cortar com os excessos depois de meses em confinamento, mesmo ao lado do frigorífico. Mas pedimos o nosso café, que bebemos felizes, porque nos deixa matar saudades do sabor característico, que as máquinas de casa nunca conseguem imitar.

É bom voltar a trabalhar na rua, é bom voltar a comer fora. É bom cruzar as ruas de Lisboa e ver que já há mais vida. Claro que há receio da doença, e o ideal é que ele não desapareça, sob o risco de sermos recambiados para casa, para um novo Estado de Emergência. E, apesar de tudo, nem é com a estadia no restaurante que nos vêm as inseguranças à cabeça. É mesmo a mexer naquela máquina do parquímetro da Emel, porque aqueles botões não são desinfetados seis vezes ao dia ou sequer de cada vez que alguém vai pôr lá o dedo.