Uma investigação do “Diário de Notícias” enunciou os entraves que as mulheres enfrentam no País para realizarem a Interrupção Voluntária de Gravidez (IVG). A análise dos mesmos levou o conselho de administração da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) a confirmar que Portugal está a violar a lei do aborto por não garantir as condições necessárias a este serviço.
A Entidade Reguladora da Saúde revelou ao “Diário de Notícias” que recebe centenas de denúncias a acusar o incumprimento da lei e, inclusive, tem vários processos de investigação a decorrer. A mesma reconhece “a existência, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), de violações da lei e dos regulamentos que resultam em entraves e constrangimentos no acesso a este direito que chegam por vezes, por serem ultrapassados os prazos, a impedir a realização da IVG”, relata o “Diário de Notícias”.
Já passaram três meses desde a declaração do Ministro da Saúde a garantir que seriam resolvidos os obstáculos de acesso ao aborto em Portugal, e o Governo ainda não se pronunciou sobre que tipo de medidas vão ser tomadas para o efeito. A situação é semelhante à de Itália, que foi condenada pelo Comité Europeu dos Direitos Sociais por violar o direito de acesso à saúde e discriminação.
Itália foi condenada, com 35% dos hospitais a recusarem a prática da IVG “alegando objeção de consciência de todos os médicos”, e em Portugal são 30%, explica o “Diário de Notícias”. Entre 2009 e 2023, pelo menos sete hospitais e um Centro de Saúde deixaram de fazer IVG, sem que fossem tomadas medidas para contrariar essa diminuição de acesso, como pode ler aqui.
Foi em 2007 que o aborto até às 10 semanas passou a estar ao abrigo da lei em Portugal. No entanto, as pessoas que pretendem ter acesso a este direito (teoricamente grátis e garantido) continuam a enfrentar barreiras como discriminação, um tempo de espera que pode ultrapassar essas 10 semanas e até a recusa de acesso ao aborto na sua localidade, obrigando a viajar centenas de quilómetros e a criar despesas que não estariam previstas neste contexto. Foi neste seguimento que o “Diário de Notícias” concluiu que a lei que consagra este direito é diariamente violada no SNS, dando como exemplo a falta de acessos no arquipélago dos Açores.
Nos Açores “as senhoras são encaminhadas para o continente”
"Tem de vir à urgência, fazer uma ficha e dar a indicação de que quer interromper. Na urgência é feita uma ecografia a ver se está ainda dentro do prazo legal e depois é encaminhada à consulta." É assim que explicam o procedimento para as pessoas que pretendem interromper a gravidez no hospital do Divino Espírito Santo, de Ponta Delgada, ilha de São Miguel, Açores.
Quando questionados se é no mesmo hospital que a mulher vai ter acesso a este serviço, respondem que “as senhoras são encaminhadas para o continente”. “Não é cá que se faz. Peça a informação ao médico que fizer a ecografia, está bem?", indicaram ao “Diário de Notícias” em abril. Na lista de unidades de saúde onde constam as que realizam (ou não) IVG, este hospital de Ponta Delgada aparece “sem informação”.
Numa situação como esta, o SNS paga as despesas de deslocação até Portugal continental, mas não tem em conta os dias de trabalho/estudo em que a dispensa é necessária para o período de reflexão que a lei prevê de três dias (no mínimo), para além de aumentar a probabilidade de ultrapassar o prazo legal para a realização do aborto. Esta e outras questões levam à reflexão sobre o cumprimento da lei por parte destes hospitais, no sentido de garantir que trabalham para "facilitar o acesso, promover a qualidade da prestação de cuidados de saúde, bem como diminuir o medo da crítica" ao aborto, e assegurar "a confidencialidade e privacidade" para a mulher, como consta na norma.